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Humpty Dumpty e o destino britânico

Humpty Dumpty sat on the wall Humpty Dumpty had a great fall All the king’s horses and all the king’s men Couldn’t put Humpty together again Na semana que passou, o Reino unido saiu do muro. Na semana que passou, Theresa May assinou a carta da queda fatídica. A Grã-Bretanha ainda não se espatifou, mas […]

HUMPTY DUMPTY: o destino do pobre ovo que caiu do muro se abaterá sobre o Reino Unido? / Divulgação
DR

Da Redação

Publicado em 31 de março de 2017 às 14h05.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h01.

Humpty Dumpty sat on the wall

Humpty Dumpty had a great fall

All the king’s horses and all the king’s men

Couldn’t put Humpty together again

Na semana que passou, o Reino unido saiu do muro. Na semana que passou, Theresa May assinou a carta da queda fatídica. A Grã-Bretanha ainda não se espatifou, mas passará por dois árduos anos antes que isso aconteça. E, acontecerá. Afinal, divórcios e Brexits são rupturas. Diferentemente de processos de integração, em que os ganhos não são necessariamente imediatos, mas contínuos e graduais – razão para que sejam tantas vezes ignorados –, rupturas são descontínuas por definição, o baque é súbito. Acionado o artigo 50 do tratado que rege a União Europeia, o Reino Unido apenas sentirá o baque quando sair de fato, em março de 2019.

Na última quarta-feira, Theresa May enviou a carta de divórcio para a União Europeia. Nela, afirmou que a prioridade de seu país é negociar com parceiros e vizinhos um acordo abrangente para a comercialização de bens e serviços, atrelando tal desejo aos interesses comuns na área de segurança internacional. Quase imediatamente recebeu rebarba de Guy Verhofstadt, o membro do Parlamento Europeu responsável pelas negociações do Brexit. Disse ele: “segurança é tema demasiado importante para ser tratado como elemento de barganha em um acordo econômico”. A resposta ríspida sugere que o processo iminente de divórcio deverá ser bastante contencioso. Até porque as prioridades das partes envolvidas são, por ora, ortogonais.

O Reino Unido quer começar logo a negociação sobre o acordo econômico, já que será obrigado a sair do mercado único. Avanços e vitórias nas tratativas sobre o acordo reduziriam as incertezas que hoje pairam sobre a City – nuvens mais cinzentas e carregadas do que a norma londrina. Diversas instituições financeiras já anunciaram planos de mudar-se para Dublin, Frankfurt, Paris, Luxemburgo, e, até, Valetta. Valetta, a bela cidade no arquipélago de Malta. Boa parte do PIB do Reino Unido provém de serviços financeiros. O encolhimento da City, portanto, nada tem de alvissareiro.

Os europeus – chamemo-los assim, ainda que May tenha enfatizado ser a ilha parte da Europa – não estão interessados em discutir acordo algum, não agora. Os europeus estão interessados nos termos do divórcio, na pensão, no montante que o Reino Unido terá de pagar para ressarcir a União Europeia por compromissos assumidos. Dizem que a Grã-Bretanha deve à Europa cerca de 60 bilhões de euros, o que equivale a todo o orçamento de defesa da ilha. Os europeus querem também discutir imigração. O que será dos 3,3 milhões de indivíduos que vivem e trabalham no Reino Unido? E os 1,2 milhão de britânicos que moram no continente? Essas perguntas não são triviais.

Entre os 1,2 milhão de britânicos continentais, 300.000 estão na Espanha, boa parte curtindo a aposentadoria. Hoje, recebem suas pensões no Reino Unido, transferem seus rendimentos para alguma cidade ensolarada, e têm direito a usufruir dos sistemas de saúde do mediterrâneo. Em apenas dois anos, não se sabe o que será desses direitos. Quanto aos 3,3 milhões de europeus na ilha, entre eles acadêmicos, alunos, e, claro, o bombeiro polonês, tampouco se sabe o que ocorrerá. Mas, que a vida de todos ficará mais difícil, isso é certo. Afinal, a premissa do Brexit é fechar fronteiras, acabar com a livre circulação de pessoas.

