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Tec é a chave

A nova economia é o grande motor de criação de valor na atualidade

Apple: valor de mercado da Apple atingiu a marca de 2 trilhões de dólares (VCG / Colaborador/Getty Images)
Apple: valor de mercado da Apple atingiu a marca de 2 trilhões de dólares (VCG / Colaborador/Getty Images)
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Na sala do CEO – McKinsey Brasil

Publicado em 26 de outubro de 2020 às, 12h32.

Última atualização em 26 de outubro de 2020 às, 13h03.

Em agosto de 2020, o valor de mercado da Apple atingiu a marca de 2 trilhões de dólares. Sozinha, essa única empresa vale três vezes mais do que todas as ações de todas as empresas negociadas na bolsa brasileira.

Esse fenômeno de criação de valor não é isolado — empresas de tecnologia têm sido responsáveis por ele em todo o mundo. De 2010 a 2019, o valor de mercado das dez maiores empresas dos Estados Unidos mais que triplicou, e grande parte deste processo de criação de valor está associado à ascensão das empresas da nova economia, que já representam 70% deste total. Na China, observa-se o mesmo fenômeno. De 2010 a 2019, o valor das dez maiores empresas chinesas quase dobrou. Dez anos atrás, nenhuma empresa de tecnologia estava nesse ranking chinês; em 2019 elas representavam metade do valor de todas as dez maiores somadas.

Enquanto isso, no Brasil, o valor de mercado das dez maiores empresas não só não subiu, como caiu: em 2019 as empresas brasileiras valiam 30% menos do que em 2010. No ranking das nossas dez maiores empresas atualmente ainda predominam os setores tradicionais e não há nenhuma empresa da nova economia.

Mas isso não quer dizer que não existam empresas digitais no Brasil. Elas são menores, mas com igual capacidade de criar valor. Olhando só para empresas de tecnologia listadas na nossa bolsa, o valor das dez maiores mais que triplicou no mesmo período entre 2010 e 2019. Ou seja, não parece existir nenhuma barreira estrutural ao desenvolvimento de empresas de tecnologia e da nova economia no Brasil. Precisamos apenas acelerar e expandir este processo.

 Existem três caminhos possíveis para a nova economia:

 

  • o primeiro, de empresas tradicionais que se reinventam através da tecnologia: este é o caso do Magazine Luiza, comércio de varejo que transformou seu modelo de negócio e se tornou um dos maiores marketplaces nacionais, vivenciando uma enorme expansão nos últimos anos e lançando uma tendência em seu ramo de negócio. Um grande número de incumbentes segue nessa direção no Brasil, buscando incorporar novas tecnologias e ferramentas digitais. Em recente pesquisa realizada pela McKinsey com mais de 400 empresas nacionais, vemos que as mais avançadas estão investindo pesadamente em seu processo de digitalização. E existe uma correlação clara: quanto mais avançada em maturidade digital, maior tende a ser o crescimento e a lucratividade da empresa.

 

  • o segundo, das startups: o Brasil já é um celeiro delas e conta com 13 unicórnios, que valem cada mais de US$ 1 bilhão. Temos casos de sucesso de empresas que já abriram seu capital, como a Stone, criada há apenas 5 anos. A chave para expansão desse setor é a maior disponibilidade de capital de investimento. Nessa frente as notícias são boas. Os investimentos por fundos de Venture Capital cresceram 40 vezes entre 2012 e 2019, atingindo US$ 2,4 bilhões, equivalente a 0,12% do PIB brasileiro. É uma aceleração enorme e muito relevante que tem por trás tanto o desenvolvimento de um número significativo de VCs locais como a entrada das grandes firmas internacionais, como o Softbank, no mercado nacional.

 

  • o terceiro, no esteira do sucesso das startups, é de grandes empresas que buscam criar novos negócios em paralelo para capturar as oportunidades emergentes. Este é o caso do Bradesco com a Next e da Caixa Seguros com a Youse incumbentes que tentam alavancar sua marca, sua capacidade financeira e sua força de mercado, para criar novos negócios que atuam de forma independente das operações tradicionais. Também nessa esteira notamos um crescimento significativo das atividades de corporate venture capital, ou seja, de empresas tradicionais buscando adquirir participações em startups na sua esfera de negócio.

 Qualquer que seja o caminho escolhido, são necessários empreendedores e bons talentos para fazer disso uma realidade. Vimos na última década o surgimento de toda uma geração de empreendedores muito bem formados e que teve oportunidade de adquirir larga experiência: 26% dos fundadores das 100 maiores startups possuíam experiência anterior nesse ambiente antes de lançarem seus negócios; entre os fundadores de unicórnios, a participação de empreendedores em série aumenta para 44%. Mas a questão dos talentos é complexa, pois no Brasil existe uma carência de profissionais técnicos: para cada engenheiro ou cientista, o país forma onze alunos de direito ou administração. Nos EUA e na Alemanha, essa relação é de um para cinco; na Estônia e na Índia, de um para três. Prevemos um déficit de mais de 1 milhão de profissionais de tecnologia até o final da década. Esse deve ser um ponto de atenção para empresas e governantes.

Apesar de todos esses desafios, os exemplos confirmam o potencial relevante de criação de valor da tecnologia por aqui. O Brasil tem a situação fortuita de ser um mercado muito grande, com uma economia bastante aberta à inovação e consumidores bem digitalizados o brasileiro é tipicamente um early adoptor de novas tecnologias. Esses ingredientes facilitam a criação e o desenvolvimento de novas empresas e a adoção de novos modelos de negócio. Os empresários, sejam incumbentes ou novos empreendedores, devem seguir buscando a inovação. É uma guinada obrigatória e incontornável para o crescimento e a criação de valor.

* Heitor Martins, sócio sênior da McKinsey e Líder de Digital e Analytics para América Latina