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Se radicalizar, Bolsonaro pode ficar falando sozinho em 2022

Apostar num conservadorismo extremo pode ser prejudicial a Bolsonaro

 (Marcos Corrêa/PR/Divulgação)
(Marcos Corrêa/PR/Divulgação)
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Money Report – Aluizio Falcão Filho

Publicado em 18 de novembro de 2020 às, 08h57.

O presidente Jair Bolsonaro, em seu íntimo, percebeu que as eleições municipais de 2020 foram um sinal de alerta para o que pode acontecer daqui a dois anos. Embora algumas figuras de expressão do governo queiram destacar o fato de partidos aliados ao Planalto, como o MDB, saíram vitoriosos no pleito (e que isso seria um reflexo de apoio à atual administração), os resultados obtidos pelos candidatos explicitamente apadrinhados pelo presidente deixaram muito a desejar. E essa conta, mesmo que parcialmente, será faturada contra o mandatário.

A esfera de poder, nos últimos meses, foi pendendo cada vez mais para os moderados governistas, que costuraram um acordo com o Centrão e conseguiram que Bolsonaro ficasse mais quieto do que de costume (a exceção à regra ocorreu na semana passada, quando o presidente foi acometido de um ataque de verborragia como há muito não se via). Com os resultados do último final de semana, a chamada ala ideológica, ligada ao escritor Olavo de Carvalho, passou a pressionar por uma radicalização – ou a retomada do discurso ultraconservador de 2018.

Um representante deste grupo, o assessor da presidência Filipe Martins, usou o Twitter para expressar sua posição. “Se queremos manter vivo o conservadorismo, devemos antes de mais nada recuperar os ideais, as bandeiras e as propostas que nos uniram em torno de um propósito comum em 2018, mobilizando milhões de pessoas na luta por um país melhor”, escreveu.

Uma eleição, antes de mais nada, representa o que os alemães chamam de “Zeitgeist” – o espírito do tempo. Ainda que os germânicos utilizem essa expressão para denotar algo que ocorre em um espaço de tempo mais dilatado, como uma década, tomemos a liberdade para usar esse termo para capturar as características que cercam a sociedade no período de uma campanha eleitoral. Assim, se voltarmos a 2018, enxergaremos um país diferente do atual.

Em primeiro lugar, tínhamos um fortíssimo sentimento antipetista, regado paulatinamente pelo fracasso econômico da gestão Dilma Rousseff e por diversos escândalos registrados pela Operação Lava-Jato. Esse antipetismo continua forte, é verdade, e se manifesta no pífio resultado obtido pelo PT em 15 de novembro. Mas essa comoção já não está no que os publicitários chamam de “top of mind”. Não é mais algo que esteja nas conversas diárias ou seja tema de conversas uma reunião social.

Por sua vez, o discurso governista de combate à corrupção, com a saída de Sergio Moro da Esplanada dos Ministérios, perdeu muita força, assim como o surgimento de denúncias de “rachadinha” dirigidas ao senador Flávio Bolsonaro. Quem está sob suspeita não é o chefe de Estado, mas a denúncia de seu próprio filho estaria envolvido num esquema fora da lei não ajuda a edificar a imagem de Bolsonaro.

Uma parte significativa dos eleitores que deram à vitória à atual gestão veio desses dois grupos, os que manifestavam explicitamente ojeriza ao PT e à corrupção. Ou seja, não podemos afirmar taxativamente que o conservadorismo raiz era o que estava por trás dos 57 milhões de votos recebidos por Bolsonaro dois anos atrás. Um detalhe dessa eleição, inclusive, precisa ser lembrado. No segundo turno, tivemos 42,3 milhões de eleitores que não votaram em ninguém, entre nulos, brancos e abstenções. Isso quer dizer que houve um contingente significativo de pessoas que não se sentiu representado por nenhum dos oponentes, Bolsonaro e Fernando Haddad.

Espera-se, assim, um novo cenário para 2022. E repetir a estratégia de 2018 pode ser uma decisão perigosa. O exemplo de Donald Trump ainda está fresco nas mentes. O presidente americano reeditou a mesmíssima tática de 2016, usando argumentos similares e reprisando a sua persona arrogante e agressiva. Perdeu para um concorrente que entendeu melhor as feridas causadas pela pandemia e a mudança coletiva de mentalidade. Esse adversário apostou em um eleitorado mais tolerante, afável e com um pendor ligeiramente contemporâneo. O resultado foi uma vitória do democrata Joe Biden, por uma dianteira de 3 milhões de votos diretos e um placar dilatado no Colégio Eleitoral.

Ao cogitar uma radicalização no conservadorismo, a aposta dos olavistas é a de que teremos outro representante da esquerda no segundo turno de 2022. Dessa forma, os eleitores de classe média e o empresariado abraçariam a reeleição do presidente.

Mas e se a esquerda não chegar ao segundo turno?

Do ponto de vista histórico, isso nunca aconteceu desde 1989. Todas as eleições, desde então, tiveram um postulante vindo do PT no segundo turno. Por que, então, essa é uma possibilidade a ser considerada?

No xadrez eleitoral do Brasil, pode-se dizer que a direita raiz ocupa 25 % do eleitorado. O mesmo ocorreria com a esquerda ideológica, cerca de um quarto dos sufragistas. Isso quer dizer que 50 % dos brasileiros aptos a votar passaram os últimos 30 anos pendendo da esquerda para a direita (ou o centro/esquerda moderada, como o PSDB). Esses eleitores podem chegar ao ano de 2022 jogando suas fichas em um candidato de direita sem as características de Bolsonaro. Já existem pretendentes a essa vaga: João Doria, Sergio Moro ou Luciano Huck (que atrai eleitores de direita mesmo com discurso de esquerda). Nesta equação, o espectro esquerdista poderia vir dividido em dois candidatos que roubariam votos um do outro, deixando essa dupla fora da segunda etapa eleitoral.

Esses nomes, representando uma direita moderada, conseguirão se viabilizar como uma espécie de terceira via em 2022? Talvez. Mas sempre existe a possibilidade de surgir outra alternativa neste meio tempo. O que se pode dizer, agora, é que apostar num conservadorismo extremo pode ser prejudicial a Bolsonaro. Enquanto esteve rezando por esta cartilha, da posse até meados da pandemia, o presidente criava uma crise política por semana e brigava frequentemente com os demais poderes, jogando o país em uma nuvem de insegurança permanente. A entrada do Centrão em campo (contrariando o discurso de campanha, aponte-se) botou panos quentes no Olavismo e trouxe estabilidade política. Se optar pelo recrudescimento, Bolsonaro pode chacoalhar o equilíbrio institucional da mesma forma de antes. Os próximos dias, assim, serão cruciais para o restante deste mandato. Quem vencerá a queda de braço, olavistas ou moderados?

Saberemos a resposta em breve. Mas, pela firmeza das relações políticas, é o caso de torcer pelos moderados.