Toffoli acha que o STF é um “poder moderador”. É isso mesmo?
Ultimamente, o STF parece querer agir de fato como um poder moderador amplo, apesar de não ter recebido um só voto para isso
Bibiana Guaraldi
Publicado em 18 de novembro de 2021 às 09h53.
Aluizio Falcão Filho
Dias atrás, em seminário realizado na cidade de Lisboa, o ministro Dias Toffoli disse que “nós já temos um semipresidencialismo com um controle de poder moderador, que hoje é exercido pelo Supremo Tribunal Federal. Basta verificar todo esse período da pandemia”. Toffoli, além de constatar a realidade em que vivemos, aproveitou para defender o parlamentarismo. “Pergunto eu por que não tentar isso no Brasil? Sobretudo no Brasil de hoje, onde, sem nenhuma dúvida, o centro da política já é o parlamento, como é próprio de uma democracia representativa”, questionou.
Antes de mais nada, a declaração do ministro, proferida em evento organizado por seu colega, Gilmar Mendes, pode ser interpretada de duas formas. A primeira é que vivemos, de fato, em um semipresidencialismo, à medida que praticamente tudo o que o Planalto faz precisa ser ratificado pelo Congresso Nacional.
A Constituição de 1988 traz esse efeito em seu texto, como se pode ver no bloco que compreende o intervalo entre os artigos 61 e 75. E reflete o que estava ocorrendo no país naquele final dos anos 1980. Lembremos que em 1984, houve eleições indiretas, vencidas por Tancredo Neves. Para garantir os votos que lhe dariam a vitória no Colégio Eleitoral, Tancredo conseguiu o apoio de políticos do PDS (o sucedâneo da Arena, o partido de apoio ao governo militar), entre os quais o então senador José Sarney, que ficou com a vice-presidência da chapa.
Quis o destino que Tancredo morresse sem tomar posse e Sarney fosse investido na presidência. Ou seja, o PMDB, partido vitorioso, ganhou as eleições indiretas. Mas não as levou. O resultado deste processo foi uma tutela violenta do presidente da Câmara, Ulysses Guimarães, sobre o novo inquilino do Palácio do Planalto.
Sarney era percebido pela classe política como um presidente fraco e sem legitimidade. Por isso, dependia do apoio do dr. Ulysses, que era uma eminência parda em Brasília. Essa tutela, de certa forma, influenciou o texto da Constituição que deu maiores poderes ao Parlamento. De Sarney para cá, o Congresso sempre agiu como tutor do presidente – algo que se percebe até na gestão de Jair Bolsonaro, que fez há dois anos um acordo com o Centrão para garantir apoio político.
Até aí, essa é a realidade dos fatos. Estamos colhendo o que foi plantado lá atrás. Com um agravante: na época da Constituinte, tínhamos 12 partidos no Congresso. Hoje, passamos de trinta agremiações. Essa proliferação de siglas tornou a negociação de apoios cada vez mais difícil. Até o governo Fernando Henrique, bastava negociar com cinco partidos para obter maioria em qualquer votação. Hoje, esse número mais que dobrou.
Vamos passar à segunda constatação de Toffoli, a de que o STF é um “poder moderador”. A Constituição destina o artigo 102 ao funcionamento do Supremo. O texto diz que “compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição”. Não se fala nada sobre poder moderador. Portanto, não há como questionar a legitimidade da Alta Corte em julgar qualquer tema – desde que essa avaliação tenha como parâmetro o que está escrito na Carta Magna.
Ultimamente, porém, o STF parece querer agir de fato como um poder moderador amplo, apesar de não ter recebido um só voto para isso, e interferir em diversos assuntos do cotidiano brasileiro. Recentemente, por exemplo, o ministro Alexandre de Moraes proibiu que o deputado Daniel Silveira desse entrevistas (Silveira é réu no STF por ataques a ministros da corte e às instituições da República).
“Determino a imposição de nova medida cautelar, em caráter cumulativo com as estabelecidas na decisão de 8/11/2021, consistente na proibição de conceder qualquer espécie de entrevista, independentemente de seu meio de veiculação, salvo mediante expressa autorização judicial”, decretou Moraes.
Silveira é um parlamentar boquirroto, agressivo e desrespeitoso. Sua atitude no Congresso e nas redes sociais provoca repulsa e desprezo em muitos. Mesmo assim, é preciso questionar essa atitude do ministro. Por enquanto, existe silêncio em relação à decisão de Moraes porque o deputado em questão é desprezado nos círculos intelectualizados. Mas, se ficarmos quietos agora, perderemos força na hora de reclamar de abusos cometidos contra parlamentares que são admirados e aplaudidos pela maioria da sociedade.
A impressão que se tem é a de que o STF se arvorou da condição de curador da Nação. A Corte decide o que é fake news, nos protege de difamadores e proíbe entrevistas. Por enquanto, estamos falando de Moraes e de Silveira. E se, no futuro, tivemos uma desavença, por exemplo, entre Kássio Nunes e a deputada Tábata Amaral, do PSB? Ficaremos em silêncio também?
Talvez, nesse momento, seja tarde demais para reclamar.
Curioso o nosso país. Para defender a liberdade de expressão, precisamos condenar o puxão de orelhas em cima de um indivíduo que não merece nenhum respeito. Mesmo assim, é o primeiro passo para que mostremos ao STF que ele é o guardião da Constituição e não a autoridade suprema sobre todos nós no Brasil. Todos os poderes são criticados quando extrapolam suas funções. Neste sentido, o Supremo é igual ao Executivo e ao Legislativo: precisa ficar em seu quadrado.
