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O genro de Silvio Santos e a imparcialidade da imprensa

Alguns analistas creditam a escolha de Fábio Faria à intenção manifestada por Bolsonaro de apaziguar os ânimos e obter estabilidade parlamentar

Fábio Faria: apesar da pouca idade, é considerado um político jeitoso (Billy Boss/Agência Câmara)
Fábio Faria: apesar da pouca idade, é considerado um político jeitoso (Billy Boss/Agência Câmara)
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Money Report – Aluizio Falcão Filho

Publicado em 12 de junho de 2020 às, 08h25.

Última atualização em 12 de junho de 2020 às, 09h32.

Uma das manchetes de ontem foi a nomeação do deputado Fabio Faria para um ministério ressuscitado, o das Comunicações. Amigo do presidente Jair Bolsonaro e de sua família, Faria é conhecido por ser genro de Silvio Santos, o dono da terceira maior cadeia de televisão do país, o SBT. A nomeação de amigos para o governo é coisa corriqueira no Brasil e praxe desde os tempos de Dom Pedro I. Portanto, não seria algo que chama necessariamente a atenção.

Duas questões, no entanto, podem ser levantadas quando se olha para a indicação do jovem deputado.

A primeira é a proximidade entre o futuro ministro e um dos concessionários de TV. Isso afetará sua atuação na Esplanada dos Ministérios? Ainda é cedo para falar, mas pode-se dizer de saída que é uma situação indesejável em termos de governança.

Não é a primeira vez, contudo, que algo do gênero acontece – Antônio Carlos Magalhães, durante o governo Sarney, ocupou o mesmo ministério e era dono da repetidora que usava os sinais da Rede Globo de Televisão na Bahia. Talvez, na época, o conflito de interesses fosse até maior. Como o Ministério também controlava a Embratel, todas decisões sobre o tráfego de sinais de satélite – algo imprescindível para a atividade televisiva – passavam pelo gabinete de ACM.

Fábio Faria, apesar da pouca idade, é considerado um político jeitoso, daqueles que apararam arestas e se aproximam de desafetos. Sob seu guarda-chuva também estarão Correios e a Empresa Brasileira de Comunicação, que deverão ter seus comandos (hoje na mão de generais) passados para nomes indicados pelo Centrão.

O segundo ponto nos leva diretamente à questão da imparcialidade, que pode ser dividida em dois segmentos.

Essa discussão começa com o julgamento da imparcialidade do ministro junto a questões importantes ao setor, especialmente quando os interesses de seu sogro estiverem em jogo. Sabe-se igualmente que o presidente Bolsonaro está sempre à turras com a cobertura jornalística da TV Globo.

Pergunta-se: o que vai acontecer quando os objetivos das emissoras da família Marinho e de Silvio Santos estiverem em conflito? Como Faria vai decidir? Vamos dizer que ele, teoricamente, escolha o lado do SBT. Mesmo que sua avaliação seja correta e técnica, porém, sempre haverá a desconfiança de que a decisão foi maculada pelo vínculo familiar entre apresentador e ministro.

Outro lado que surge dessa discussão gira em torno do conceito de imparcialidade em si, já que a isenção de Fábio Faria pode ser fatalmente questionada pelos jornalistas e, como bônus, ele terá também abaixo de si a Secretaria de Comunicação do Governo. Talvez em função de seu perfil diplomático, o novo ministro possa ajudar nessa área, na qual o governo vem se estranhando com os profissionais de jornalismo desde seu início.

Em diversas ocasiões, Bolsonaro disse que faltava retidão à imprensa, citando nominalmente jornais e emissoras. O próprio secretário de Comunicação do Governo, Fabio Wajgarten, bateu nessa mesma tecla. Quando a Folha de S. Paulo, por exemplo, questionou sua participação acionária em uma empresa que atuava junto a emissoras de TV, mesmo estando ele na Secom, Wajgarten afirmou que a reportagem não era “justa” – ou seja, reclamou de parcialidade.

Como jornalista, eu me pergunto: existe matéria justa? Existe imparcialidade total?

Na terceira temporada da série “The Crown”, da Netflix, há uma passagem na qual a atriz Olivia Colman, que faz a Rainha Elizabeth, diz que ser soberana de uma nação é o pior emprego do mundo. “É preciso ser neutro o tempo todo e a neutralidade é não é uma característica humana”, afirma a personagem. Não se sabe se a Elizabeth de carne e osso falou isso em algum momento da vida, mas os roteiristas da série forjaram uma frase que representa bem a dificuldade que os jornalistas têm de encarar em seu dia a dia.

Como lutar com a própria parcialidade na hora de escrever, deixando de lado as suas crenças pessoais e detendo-se somente aos fatos? É difícil. Tem alguma dúvida? Tente fazer isso por um dia inteiro. Em todas suas conversas, não assuma um lado ou não julgue. Ou melhor, não emita opinião sobre nada. Garanto: medir cada palavra antes de dizê-las não será uma experiência das mais gratificantes.

Como percebemos a falta de equidade em um texto? Na maioria esmagadora dos casos, isso ocorre quando não concordamos com o que está escrito. Percebemos rapidamente se uma notícia é enviesada quando ela vai contra nossos valores, opiniões e conceitos. Só que, muitas vezes, também achamos o mesmo de uma reportagem direta e imparcial – mas cuja pauta pode nos incomodar.

Há muitos que clamam por uma imprensa neutra, mas no fundo querem textos mais parecidos com suas próprias opiniões (não são todos que pensam assim, evidentemente). Essencialmente, isso não é buscar a tal neutralidade; é mudar o sinal da subjetividade.

Isso pode ser visto no comportamento de Bolsonaro e de seus auxiliares mais, digamos, ideológicos. A reclamação não é exatamente por isenção. É por um noticiário favorável. Curiosamente, acusa-se a imprensa de ter sido dócil nos governos do Partido do Trabalhadores porque recebia verbas da Secom (vamos deixar de lado os blogs que eram patrocinados pelo PT e nos concentrar nos grandes veículos). Mas o fato é que inúmeros órgãos de imprensa que hoje batem na administração de Bolsonaro fustigaram os petistas, em especial Dilma Rousseff.

Um argumento que se utiliza muito nas redes sociais junto aos críticos do atual governo é utilizar duas perguntas em sequência: e se fosse o PT? E se Fernando Haddad tivesse vencido as eleições? Vamos, então, utilizar a mesma lógica: imagine que estamos no ano de 2014 e Dilma resolvesse escolher o genro de um dos irmãos Marinho para ocupar o ministério das Comunicações. O que o então deputado Jair Bolsonaro iria pensar dessa nomeação?

Alguns analistas creditam a escolha de Fábio Faria à intenção manifestada por Bolsonaro de apaziguar os ânimos e, juntamente com a estabilidade parlamentar obtida com a adesão do Centrão, obter um cenário político menos turbulento. Se isso for verdade, a sociedade – que não aguenta mais solavancos – agradece encarecidamente. E continuará suas discussões sobre a imparcialidade da imprensa com muito mais tranquilidade.