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Quem vai desviar o trator?

Neste conflito, pode até haver um vencedor. Mas seguramente o Brasil estará entre os perdedores, desgastado por uma briga inútil entre poderes

Cena do filme Footloose (“Ritmo Louco”) (Footloose/Reprodução)
Cena do filme Footloose (“Ritmo Louco”) (Footloose/Reprodução)
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Money Report – Aluizio Falcão Filho

Publicado em 9 de setembro de 2021 às, 09h30.

Aluizio Falcão Filho

Um dos meus filmes preferidos dos anos 1980 é o musical Footloose (“Ritmo Louco”), que se passa em uma cidade interiorana dos Estados Unidos na qual é proibido dançar ou ouvir rock’n’roll. E é lá que Ren McCormack (Kevin Bacon — foto) vai morar. Ele se interessa pela garota mais popular da escola e arruma confusão com o pastor que inventou a lei segundo a qual é proibido dançar (que, obviamente, é o pai da moça). A tal garota tem um namorado, que desafia Ren para um “chicken game”.

O tal jogo da galinha é um exemplo clássico de bullying americano e tem inúmeras variações. No filme, os dois duelistas pilotam tratores que andam em direção um do outro, como se fossem bater de frente. Ganha quem não desviar ou pular do trator. O mocinho ganha – mas a vitória nada tem a ver com sua coragem. Os cordões de seu tênis ficaram enrolados nos pedais e, assim, ele não consegue escapar. Seu rival, assim, desvia o trator e cai em um córrego paralelo à estradinha onde ocorria a demonstração de macheza adolescente.

Quando se vê a troca de chumbo entre Jair Bolsonaro e o juiz Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, essa imagem me vem à cabeça. Bolsonaro e Moraes estão em rota de colisão, cada um pilotando seu trator. Só que nenhum dos dois parece ter disposição para desviar.

Nos filmes, sempre alguém desvia ou pula fora do veículo. Mas, na vida real, o que ocorre? Vemos aqui dois protagonistas que parecem ter o gosto pela briga – uma dupla que prefere capotar a frear, bater a desviar.

Neste conflito, pode até haver um vencedor. Mas seguramente o Brasil estará entre os perdedores, desgastado por uma briga inútil entre poderes, com direito a uma fogueira das vaidades que envolve todos os personagens da contenda.

De um lado, temos um ministro imbuído da missão de cortar o mal das fake news pela raiz, não importa o efeito político de suas atitudes. Como no caso do ex-ministro Sergio Moro, Alexandre de Moraes desempenha vários papeis ao mesmo tempo – em algumas ocasiões, é magistrado e vítima simultaneamente.

Do outro lado do ringue, está um presidente que deseja criar factoides para animar sua torcida. Testou vários sparings, como João Doria, Rodrigo Maia e a TV Globo. Acabou escolhendo Moraes como inimigo perfeito, já que ele não tem exatamente uma fila de pessoas se formando para defendê-lo.

Já Bolsonaro conta com uma tropa de voluntários que mostrou seu tamanho no feriado de Sete de Setembro – entre os quais há um grupo de caminhoneiros que bloqueia rodovias do sul e do sudeste desde a noite de terça-feira. Esse protesto não tem o tamanho daquele organizado durante o governo de Michel Temer, até porque suas demandas são bastante difusas, misturando a queda do preço do óleo diesel com a interdição da Alta Corte.

Esta queda-de-braço tem três efeitos imediatos.

O primeiro é a dúvida sobre o quanto esse movimento vai atrapalhar a recuperação econômica, já combalida pela inflação, pela crise hídrica e pelas incertezas políticas que tomam conta de Brasília.

Outro efeito é a defesa institucional do STF, que foi abraçada por vários partidos. Se os caminhoneiros derrubarem os ministros do tribunal, estaremos entregues à balbúrdia jurídica e à chantagem eterna dos líderes sindicais dos transportes de carga rodoviária.

O terceiro é quase que inédito. De uma hora para outra, todas as disputas internas do Supremo desapareceram por completo. Os membros da corte esqueceram suas diferenças, como a rixa entre Gilmar Mendes e Luís Carlos Barroso, e um espírito de corpo foi retomado (dentro dessa união bissexta inclui-se o cristão-novo Kassio Nunes).

Quem vai desviar o trator, Bolsonaro ou Moraes? Até agora, ninguém se mostra disposto a salvar o país de uma crise institucional que parece inevitável.

Todos os analistas políticos dizem, há anos, que o chamado “quanto pior, melhor” é o cenário sempre sonhado por uma oposição às vésperas de uma eleição. Mas, ironicamente, hoje é o governo quem aposta e investe na deterioração da cena política, instigando a incerteza e o descontrole. Este comportamento é suspeito e dificilmente terá intenções democráticas em seu bojo.

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