Aluizio Falcão Filho
Dias atrás, em seminário realizado na cidade de Lisboa, o ministro Dias Toffoli disse que “nós já temos um semipresidencialismo com um controle de poder moderador, que hoje é exercido pelo Supremo Tribunal Federal. Basta verificar todo esse período da pandemia”. Toffoli, além de constatar a realidade em que vivemos, aproveitou para defender o parlamentarismo. “Pergunto eu por que não tentar isso no Brasil? Sobretudo no Brasil de hoje, onde, sem nenhuma dúvida, o centro da política já é o parlamento, como é próprio de uma democracia representativa”, questionou.
Antes de mais nada, a declaração do ministro, proferida em evento organizado por seu colega, Gilmar Mendes, pode ser interpretada de duas formas. A primeira é que vivemos, de fato, em um semipresidencialismo, à medida que praticamente tudo o que o Planalto faz precisa ser ratificado pelo Congresso Nacional.
A Constituição de 1988 traz esse efeito em seu texto, como se pode ver no bloco que compreende o intervalo entre os artigos 61 e 75. E reflete o que estava ocorrendo no país naquele final dos anos 1980. Lembremos que em 1984, houve eleições indiretas, vencidas por Tancredo Neves. Para garantir os votos que lhe dariam a vitória no Colégio Eleitoral, Tancredo conseguiu o apoio de políticos do PDS (o sucedâneo da Arena, o partido de apoio ao governo militar), entre os quais o então senador José Sarney, que ficou com a vice-presidência da chapa.
Quis o destino que Tancredo morresse sem tomar posse e Sarney fosse investido na presidência. Ou seja, o PMDB, partido vitorioso, ganhou as eleições indiretas. Mas não as levou. O resultado deste processo foi uma tutela violenta do presidente da Câmara, Ulysses Guimarães, sobre o novo inquilino do Palácio do Planalto.
Sarney era percebido pela classe política como um presidente fraco e sem legitimidade. Por isso, dependia do apoio do dr. Ulysses, que era uma eminência parda em Brasília. Essa tutela, de certa forma, influenciou o texto da Constituição que deu maiores poderes ao Parlamento. De Sarney para cá, o Congresso sempre agiu como tutor do presidente – algo que se percebe até na gestão de Jair Bolsonaro, que fez há dois anos um acordo com o Centrão para garantir apoio político.
Até aí, essa é a realidade dos fatos. Estamos colhendo o que foi plantado lá atrás. Com um agravante: na época da Constituinte, tínhamos 12 partidos no Congresso. Hoje, passamos de trinta agremiações. Essa proliferação de siglas tornou a negociação de apoios cada vez mais difícil. Até o governo Fernando Henrique, bastava negociar com cinco partidos para obter maioria em qualquer votação. Hoje, esse número mais que dobrou.
Vamos passar à segunda constatação de Toffoli, a de que o STF é um “poder moderador”. A Constituição destina o artigo 102 ao funcionamento do Supremo. O texto diz que “compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição”. Não se fala nada sobre poder moderador. Portanto, não há como questionar a legitimidade da Alta Corte em julgar qualquer tema – desde que essa avaliação tenha como parâmetro o que está escrito na Carta Magna.
Ultimamente, porém, o STF parece querer agir de fato como um poder moderador amplo, apesar de não ter recebido um só voto para isso, e interferir em diversos assuntos do cotidiano brasileiro. Recentemente, por exemplo, o ministro Alexandre de Moraes proibiu que o deputado Daniel Silveira desse entrevistas (Silveira é réu no STF por ataques a ministros da corte e às instituições da República).
“Determino a imposição de nova medida cautelar, em caráter cumulativo com as estabelecidas na decisão de 8/11/2021, consistente na proibição de conceder qualquer espécie de entrevista, independentemente de seu meio de veiculação, salvo mediante expressa autorização judicial”, decretou Moraes.
Silveira é um parlamentar boquirroto, agressivo e desrespeitoso. Sua atitude no Congresso e nas redes sociais provoca repulsa e desprezo em muitos. Mesmo assim, é preciso questionar essa atitude do ministro. Por enquanto, existe silêncio em relação à decisão de Moraes porque o deputado em questão é desprezado nos círculos intelectualizados. Mas, se ficarmos quietos agora, perderemos força na hora de reclamar de abusos cometidos contra parlamentares que são admirados e aplaudidos pela maioria da sociedade.
A impressão que se tem é a de que o STF se arvorou da condição de curador da Nação. A Corte decide o que é fake news, nos protege de difamadores e proíbe entrevistas. Por enquanto, estamos falando de Moraes e de Silveira. E se, no futuro, tivemos uma desavença, por exemplo, entre Kássio Nunes e a deputada Tábata Amaral, do PSB? Ficaremos em silêncio também?
Talvez, nesse momento, seja tarde demais para reclamar.
Curioso o nosso país. Para defender a liberdade de expressão, precisamos condenar o puxão de orelhas em cima de um indivíduo que não merece nenhum respeito. Mesmo assim, é o primeiro passo para que mostremos ao STF que ele é o guardião da Constituição e não a autoridade suprema sobre todos nós no Brasil. Todos os poderes são criticados quando extrapolam suas funções. Neste sentido, o Supremo é igual ao Executivo e ao Legislativo: precisa ficar em seu quadrado.