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O que está por trás da tal moeda comum na América Latina

O tema – uma espécie de ideia fixa na cabeça de Lula – foi defendido na reunião de cúpula com todos os presidentes dos países latino-americanos

Lula: presidente brasileiro quer se firmar como uma liderança regional, aproveitando-se de duas vantagens (Ricardo Stuckert/PR/Flickr)
Lula: presidente brasileiro quer se firmar como uma liderança regional, aproveitando-se de duas vantagens (Ricardo Stuckert/PR/Flickr)

Mais uma vez, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva voltou a falar em uma moeda comum, a ser utilizada por todos os países da América Latina. Dessa vez, o tema – uma espécie de ideia fixa na cabeça de Lula – foi defendido na reunião de cúpula com todos os presidentes dos países latino-americanos. No mesmo encontro, também discursou em favor de uma atuação conjunta entre os bancos de fomento da região (como o nosso BNDES) para investir em projetos de desenvolvimento econômico e social.

O que está por trás dessas duas ideias?

Lula quer se firmar como uma liderança regional, aproveitando-se de duas vantagens. A primeira: o Brasil é a nação do continente com mais recursos e maior capacidade de investimento. Em segundo lugar, o presidente percebe que, com a esquerda no poder em vários países da América do Sul, ele tem uma facilidade maior de convencimento dos seus pares. Além disso, se emplacar um novo sistema monetário na região e irrigar outros países com dinheiro do BNDES, a influência lulista nas demais nações do Sul vai aumentar significativamente.

Segundo o raciocínio de Lula, os recentes movimentos na política externa colocaram o Brasil em rota de colisão com os Estados Unidos, especialmente com as declarações defendendo Rússia e China. Para neutralizar eventuais retaliações, a ideia do governo é formar um grande bloco regional, com o Brasil à testa da trupe. Dessa forma, os EUA não poderiam comprar briga com todo o continente.

O desconforto americano com o Brasil foi turbinado com a visita de Nicolás Maduro ao Brasil e com a defesa perpetrada por Lula, que praticamente responsabilizou os Estados Unidos pela crise econômica venezuelana. “Eu sempre acho que o bloqueio é pior do que uma guerra, porque na guerra, normalmente, morre soldado que está em batalha, mas o bloqueio mata criança, mulheres, pessoas que não têm nada a ver com a disputa ideológica que está em jogo”, afirmou Lula, que de quebra classificou as críticas ao governo ditatorial da Venezuela como “narrativa”.

Ao se firmar como um líder regional, o presidente brasileiro pode se transformar em uma espécie de embaixador das esquerdas nos países nos quais o governo é de centro ou de direita, como Equador, Paraguai e Uruguai.

Mas o principal objetivo de Lula com essas articulações latino-americanas talvez seja o cargo de secretário-geral das Nações Unidas, posto que almeja há anos. Seus pitacos em relação à Guerra da Ucrânia, inclusive, foram um ensaio para colocá-lo no cenário internacional. O tiro, porém, saiu pela culatra, uma vez que – em um primeiro momento – Lula culpou a Ucrânia (a vítima do conflito) pela deflagração dos ataques de Moscou. Ao perceber a reação negativa que partiu dos quatro cantos do mundo, o presidente mudou o discurso e, hoje, cutuca discretamente os russos, enfatizando a busca pela paz na Europa oriental.

A tal moeda comum não foi pensada para uso dos cidadãos e sim na compensação do comércio regional. Mesmo assim, levanta sobrancelhas junto a vários economistas. Afinal, o dólar já é, por décadas, amplamente utilizado para obter a paridade entre as moedas da região. Faz sentido criar um novo sistema apenas para escapar das flutuações do dólar (que são capturadas integralmente em toda a América Latina)?

Ao criar uma espécie de BNDES latino e um sistema de compensações cambiais para toda a América do Sul, Lula ainda ganha a oportunidade de abrir empresas estatais supra regionais para estender sua influência aos demais países. De quebra, aumenta os gastos públicos de toda a região e incha o Estado além das fronteiras brasileiras.

O Brasil já tem problemas demais para resolver – e pouco dinheiro para isso. Para que vamos dirigir nossos recursos, que já são escassos, para outros países, apenas para satisfazer a vaidade do presidente?

É hora de protestar com veemência caso essas ideias saiam do papel e sejam de fato implementadas.