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Diversidade não é gentileza

O Brasil só recentemente começou a desconstruir uma estética pré-estabelecida de mercado. Promover a diversidade e a inclusão não é uma gentileza

Daniela Cachich e Yasmine Sterea: diversidade nas organizações é obrigação, não gentileza (EXAME/Divulgação)
Daniela Cachich e Yasmine Sterea: diversidade nas organizações é obrigação, não gentileza (EXAME/Divulgação)
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Nosso Olhar

Publicado em 10 de julho de 2020 às, 11h22.

Promover a diversidade e a inclusão não é uma gentileza. Não é uma opção. É o que o mundo vem urgindo. Se transformando. Pedindo. Na verdade nunca deveria ter sido algo à parte. Mas aqui estamos falando de algo essencial para mudarmos como sociedade - incluir toda a população. Parece tão óbvio quando eu escrevo: incluir toda a população. Mas ainda não vemos isso acontecer como deveria. Por isso vamos falar quantas vezes forem necessárias até essa transformação virar de fato a nossa realidade.

Diversidade é incluir todos nós na conversa. Para falar desse assunto, na quarta-feira (8) estive com Daniela Cachich, VP de Marketing da PepsiCo, na Exame Talks. Daniela é conhecida por trazer inovação e transformação por onde passa. Desde seus tempos de Dove, Heineken e agora à frente de mais de 20 marcas da PepsiCo. “No Brasil chamamos as maiorias de minorias, como mulheres e negros. Nós precisamos acelerar essa normalização, conhecer as pessoas com quem estamos falando e assim fazer a mudança que queremos proporcionar na sociedade. Também é importante atrair mais talentos com representatividade para trabalhar nas marcas”, afirma Daniela, que falou sobre os processos seletivos de estágio e trainee realizados às cegas na PepsiCo. Segundo ela, não utilizar critérios de gênero, formação e origem permitiu mais diversidade no quadro de funcionários. E para promover mais inclusão, a empresa deixou de exigir o inglês nesses processos e passou a oferecer o curso do idioma.

Mais de metade da população brasileira é negra, parda ou indígena, são 57,3% do país segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) 2019. E mesmo assim, ainda não vemos essa grande parcela da população em muitos cargos de liderança ou em posições de poder na política. Isso precisa mudar. E para essa mudança acontecer todos nós precisamos olhar para dentro e fazer a nossa parte. Falando em mulheres, somos 51% da população. E mesmo assim ainda não somos vistas e retratadas de forma potente como somos de fato.

Muitos ainda nos olham baseados em estereótipos ultrapassados do que é certo ou errado. Somos diferentes, plurais, múltiplas. E para falar de diversidade e inclusão, olhar para todos é promover práticas internas e uma comunicação adequada, que represente essa diversidade. Esse é o caminho para todos nós. Quando falamos em empresas, isso precisa mudar o quanto antes porque muitas ainda não perceberam a urgência do assunto e correm o risco de ficarem para trás ou quem sabe perder sua relevância no mercado. Com as mudanças acontecendo mais rápido do que nunca, quem não mudar ou se transformar corre o risco de acabar morrendo.

O Brasil só recentemente começou a desconstruir uma estética pré-estabelecida de mercado. Uma pesquisa realizada no ano passado pela Samsung em parceria com a Bridge Research demonstrou que para 85% dos brasileiros é importante que as marcas abordem a diversidade em sua comunicação, e 73% acreditam que a diversidade não é respeitada no Brasil.

Marcas têm um poder de impacto gigantesco na nossa sociedade. Elas conversam com seus consumidores diariamente. Suas mensagens chegam a milhões de pessoas todos os dias. E com tamanho alcance, igualmente vem tamanha responsabilidade social. Pois é, quando você tem o poder de alcance, de chegar em tantas pessoas, você tem o poder de mudar paradigmas. Mulheres querem se sentir representadas. Não mais como objetos de desejo, mas como mulheres que são, de várias etnias, corpos, idades. E não mais essa ideia de uma beleza ou um status inalcançáveis. As pessoas querem ser quem são. E se elas não se veem na sua marca elas deixam de consumir seu produto.

