Exame.com
Continua após a publicidade

Para os republicanos, Biden trabalha pouco; mas, o que dizer de Reagan?

Se Reagan fez uma administração elogiada por seus colegas de partido, os republicanos deveriam arrumar motivos melhores para implicar com Biden

Presidente Joe Biden durante discurso de 100 dias de governo (Bloomberg / Colaborador/Getty Images)
Presidente Joe Biden durante discurso de 100 dias de governo (Bloomberg / Colaborador/Getty Images)
M
Money Report – Aluizio Falcão Filho

Publicado em 7 de junho de 2021 às, 10h33.

Aluizio Falcão Filho

Uma reportagem do Washington Post, publicada na semana passada, detonou uma discussão nos Estados Unidos sobre a rotina de trabalho do presidente Joe Biden. Para os republicanos, o atual inquilino da Casa Branca trabalha pouco – um dos indícios seria o fato de que ele janta com sua esposa todos os dias às 19:00.

De fato, a agenda de Biden pouco tem a ver com o cronograma frenético de Donald Trump, seu antecessor. Trump poderia ser acompanhado, quase em tempo real, por sua conta no Twitter, que registrava sua atividade desde as primeiras horas da manhã e frequentemente postava mensagens altas horas da noite.

Essa provocação dos republicanos em relação a Biden vem desde a campanha eleitoral. Trump dizia que o adversário era soporífero e sempre aproveitava uma chance para tirar uma soneca. Colocou até um apelido no atual presidente: “Sleepy Joe”, ou Joe Sonolento.

Trabalhar muito ou trabalhar de forma eficiente? Essa é uma discussão que ressurgiu com força desde a pandemia. Com a adoção do Home Office, muitos tiveram que reformular suas vidas. Gente que nunca faltou a um dia de trabalho teve que aprender a trabalhar em casa e saber cobrar o desempenho de seus subordinados à distância. Neste aspecto, as mudanças são profundas e, em alguns casos, definitivas. Na quarta-feira, por exemplo, conversava com um amigo que toca uma empresa cujo faturamento está na casa de R$ 1 bilhão. Ele me dizia que está mudando seu escritório para um lugar menor – e que, no novo local, ele não terá uma sala ou sequer uma mesa. Faz um ano e três meses que ele não pisa em sua empresa e, promete ele, entrará no escritório ocasionalmente daqui para frente.

Esse amigo trabalha menos do que antes? Não. Há dias em que ele começa sua jornada mais cedo e termina mais tarde. E o que acontece com seus diretores? Ele reconhece que alguns podem até trabalhar menos do que antes – mas o importante é que a empresa está indo bem e crescendo apesar dos desafios impostos pela pandemia.

Voltando a Joe Biden: ele deveria trabalhar mais? Estamos falando de um homem de 78 anos. Seria certo exigir dele uma agenda mais frenética? Mas que isso: essas horas adicionais de trabalho iriam se refletir em uma presidência melhor?

Os republicanos que implicam com Biden deveriam se recordar de Ronald Reagan, talvez um dos mais endeusados presidentes do Grand Old Party americano. Reagan tinha, após o almoço, um espaço recorrente em sua agenda. Estava sempre escrito: “Personal Staff Time”. Os assessores mais próximos, no entanto, nunca fizeram segredo que esse era o momento em que o presidente tirava uma soneca (fato que alguns familiares negam, mas está fartamente registrado nas memórias de antigos colaboradores do governo entre 1981 e 1989).

Reagan talvez tenha sido um dos presidentes americanos mais carismáticos e um dos poucos que, com bom humor, fazia brincadeiras sobre si mesmo. A respeito de seu sono vespertino, ele disse ao final do mandato: “Alguém deveria colocar uma plaquinha em minha cadeira com os dizeres: ‘Ronald Reagan dormiu aqui’”.

Em outra ocasião, ele disse a uma roda de convidados sobre o seu suposto hábito: “Eu deixei ordens explícitas para ser acordado em qualquer caso de emergência nacional – mesmo se eu estiver em uma reunião em meu gabinete”.

Frequentemente os adversários também acusam Biden de confusão mental, registrada em algumas ocasiões. Mas Reagan também protagonizou algumas gafes inesquecíveis. Aqui no Brasil, em 1982, durante jantar oficial que contava com a presença do presidente João Batista Figueiredo, ele propôs um brinde ao “povo da Bolívia”. Avisado que estava no Brasil, retrucou que havia feito confusão com seu destino a seguir. Mas o próximo país a ser visitado era a Colômbia e os bolivianos não estavam no roteiro daquela viagem oficial.

Outro nome festejado por conservadores de todo o planeta, incluindo os republicanos dos EUA, é o primeiro-ministro britânico Winston Churchill. Ele, um dos responsáveis diretos pela derrota dos nazistas na Segunda Guerra, dizia que suas sonecas à tarde não eram negociáveis e as tirava depois de almoços regados a uísque. Ele avançava trabalhando noite adentro, é verdade, mas raramente ia ao gabinete pela manhã e costumava despachar, de pijamas, ainda em sua cama.

Se Reagan fez uma administração elogiada por seus colegas de partido, os republicanos deveriam arrumar motivos melhores para implicar com Biden. O problema é que, tanto nos Estados Unidos como no Brasil, estamos vivendo uma polarização que contamina a avaliação que a sociedade faz dos homens públicos, com pré-julgamentos e preconceitos funcionando com força total. Isso vale para todo e espectro político e ocorre no pior momento de nossa história recente, com riscos sanitários e econômicos batendo à porta da humanidade. Desunidos, recorremos a velhas fórmulas para enfrentar a crise mais difícil dos últimos anos. E, se continuarmos assim, perderemos tempos com picuinhas em vez de nos unirmos para encontrar novas saídas para um problema que aflige o planeta há pelo menos um ano e meio.

Assine a EXAME e acesse as notícias mais importantes em tempo real.