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O Pix como exemplo da mentalidade de iniciativa privada do Estado

"Ao compilar as necessidades do público, assim, veio com uma solução que surpreendeu até o mais exigente dos usuários"

 (Rafael Henrique/SOPA/Getty Images)
(Rafael Henrique/SOPA/Getty Images)
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Money Report – Aluizio Falcão Filho

Publicado em 1 de julho de 2021 às, 14h59.

Última atualização em 1 de julho de 2021 às, 14h59.

Por Aluizio Falcão Filho

Quando começaram os comentários no mercado financeiro de que o Banco Central estava criando um sistema de transferências automáticas, o Pix, muitos analistas ficaram céticos. Afinal, já tínhamos mecanismos com a TED e o DOC – e ambos pareciam funcionar bem. Por que o Estado tinha de se meter nesse assunto? Pois o BC surpreendeu: criou um sistema mais rápido, ágil e mais barato do que o anterior.

O PIX opera na mesma base em que TEDs e DOCs são compensados, o Sistema de Pagamentos Brasileiro – uma rede que reúne, além da autoridade monetária, todos os integrantes do mercado financeiro. Ou seja, é um aperfeiçoamento inegável do mecanismo em vigor desde 2002, quando tivemos a última reforma das regras de transferência de fundos. Com um bônus: ser totalmente gratuito, trazendo vantagens inegáveis para os usuários.

Trata-se de uma grata surpresa. Normalmente, os órgãos públicos utilizam uma determinada plataforma até a véspera de seu colapso. Com o SPB, no entanto, o sistema funcionava bem e estava longe de seu esgotamento. O BC, porém, deu um upgrade generalizado com a introdução do Pix, que é instantâneo, gratuito e pode ser acionado fora dos horários tradicionais em que as agências estão funcionando.

Temos um ditado no qual dizemos que há males que vem para bem. A agilidade, a infraestrutura e a capacidade tecnológica dos bancos brasileiros pode se encaixar neste dito popular. O sistema financeiro, nos anos 1980, teve de se adaptar à hiperinflação, que exigia formas cada vez mais rápidas de compensação de cheques (um dos principais meios de pagamentos da época).

Se um cheque ficasse hibernando três dias nos escaninhos bancários esperando para ser compensado, isso poderia significar perdas de até 5 % sobre seu valor nominal, dependendo da taxa de inflação. Nesta época, inclusive, um cheque emitido na Califórnia e depositado na Flórida poderia ser creditado em até dez dias. Por aqui, entretanto, um depósito feito no Recife seria compensado em São Paulo no dia seguinte. Ou seja, o Brasil – pelo menos nos últimos quarenta anos – sempre esteve à frente dos Estados Unidos em termos de tecnologia bancária e deve essa vanguarda à busca para minimizar os efeitos danosos causados pela inflação.

Em 1994, com o Plano Real, a moeda foi estabilizada. Mas os bancos brasileiros continuaram em busca de soluções digitais para acelerar processos, criar valor agregado aos clientes e – por que não? – aumentar suas margens de lucro.
O Pix é herdeiro deste processo, mas sua criação foi cercada de inúmeras consultas aos correntistas dos bancos. As autoridades financeiras brasileiras entenderam que não poderiam entregar um sistema eficaz sem ouvir o que desejava o mercado. Ao compilar as necessidades do público, assim, veio com uma solução que surpreendeu até o mais exigente dos usuários.

Trata-se de um caso construído em torno da mentalidade reinante na iniciativa privada – ao contrário do que se pôde observar com a proposta de mudanças tributárias apresentado nesta semana pelo ministro Paulo Guedes ao Congresso. A equipe que redigiu o texto – em sua maioria esmagadora, técnicos da Receita Federal – não se deu ao trabalho de ouvir ninguém. Tratou de escolher soluções que desoneraram as camadas econômicas mais baixas e jogaram a perda de arrecadação para cima dos acionistas das empresas.

É curiosa essa atitude do governo. Afinal, Paulo Guedes é um arauto do Liberalismo, forjado a ferro e fogo na iniciativa privada. Mas foi justamente ele quem encaminhou uma proposta de aumento das regras tributárias para o setor produtivo.
O exemplo de Campos à frente do BC, em especial no episódio em que o Pix foi lançado, mostra – ao contrário do que está acontecendo com Guedes – uma coerência entre a biografia pregressa do dirigente e suas atitudes no governo, assim como se viu na trajetória de seu avô no serviço público, tanto no Executivo como no Legislativo. O ex-senador e ex-ministro Roberto Campos, falecido em 2001, sempre se preocupou com a curva fiscal brasileira e sua capacidade de sufocar empresários, reduzindo a riqueza gerada pela inciativa privada. “O mundo não será salvo pelos caridosos, mas pelos eficientes", dizia Campos. Seu neto segue à risca os ensinamentos do avô.

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