Pode ser que, ao final, o Brexit não acabe tão mal. Pode ser que May consiga negociar bom acordo no período exíguo de dezoito meses – sim, dezoito, pois todos os parlamentos terão de aprovar o que quer que seja antes de se encerrar o prazo de dois anos. Mas, pode ser que não. Pode ser que a ilha encolha, fique menos cosmopolita, menos atraente, mais cinzenta e nublada, apagada. Ou, pode ser que o destino de Humpty Dumpty se abata sobre a Grã Bretanha. Nem todos os cavalos, nem todos os cavaleiros. Pobre da rainha, que viveu mais de 4 décadas dos seus 65 anos de reinado dentro da Europa, ainda que separada pelo canal.

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Na última quarta-feira, Theresa May enviou a carta de divórcio para a União Europeia. Nela, afirmou que a prioridade de seu país é negociar com parceiros e vizinhos um acordo abrangente para a comercialização de bens e serviços, atrelando tal desejo aos interesses comuns na área de segurança internacional. Quase imediatamente recebeu rebarba de Guy Verhofstadt, o membro do Parlamento Europeu responsável pelas negociações do Brexit. Disse ele: “segurança é tema demasiado importante para ser tratado como elemento de barganha em um acordo econômico”. A resposta ríspida sugere que o processo iminente de divórcio deverá ser bastante contencioso. Até porque as prioridades das partes envolvidas são, por ora, ortogonais.

O Reino Unido quer começar logo a negociação sobre o acordo econômico, já que será obrigado a sair do mercado único. Avanços e vitórias nas tratativas sobre o acordo reduziriam as incertezas que hoje pairam sobre a City – nuvens mais cinzentas e carregadas do que a norma londrina. Diversas instituições financeiras já anunciaram planos de mudar-se para Dublin, Frankfurt, Paris, Luxemburgo, e, até, Valetta. Valetta, a bela cidade no arquipélago de Malta. Boa parte do PIB do Reino Unido provém de serviços financeiros. O encolhimento da City, portanto, nada tem de alvissareiro.

Os europeus – chamemo-los assim, ainda que May tenha enfatizado ser a ilha parte da Europa – não estão interessados em discutir acordo algum, não agora. Os europeus estão interessados nos termos do divórcio, na pensão, no montante que o Reino Unido terá de pagar para ressarcir a União Europeia por compromissos assumidos. Dizem que a Grã-Bretanha deve à Europa cerca de 60 bilhões de euros, o que equivale a todo o orçamento de defesa da ilha. Os europeus querem também discutir imigração. O que será dos 3,3 milhões de indivíduos que vivem e trabalham no Reino Unido? E os 1,2 milhão de britânicos que moram no continente? Essas perguntas não são triviais.

Entre os 1,2 milhão de britânicos continentais, 300.000 estão na Espanha, boa parte curtindo a aposentadoria. Hoje, recebem suas pensões no Reino Unido, transferem seus rendimentos para alguma cidade ensolarada, e têm direito a usufruir dos sistemas de saúde do mediterrâneo. Em apenas dois anos, não se sabe o que será desses direitos. Quanto aos 3,3 milhões de europeus na ilha, entre eles acadêmicos, alunos, e, claro, o bombeiro polonês, tampouco se sabe o que ocorrerá. Mas, que a vida de todos ficará mais difícil, isso é certo. Afinal, a premissa do Brexit é fechar fronteiras, acabar com a livre circulação de pessoas.

Pode ser que, ao final, o Brexit não acabe tão mal. Pode ser que May consiga negociar bom acordo no período exíguo de dezoito meses – sim, dezoito, pois todos os parlamentos terão de aprovar o que quer que seja antes de se encerrar o prazo de dois anos. Mas, pode ser que não. Pode ser que a ilha encolha, fique menos cosmopolita, menos atraente, mais cinzenta e nublada, apagada. Ou, pode ser que o destino de Humpty Dumpty se abata sobre a Grã Bretanha. Nem todos os cavalos, nem todos os cavaleiros. Pobre da rainha, que viveu mais de 4 décadas dos seus 65 anos de reinado dentro da Europa, ainda que separada pelo canal.

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