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Três manchetes de jornal que resumem o Brasil de hoje

"Temos que entender nossa realidade e conviver com as adversidades locais"

Brasília: confira a coluna de Aluizio Falcão Filho.  (Marcello Casal Jr/Agência Brasil)
Brasília: confira a coluna de Aluizio Falcão Filho. (Marcello Casal Jr/Agência Brasil)

Voltei ao Brasil depois de uma semana a trabalho em Nova York. Ao chegar em casa, fui logo ler os jornais brazucas para começar a me inteirar sobre o que se passa em nosso país (a agenda nova-iorquina foi muito agitada, com um evento praticamente colado no próximo). Três chamadas de primeira página logo me chamam a atenção. Na Folha de S. Paulo, temos: “Moraes quer investigar Google e Telegram”. No Estado de S. Paulo, mais uma: “Dívida, ’gatos’ em excesso e crise levam a Light a pedir recuperação”. Por fim, temos outra, desta vez do Globo: “Ninguém foi atrás, precisei levar tudo pronto, com provas” (esta é sobre o escândalo da manipulação dos jogos de futebol por apostadores que atuam em aplicativos).

Confesso que demoro a me acostumar com o teor dessas manchetes. Afinal, esses três tópicos dificilmente estariam estampando reportagens na imprensa americana – especialmente porque são situações que dificilmente veremos na Terra do Tio Sam. Não considero isso ruim ou lamentável. Temos que entender nossa realidade e conviver com as adversidades locais. Mas isso não significa que precisamos aceitar de bom grado certas idiossincrasias e características únicas que experimentamos por aqui. É nosso dever reclamar e encontrar aqueles que concordam conosco para amplificarmos a nossa voz.

Tome-se como exemplo a chamada da Folha sobre as intenções de Alexandre de Moraes. Nos Estados Unidos ou mesmo na Europa dificilmente um juiz de Alta Corte se meteria em assuntos privados – ou em atitudes de empresas que desejam manifestar suas opiniões em público.

Como todos sabem, durante a semana em que a chamada PL das Fake News iria ser votada, o Google jogou em sua plataforma de buscas alguns artigos com críticas ao projeto. A Justiça determinou que os textos sofressem restrições e, agora, o ministro Moraes instaurou um inquérito para apurar o papel dos diretores das empresas que gerenciam redes sociais (em especial o Google e Telegram) naquilo que ele chama de “campanha abusiva” contra a proposta que tramitava naquela Casa.

É lamentável que um ministro do Supremo tome uma decisão para constranger e reprimir executivos que estão defendendo as empresas que representam. Mas, pelo jeito, quem discordar de Moraes em público vai sofrer consequências por conta da desfeita.

Já a manchete do Estadão deixaria qualquer gringo de cabelo em pé por conta de um detalhe: ‘gatos em excesso’. Aparentemente, em nossa mentalidade tupiniquim, há um limite razoável para as ligações clandestinas de energia – algo que nem pode ser levado em conta em solo americano.

Nunca fui fã de monopólios, públicos ou privados. E esse monopólio da energia carioca ficou absolutamente incontrolável. São R$ 11 bilhões em dívidas e uma quantidade inacreditável de energia furtada. Em março, por exemplo, 58% de toda a energia comprada pela empresa para atender ao mercado doméstico de baixa tensão eram destinados a ligações clandestinas, os chamados “gatos”.

Ou seja, a Light compra toda a energia necessária ao funcionamento do Rio de Janeiro, a distribui a todos os habitantes e recebe apenas de 42 % de seus clientes. Isso aconteceria no Primeiro Mundo? Dificilmente.

Por fim, temos no Globo uma entrevista com Hugo Jorge Bravo, presidente do Vila Nova, time de Goiás. Ele foi o autor da denúncia que desbaratou a quadrilha que fraudava resultados no futebol brasileiro para ganhar dinheiro em sites de apostas. Bravo afirma que tentou desbaratar o esquema já em 2019, mas ninguém quis ouvi-lo. Percebeu, então, que teria de reunir provas para que houvesse investigação por parte das autoridades.

Pergunta-se: esse descaso é aceitável? Não.

O Brasil não pode mais tolerar esse tipo de coisa, desde o Judiciário se metendo onde não deve até termos quase 60 % de ligações elétricas como fraudadas, passando por denúncias gravíssimas que não são levadas a sério. Eu sou um dos primeiros a reclamar daqueles que falam mal do Brasil. Apesar disso, reconheço que só há uma solução para o país: retirar as ervas daninhas que insistem em contaminar nosso cenário político e nosso ambiente de negócios. Sem tomarmos essa providência, jamais teremos previsibilidade na economia e credibilidade entre investidores. Precisamos acabar com isso e buscar um alinhamento com a normalidade. Urgentemente.