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Regras e discricionariedade na Política Fiscal

No final dos anos 70 e início dos anos 80, o grande debate de política econômica questionava quais deveriam ser os limites da política monetária. Com a alta inflacionária nos EUA proveniente tanto dos choques do petróleo, quanto da discrecionariedade do Fed, a academia se perguntava em que medida os Bancos Centrais deveriam seguir regras […]

TEMER: o que segura o governo Temer? Simplesmente, o instinto de sobrevivência do parlamentar no Congresso Nacional / Adriano Machado/ Reuters
TEMER: o que segura o governo Temer? Simplesmente, o instinto de sobrevivência do parlamentar no Congresso Nacional / Adriano Machado/ Reuters
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Monica de Bolle

Publicado em 16 de dezembro de 2016 às, 10h59.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às, 18h49.

No final dos anos 70 e início dos anos 80, o grande debate de política econômica questionava quais deveriam ser os limites da política monetária. Com a alta inflacionária nos EUA proveniente tanto dos choques do petróleo, quanto da discrecionariedade do Fed, a academia se perguntava em que medida os Bancos Centrais deveriam seguir regras preestabelecidas para evitar pressões indevidas nos preços e suas consequências para a atividade. Do debate resultou a prescrição de que a adoção de regras para a política monetária serviria para atenuar a volatilidade da atividade e impedir surtos inflacionários derivados do excesso de discricionariedade.

A ideia era relativamente simples: na presença de discricionariedade, qualquer comprometimento da autoridade monetária com a estabilidade inflacionária estaria sujeito a problema de inconsistência intertemporal. O compromisso poderia ter validade hoje, mas a tentação de garantir nível mais alto do PIB e do emprego nos períodos seguintes levariam a autoridade monetária a abandonar em parte seu compromisso desde que tivesse liberdade de ação para tanto. Para resolver o dilema intertemporal, argumentava-se, a adoção de regras era imprescindível. Com uma regra explícita, os Bancos Centrais estariam mais amarrados aos seus objetivos, superando a tentação natural de sucumbir ao excesso de expansionismo monetário. O ressurgimento do debate sobre regras fiscais no Brasil – em particular a adoção de um teto para o crescimento das despesas como o recém postulado pela PEC 55 aprovada essa semana pelo Senado – é eco dessa literatura antiga, aplicada à política fiscal.

É possível pensar assim: se as autoridades responsáveis pela política fiscal têm alto grau de discricionariedade, qualquer compromisso que anunciem em relação à trajetória do déficit público ou à evolução da relação dívida-PIB sofrerá do mesmo tipo de inconsistência intertemporal. Dito de outro modo, em algum momento futuro, o compromisso com a higidez fiscal será abandonado em favor de políticas expansionistas que promovam uma alta do PIB. Nesse contexto, a adoção de regras mais rígidas para a evolução das variáveis fiscais sob controle do governo – o gasto, já que a arrecadação depende do que está acontecendo com a atividade econômica em determinado momento – eliminariam a tentação de abandonar a prudência fiscal em favor de aumentos insustentáveis do crescimento.

Tais argumentos parecem bastante convincentes, mas eis que há alguns problemas. Primeiramente, o velho debate sobre regras versus discricionariedade na política monetária já não tem mais o caráter preto no branco de outrora desde que a experiência com regras rígidas mostrou-se inadequada para uma realidade em que economias estão constantemente sujeitas a choques inesperados que exigem das autoridades alguma autonomia de ação. Os regimes de metas de inflação que se espalharam mundo afora nos anos 90 constituíram exemplo da superação desse debate na área da política monetária, já que, quando bem geridos, garantem o bom equilíbrio entre regras e discricionariedade. Em segundo lugar, a literatura acadêmica sobre regras e discricionariedade quando dirigida à política fiscal é ambígua. Nem sempre a adoção de regras é melhor do que ter liberdade de escolha. Geralmente, isso só é verdade quando o país em questão apresenta déficits e dívidas completamente descontrolados.

Por certo, esse é o problema do Brasil hoje, razão para que se justifique a necessidade de ter um limite para o crescimento da despesa pública. Quando a despesa cresce em demasia, todos perdem, sobretudo os mais pobres sobre quem recai a conta mais salgada do ajuste. Portanto, argumentos aparentemente convincentes, como os que insistem que regras para os gastos são nefandas porque afetam a população vulnerável invertem a lógica das coisas – as regras são feitas não por maldade, mas para evitar que excessos futuros prejudiquem, mais uma vez, a parcela mais carente da população. Essa é a parte técnica do argumento que o governo brasileiro não consegue explicar direito para as pessoas, deixando espaço para que surja todo o tipo de opinião desonesta em relação ao que de fato implica o uso de regras fiscais no atual contexto brasileiro.

Contudo, os que defendem a ferro e fogo a PEC recém-aprovada tampouco estão sendo inequivocamente justos em suas avaliações. Vigora no Brasil ideia funesta de que não se pode criticar as medidas do governo de modo construtivo pois isso implicaria “dar munição” àqueles que a essas medidas se opõem. Trata-se de forma tosca de pensar e de agir no debate público, onde a formação poderada de opinião é o que realmente deveria interessar. O limite adotado no Brasil é, sim, rígido em excesso. Por ser rígido em excesso, vai de encontro a um importante resultado da literatura acadêmica sobre regras e discricionariedade na política fiscal: o de que na presença de incerteza, regras muito estritas podem ser subótimas. Vale, portanto, o princípio dos regimes de metas de inflação – melhor é encontrar o bom equilíbrio entre a regra e a liberdade de ação. Teria dado para fazer isso na PEC 55, mas o governo, ante a pressa de cumprir o prometido depois de dizer a todos com veemência que sem a PEC iria o Brasil bueiro abaixo, optou por não fazê-lo. Isto é, o desenho final da PEC 55 amarrado ficou ao próprio discurso alarmista do governo que a implantou.

É bom que tenhamos um limite para o gasto público. Não é bom que o tenhamos feito com tanta pressa. Dizem por aí que o ótimo é inimigo do bom – mas isso pressupõe que o que temos hoje seja bom o suficiente. E se o que temos hoje for apenas algo “mais ou menos”? Fica a pergunta para os que quiserem abordá-la com cabeça aberta e argumentos bem fundamentados.

MONICA-DE-BOLLE