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O governo é como uma pessoa física pendurada no cheque especial

O resultado das contas públicas saiu há poucos dias: um déficit de R$ 68,69 bilhões no primeiro semestre

O resultado das contas públicas saiu há poucos dias: um déficit de R$ 68,69 bilhões no primeiro semestre (AndreyPopov/Thinkstock)
O resultado das contas públicas saiu há poucos dias: um déficit de R$ 68,69 bilhões no primeiro semestre (AndreyPopov/Thinkstock)

É um assunto chato, mas esse tema não pode sair da pauta. O resultado das contas públicas saiu há poucos dias: um déficit de R$ 68,69 bilhões no primeiro semestre. Na série histórica que teve início em 1997, são os piores números desde 2020, o ano da pandemia. O déficit gigantesco foi divulgado um pouco depois de o governo anunciar um corte de despesas da ordem de R$ 15 bilhões, depois de muita negociação entre o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

O governo se comprometeu em zerar o déficit este ano, mas os cortes anunciados mostram que, na melhor das hipóteses, o Tesouro Nacional vai encerrar o ano com as contas estouradas em R$ 29 bilhões. Mas, segundo as regras do arcabouço fiscal, a meta então seria cumprida com este resultado. Como assim? Era para o jogo terminar empatado em zero a zero. Por que uma derrota se transformaria em empate? Ocorre que, pelo sistema utilizado pela administração federal, haverá uma margem de tolerância de 0,25% do PIB, para mais ou para menos (no exercício de 2024).

A Fazenda, assim, interpretou o déficit de R$ 29 bilhões como se fosse o atingimento da promessa de contas zeradas. Na prática, agiu como uma pessoa física que fica pendurada todos os meses no limite do cheque especial e tem a ilusão de que está conseguindo pagar todas as suas contas.

Muitos economistas, porém, acreditam que o buraco será ainda maior que o previsto. Para esses técnicos, o governo precisaria congelar mais R$ 44 bilhões se quiser cumprir as metas do arcabouço (além dos R$ 15 bilhões já contingenciados). Mas o que vemos é uma tremenda má vontade do presidente Lula em autorizar uma gestão mais austera.

O fato é que há despesas crescendo além da expectativa.

Os campeões de aumento são os benefícios previdenciários (elevação de R$ 40 bilhões), benefícios de prestação continuada (R$ 8 bilhões de alta), créditos extraordinários (R$ 7,5 bilhões a mais), sentenças judiciais e precatórios (com crescimento de R$ 12,9 bilhões) e despesas do próprio Poder Executivo, como o Programa de Aceleração de Crescimento (salto de R$ 30,2 bilhões).

Há dois problemas sérios na contabilidade do Ministério da Fazenda. O primeiro é contar com um aumento de arrecadação no segundo semestre, algo provável mas não garantido. O segundo é não apresentar disposição genuína para cortar gastos e entregar as contas públicas em ordem. Quando os analistas combinam esses dois fatores, ficam desconfiados dos números apresentados por Haddad.

Antes da pandemia, o Brasil experimentou apenas um rombo maior que o do primeiro semestre de 2024: o dos seis primeiros meses de 2017, sob o governo de Michel Temer. Mas, nessa época, o orçamento ainda sofria os efeitos devastadores da política econômica de Dilma Rousseff, que havia saído do Planalto em agosto de 2016.

Qualquer semelhança entre a gestão de despesas estatais deste terceiro mandato de Lula com o de Dilma não será coincidência. É por esta razão que a discussão sobre o déficit público, embora chata e técnica, não pode deixar de ser feita.