Continua após a publicidade

O gabinete do ódio que está dentro de cada um

Nunca brigamos tanto como em 2020. Todos nós, em maior ou menor escala, entramos em algum tipo de discussão neste ano

 (foto/Thinkstock)
(foto/Thinkstock)
M
Money Report – Aluizio Falcão Filho

Publicado em 7 de dezembro de 2020 às, 12h18.

Última atualização em 7 de dezembro de 2020 às, 14h09.

Na semana passada, o empresário Luciano Hang ganhou um processo que movia contra a Folha de S. Paulo e a jornalista Patrícia Campos Mello. O motivo da disputa foi uma reportagem publicada em 2018 que apontava o dono da Havan como financiador de disparos na redes sociais que atacavam o então adversário de Jair Bolsonaro, o petista Fernando Haddad. A vitória de Hang provocou uma batalha campal nas redes sociais. Um lado aplaudindo e o outro apupando. Mas havia uma coisa em comum nas postagens – todas eram escritas a partir de uma raiva descomunal.

Antes da pandemia, já vivíamos momentos de impaciência. As diversas discussões políticas de 2018 romperam amizades, afastaram parentes e abalaram relações de trabalho. No ano seguinte, a verborragia do presidente Bolsonaro fez discussões ideológicas e de costumes pipocarem – e a demora para a economia decolar (aliada à grande taxa de desemprego) minou a paciência de todos. Quando a maioria dos brasileiros esperava que a situação fosse melhorar em 2020, veio a pandemia e, com ela, um tipo de insegurança jamais experimentado por essa geração de cidadãos. Mais uma rodada de conflitos teve início: negacionistas versus grupos pró-ciência ou aqueles que colocavam a economia à frente das questões sanitaristas (e vice-versa).

Este fenômeno chegou até às crianças. Com os nervos à flor da pele, os infantes deixaram de conviver e se jogaram ao divertimento online, em aplicativos como o TikTok. Milhares de casos de brigas e de bullying surgiram neste ambiente, até porque o público infantil está ansioso e frustrado com as aulas à distância.

O fato é que nunca brigamos tanto como em 2020. Todos nós, em maior ou menor escala, entramos em algum tipo de discussão neste ano. E foi muito difícil se controlar, mantendo a pose. Foi como se cada um de nós tivesse um gabinete do ódio dentro de si. Alguns conseguiram controlar suas ações. A maioria, no então, não obteve sucesso.

Ao final do século 19, falava-se muito no “spleen”. Ao pé da letra, essa palavra inglesa quer dizer “baço” (o órgão), “hipocondria” ou “depressão nervosa”. Mas o poeta Lord Byron usava essa expressão para definir tédio e melancolia decorrentes de um amor não correspondido. Trata-se de uma depressão um tanto quanto coletiva, que acometia a juventude niilista e descrente.

O século 19 foi uma época de transição. Saímos da era do artesanato para a indústria e a tecnologia deu enormes saltos nessa fase histórica. Geralmente, momentos como esses geram desconforto e, em torno de 1830, por exemplo, este sentimento gerava a depressão descrita pelo sexto barão de Byron (curiosamente, o poeta viria a ter uma filha, a matemática Ada Lovelace, que seria mais tarde reconhecida como a autora do primeiro algoritmo que poderia ser rodado em um computador – ainda não inventado naqueles tempos).

Os tempos tecnológicos, que devem ter sido imaginados pela Condessa de Lovelace, provocaram outro tipo de mal: a insatisfação e o desconforto. Boa parte dos leitores desse texto faz parte de uma geração que começou analógica e se tornou digital. Não se sabe exatamente para onde a tecnologia vai nos levar e essa incerteza gera um certo incômodo.

Vivemos tempos em que tudo passa rápido e as coisas se transformam imediatamente. Por isso, leva segundos para que o incômodo congênito dê lugar à raiva, especialmente quando boa parte da sociedade se comunica através de mensagens ou posts. Some-se isso à falta de paciência gerada pelo estresse e temos uma receita perfeita para a falta de entendimento.

O que fazer nesta situação?

A primeira é não temer o futuro e desenvolver, não importa a idade, a capacidade de adaptação às novas tecnologias. Vivemos durante a pandemia a tal aceleração digital. Esse fenômeno veio para ficar e vai provocar ainda mais mudanças em nossa sociedade. Por enquanto, tivemos que nos adaptar às videoconferências, aos serviços de e-commerce e aos deliveries de refeições. Isso não é nada perto do que está para ocorrer com a internet das coisas, a inteligência artificial, a biociência e a velocidade proporcionada pelas redes 5G.

Ou seja, se o pequeno ajuste de tecnologia incomodou, espere o próximo capítulo. Tudo vai ficar ultrapassado em questão de dias. Diante da inevitabilidade, é melhor estar preparado e deixar o desconforto de lado. Com certeza, esta atitude trará um efeito colateral importante: maior tolerância e menos raiva. Você conseguirá viver melhor assim? Tenho certeza que sim. A discussão aberta, franca e elegante leva à evolução. A briga e o confronto, ao contrário, nos dirige aos tempos sinistros da Idade Média. Ou seja, é um retrocesso ao que temos de pior na história mundial.