Uma última palavra sobre o casamento de Lula
Lula condenou os hábitos de consumo da classe média. Mas fez escolhas semelhantes às que reprovou publicamente
Publicado em 23 de maio de 2022 às, 09h08.
Aluizio Falcão Filho
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva se casou na semana passada com a socióloga Rosângela Silva, que ficou nacionalmente conhecida pelo seu apelido (Janja). Foi uma cerimônia realizada no buffet Vila Bisutti e reuniu 150 amigos, parentes e algumas celebridades, como a cantora Maria Rita.
Nem bem Lula e Janja tinham dito “sim” diante de um bispo vindo de Santa Catarina, começou uma discussão nas redes sociais a respeito do evento. Adversários do ex-presidente criticaram o casamento – muitos dos quais qualificando a cerimônia como nababesca.
O buffet em questão não é exatamente um local luxuoso e caríssimo. Muitas festas de classe média são realizadas lá com orçamentos módicos. Não pode também dizer que o casal exagerou no preço das bebidas. O espumante servido não era dos mais caros, assim como os ingredientes do jantar, e o vestido da noiva não ficou sob a responsabilidade de estilista com fama. Ou seja, seria uma festa como inúmeras que ocorreram ao longo deste mês naquela casa de eventos. Assim, não se pode dizer que se gastou os tubos neste casamento.
O casamento de Lula, no entanto, levanta outro tipo de discussão, que não foi abordada pelos inimigos mais hidrófobos do PT.
No mês passado, o ex-presidente disse o seguinte: “Nós temos uma classe média que ostenta um padrão de que não tem na Europa, que não tem muitos lugares. As pessoas são mais humildes. Aqui na América Latina chamada classe média ostenta muito um padrão de vida acima do necessário. É uma pena que a gente não nasce e a gente não tem uma aula. O que é necessário para sobreviver. Tem um elemento tem um limite que pode me contentar como ser humano. Eu quero uma casa, eu quero casar, eu quero ter um carro, eu quero ter uma televisão, não precisa ter uma de cada. Uma televisão já está boa”.
Essa menção ao casamento e a uma residência vem a calhar. Afinal, Lula escolheu para morar com Janja um imóvel de 700 metros quadrados no bairro de Alto de Pinheiros, avaliado em R$ 5 milhões (em vez de comprar, ele alugou a casa por R$ 20 000 mensais – o valor médio de aluguel pago na cidade de São Paulo, segundo a Imovelweb, é de R$ 3 476).
Logo após o casamento, a revista Caras chegou às bancas, trazendo uma reportagem capa com 19 páginas em seu miolo e mostrando a festa com glamour e dando destaque aos convidados famosos.
Temos, consequentemente, um contexto no qual o casamento se soma a um imóvel de luxo e a uma reportagem em revista na qual aparecem os ricos e famosos.
Lula condenou os hábitos de consumo da classe média. Mas fez escolhas semelhantes às que reprovou publicamente. Nada contra morar de acordo com suas posses, fazer uma festa bacana de casamento ou aparecer na revista Caras. Porém, quando confrontamos essas opções com a crítica feita anteriormente, é possível chegar à conclusão de que houve hipocrisia por parte do ex-presidente.
Esse conjunto de acontecimentos surge exatamente no momento em que o presidente Jair Bolsonaro está reduzindo a diferença que o separa do petista nas pesquisas eleitorais. Em uma disputa aguerrida e polarizada como a de 2022, cada movimento dos candidatos precisa ser planejado e pensado cuidadosamente.
Quando afirmou que a classe média brasileira vivia nababescamente em 5 de abril, Lula já sabia que iria morar no Alto de Pinheiros e que faria uma festa de casamento de acordo com sua posição social. Mesmo assim, resolveu agradar à claque esquerdista e falar mal de quem está ensanduichado entre os pobres e os ricos.
Bolsonaro e Lula precisam dos votos daqueles que não são seus eleitores tradicionais para vencer as eleições. O comportamento recente de Lula pode ser prejudicial para sua candidatura, que precisa de sufrágios também oriundos da classe média supostamente opulenta. O núcleo duro do Planalto, diante disso tudo, só tem a comemorar.