Ontem, mais uma vez, o governador de São Paulo veio a público para dizer que se arrependia da campanha “Bolsodoria”, na qual exultou os eleitores do presidente Jair Bolsonaro a sufragá-lo nas urnas estaduais contra o então adversário Márcio França. “Me arrependo amargamente”, disse Doria a um internauta em entrevista ao portal UOL. O governador afirmou que foi induzido por promessas de campanha. Arrependido ou não, Doria deve sua eleição à aliança com Bolsonaro. França virou o segundo turno crescendo no eleitorado paulista e, ao final, foi derrotado por 741 000 votos, uma margem muito pequena. Para se ter uma ideia, no pleito anterior, Geraldo Alckmin levou o Palácio dos Bandeirantes no primeiro turno, ao cravar 57 % do eleitorado, com mais de 12 milhões de votos.
Além do Bolsodoria, aqui vão mais nove momentos de arrependimento ocorridos no cenário político brasileiro:
+ Lula e a escolha de Dilma: José Sarney e Eduardo Cunha já disseram, em momentos diferentes, que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva havia se arrependido de ter escolhido Dilma Rousseff para sucedê-lo em 2010. Apesar das vitórias de Dilma, sua gestão foi desastrosa do ponto de vista econômico, criando instabilidade jurídica, inflando o déficit público e gerando estagnação combinada com inflação. Com a economia em frangalhos e sem apoio no Congresso, Dilma sofreu impeachment por ter cometido pedaladas fiscais.
+ Apoio de Carlos Lacerda ao movimento de 1964: o ex-governador carioca, conservador até a medula, era um dos maiores críticos do presidente João Goulart desde sua posse, ao substituir Jânio Quadros. A derrubada de Goulart pelos militares, assim, foi vista com simpatia por Lacerda, que chegou a estampar a capa da revista Manchete como um fiador civil ao novo regime. Em 1968, seria cassado pelo AI-5.
+ Sérgio Moro ministro: até 2018, o então juiz Moro era uma das maiores celebridades do país e havia colocado vários políticos corruptos na cadeia. A Operação Lava-Jato era celebrada pela maioria dos brasileiros, que viam nele o símbolo máximo na cruzada contra a corrupção. O presidente Jair Bolsonaro, interessado neste capital político, o convidou para integrar o ministério, como titular da pasta da Justiça. Moro, talvez motivado pela vaidade, aceitou o convite, mas começou a se desentender progressivamente com o chefe. Pediu demissão em meio a uma crise entre os dois e saiu do governo atirando. De lá para cá, perdeu popularidade e foi severamente atacado nas redes sociais. Está na iniciativa privada e tudo indica que lá ficará.
+ Lula e Cesare Batistti: no mês passado, em entrevista a uma emissora italiana de TV, o ex-presidente disse sobre o terrorista: “”Peço desculpas ao povo italiano, pensei que ele não era culpado, mas depois de sua confissão, só posso me desculpar”, afirmou. Por conta de Batistti, Lula comprou briga com a direita, o centro e boa parte da imprensa. Seguiu a orientação do seu partido, referendado por um parecer da Advocacia Geral da União, e tomou a decisão errada.
+ Eduardo Paes e o diálogo grampeado: em uma conversa telefônica com o ex-presidente Lula, o atual prefeito do Rio fez brincadeiras sobre o ex-governador Luiz Fernado Pezão e Dilma. Sobrou até para a cidade de Maricá, no estado do Rio, ridicularizada por ele durante o colóquio (comparando o local com a praia onde Lula teria supostamente o apartamento triplex investigado pela Lava-Jato).
+ Powerpoint de Deltan Dallagnol: no auge da Lava-Jato, o procurador fez uma apresentação na qual colocou o nome do ex-presidente Lula no meio de uma página de powerpoint, com flechas apontando em sua direção. O slide virou imediatamente um meme na internet e minou a credibilidade do agente público. No ano passado, ele declararia à CNN: “Olhando para trás, hoje eu faria diferente. (O powerpoint) não rendeu bons frutos, gerou uma discussão desnecessária”.
+ Collor e o bloqueio da poupança: Fernando Collor venceu em 1989 a primeira eleição direta para a presidência desde os anos 1960. O país, no entanto, vivia sacudido por uma hiperinflação nunca vista – em março de 1990, a alta de preços foi de 84,32 % (repetimos: índice oficial da inflação mensal). Collor assumiu o poder e comprou a ideia de sua ministra da Fazenda, Zélia Cardoso de Mello, de realizar um confisco geral de poupança para quebrar a inércia da espiral inflacionária. Confisco feito, a economia mergulhou em depressão profunda e a inflação em pouco tempo voltaria à carga. No ano passado, quando esta intervenção desastrosa na economia do país completou trinta anos, o hoje senador publicou em sua conta de Twitter: “Infelizmente errei. Gostaria de pedir perdão a todas aquelas pessoas que foram prejudicadas pelo bloqueio dos ativos”.
+ Itamar Franco e o Carnaval de 1994: Itamar era presidente desde o impeachment de Fernando Collor em 1992 e havia sido convidado para assistir ao Carnaval carioca em um camarote do Sambódromo. O presidente estava lá e, como estamos no Brasil, entrou na cabine a modelo Lilian Ramos, que havia desfilado na avenida. Vestida apenas com uma camiseta, sem calcinha, ela pousou ao lado de Itamar para inúmeras fotos reveladoras. Um tremendo escândalo. Itamar, porém, só viria mesmo a se arrepender da confusão um dia depois. Foi quando ligou para o apartamento da moça. O local estava entupido de jornalistas, que registraram a conversa palavra por palavra.
+ Médici e Golbery: O ex-presidente Emílio Garrastazu Médici sempre se estranhou com o general Golbery do Couto e Silva. Deixou isso claro em todas as articulações políticas enquanto esteve no Planalto, um período do qual o “Bruxo” mergulhou no ostracismo. Médici, no entanto, patrocinou a candidatura do general Ernesto Geisel para sucedê-lo depois que recebeu a certeza de que os dois generais estavam afastados (a fonte dessa informação foi o futuro presidente João Figueiredo). Um dos primeiros atos de Geisel como presidente foi justamente nomear Golbery como ministro-chefe da Casa Civil.
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