A crise, o machismo e o dia das mães
Ano após ano, em todo início de maio, os espaços publicitários são invadidos por anúncios de homenagem as mães brasileiras. Uma das mais importantes datas comerciais do varejo, o dia das mães acaba enaltecendo um conjunto de qualidades da mulher que, muitas vezes, só se desenvolveram graças à naturalização do machismo na sociedade. Homenageiam a […]
Publicado em 2 de maio de 2016 às, 12h42.
Última atualização em 22 de junho de 2017 às, 18h24.
Ano após ano, em todo início de maio, os espaços publicitários são invadidos por anúncios de homenagem as mães brasileiras. Uma das mais importantes datas comerciais do varejo, o dia das mães acaba enaltecendo um conjunto de qualidades da mulher que, muitas vezes, só se desenvolveram graças à naturalização do machismo na sociedade. Homenageiam a mulher que “se vira nos 30”, sem dizer que isso acontece graças à ausência do homem nas tarefas domésticas, ou a profissional que atingiu o topo da carreira, sem mencionar que isso é quase uma exceção no mundo corporativo de ontem e de hoje.
As brasileiras foram particularmente impactadas pelas mudanças estruturais iniciadas no país com a implantação do Plano Real, em 1994, e que avançaram, na década seguinte, por meio dos programas sociais e da expansão do mercado de trabalho formal. Agora na crise, são as mulheres que lideram o desagradável, mas necessário “ajuste fiscal doméstico” para fazer caber no orçamento limitado e corroído pela inflação os desejos e expectativas de toda a família.
Nosso país conta com 103 milhões de mulheres. Via de regra, elas estudam por mais tempo do que os homens, têm menos filhos do que suas mães e influenciam fortemente as decisões de consumo das famílias. Mesmo com todas as barreiras que encontram para seu desenvolvimento profissional, o número de mulheres que trabalham cresceu quatro vezes mais que a população e o consumo aumentou 83% nos últimos 10 anos. Em 2016, mesmo na crise, a soma da renda feminina deverá superar 1,5 trilhão de reais, um consumo maior do que mais de 95% dos países do mundo.
O aumento da escolaridade e da renda de mães brasileiras trouxe um fenômeno interessante à dinâmica das famílias. Atualmente, 89% dos “pais de família”, admitem que a esposa é a principal responsável pelas decisões de compra no supermercado. Além disso, 61% revelam que elas dão a palavra final sobre o carro da família, e 7 de cada 10 admitem que a cueca que estão usando foi comprada pela esposa. Dados que mostram o poder de decisão de consumo das mulheres e que ao mesmo tempo reforçam a acomodação masculina sobre a divisão das tarefas domésticas.
Com mais escolaridade, as mulheres mais jovens já têm ocupações que oferecem mais perspectivas de ascensão do que aquelas da geração anterior. Entre as mulheres na faixa de 45 a 60 anos, a principal ocupação é o serviço doméstico. Para as mais jovens, de 16 a 30 anos, o setor de vendas e atendimento já é o principal trabalho. Em busca de ser dona do seu tempo, 32% das mulheres pretendem abrir um negócio próprio. Essa é, para muitas mulheres, a melhor forma de conciliar o dia a dia de trabalho e os cuidados com a casa e a família com maior autonomia nos horários.
Com a sobrecarga de trabalho, não resta dúvida que neste dia das mães não há presente melhor que um homem possa dar do que cumprir com sua parte nas tarefas domésticas e não permitir que seus filhos cresçam reproduzindo as atitudes cotidianas que levaram à desigualdade de gênero no Brasil.