Não existe mais uma hierarquia das marcas dizendo o que a sociedade deve ou não ser ou consumir. Agora existe um diálogo entre as empresas e seus consumidores. Se você me representa, eu consumo seu produto ou serviço. E não adianta ser somente mais uma ação de marketing não. As pessoas querem atuação real. Se você levanta a bandeira LGBTQIAP+, você não só deve fazer isso em propagandas, mas de fato atuar pela comunidade: contratar, dar espaço, fortalecer. Tudo precisa ser de verdade porque, se não for, está aí a cultura do cancelamento. Tudo que não é de verdade é facilmente percebido. Com a evolução da tecnologia, as marcas tiveram que repensar sua estratégia de comunicação para estar no lugar onde os clientes estão. Com as mídias sociais e a internet ampliou-se a capacidade de alcance para divulgar um produto ou serviço, mas estamos falando aqui de um meio que permite a comunicação nas duas vias. E se um cliente não gostar da forma que um conteúdo foi abordado ou não se sentir representado, isso não vai passar despercebido.

Antes de ser VP de Marketing da PepsiCo, Daniela Cachich atuou com a marca Dove, quando foi lançada a campanha Real Beleza que há 15 anos desafiou a indústria da beleza e começou a usar mulheres reais ao invés de modelos dentro daquele padrão estético inalcançável. “Foi uma grande quebra de paradigma para a época. Os dados eram alarmantes, apenas 2% das mulheres se sentem bonitas e nós, como representantes das marcas, temos que usar nosso poder de alcance para transformar. Isso é muito mais do que só vender um produto, naquele momento estávamos falando da autoestima das mulheres”, conta.

Hoje Daniela está à frente de marcas como Doritos e eQlibri e vem promovendo um trabalho importantíssimo de inclusão e diversidade. Com Doritos ela trouxe ao Brasil a campanha do Doritos Rainbow que hoje apoia 12 ONGs ligadas à causa LGBTQIAP+ num país que mata pessoas dessa comunidade diariamente. Quando falamos que empresas precisam atuar, isso quer dizer estar junto em momentos bons e nos difíceis também, como foi o caso da parada desse ano. “Fizemos um tributo no dia em que a Parada do Orgulho LGBT+ de São Paulo, que é a maior do mundo, não ia acontecer fisicamente, com a projeção do arco-íris na Avenida Paulista. É um privilégio usar uma marca para falar sobre temas que não podem ser esquecidos, isso tem um impacto muito poderoso”, diz Cachich.

Com a eQlibri, o autocuidado e empoderamento das mulheres é o que motiva a linha de comunicação e atuação da marca. Agora na pandemia a eQlibri utilizou grande parte de sua verba destinada ao lançamento de sua mais nova pipoca para realizar doações de cestas básicas para mulheres em situação de vulnerabilidade. “Precisamos olhar para o que o momento pede e agir. O que era mais importante para o momento? Um novo produto ou auxiliar mulheres em extrema vulnerabilidade durante a pandemia?”, conta Daniela. Esse é o novo marketing: união de marca, propósito e atuação real na sociedade. Vale mencionar aqui também a nova campanha da Gillette que aborda a masculinidade tóxica. Marcas têm o poder de transformação. Vamos usar isso de forma mais efetiva.

O relatório “Diversity Matters” da McKinsey aponta que as empresas que promovem diversidade étnica têm 35% mais retorno financeiro. Em relação à diversidade de gênero o retorno é 15%. O que vale para a parte operacional da empresa, também vale para a forma de se comunicar. Não faz mais sentido tentar falar com um público específico e segmentado. Precisamos nos aproximar de todos e normalizar a diferença que está em toda parte. Não podemos deixar que a diversidade continue sendo motivo de protestos e de separação na sociedade. Devemos nos unir e celebrar nossas diferenças. Por isso a pergunta é: o que eu posso fazer com o meu privilégio, seja como marca ou pessoa, pela sociedade ou causa que eu apoio? Falar que apoia é fácil. Precisamos de ação.

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