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O eleitor está cada vez mais refratário à transferência de votos

Na história recente, Lula conseguiu realizar um fenômeno eleitoral que é citado frequentemente pelos cientistas políticos: a transferência de votos

Na história recente, Lula conseguiu realizar um fenômeno eleitoral que é citado frequentemente pelos cientistas políticos: a transferência de votos (Nelson Junior/ASICS/TSE/Dedoc/Divulgação)
Na história recente, Lula conseguiu realizar um fenômeno eleitoral que é citado frequentemente pelos cientistas políticos: a transferência de votos (Nelson Junior/ASICS/TSE/Dedoc/Divulgação)

Na história recente, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva conseguiu realizar um fenômeno eleitoral que é citado frequentemente pelos cientistas políticos: a transferência de votos. Depois de dois mandatos presidenciais, ele patrocinou a candidatura de sua ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, ao Planalto. E teve sucesso. No final das contas, Dilma ganhou com 56% dos votos contra José Serra. Mas será que essa situação ainda pode acontecer na era digital em que vivemos?

Duas pesquisas divulgadas recentemente mostram que esse fenômeno talvez esteja com seus dias contados.

O primeiro estudo, divulgado há alguns dias pelo Datafolha, mostra que os eleitores evangélicos não necessariamente seguem as orientações eleitorais de seus pastores. Os números, aliás, são bastante contundentes. A enquete, realizada na cidade de São Paulo, revela que 70% daqueles que compõem este eleitorado condenam líderes religiosos que desejam manipular politicamente seus fiéis. E 56% consideram que seria melhor os pastores não apoiarem qualquer candidato durante o período eleitoral.

Ontem, outra pesquisa também chamou a atenção neste sentido. Trata-se de uma enquete realizada pela Quaest sobre as eleições para a prefeitura do Rio de Janeiro. O foco foi em eleitores de Jair Bolsonaro (lembremos que, em 2022, o ex-presidente ganhou na capital fluminense com 52% dos sufrágios). Diante deste cenário, seria natural que o candidato a prefeito apoiado por Bolsonaro tivesse chances concretas de vencer o pleito.

Ocorre que o atual alcaide, Eduardo Paes, que não tem o apoio do ex-mandatário, lidera as pesquisas com 49% e seria eleito no primeiro turno caso a votação fosse realizada hoje. O nome apoiado por Bolsonaro, Alexandre Ramagem (foto), conta com apenas 13%.

Mas o que acontece especificamente com os eleitores de Bolsonaro?

O estudo da Quaest apresenta um quadro interessante. Mesmo neste grupo, Paes lidera as intenções de voto com 40%, enquanto Ramagem tem 32% das preferências. De certa forma, isso mostra que a influência de Bolsonaro tem limites e não é uma garantia de vitória mesmo em regiões em que o ex-presidente obteve bons resultados.

Muitos podem dizer que os eleitores, quando escolhem o prefeito de suas cidades, consideram outros fatores na hora de escolher, como a capacidade administrativa e competência para a zeladoria. Isso, de fato, acontece. Mas, ao mesmo tempo, o estudo mostra que existem fronteiras muito claras para a transferência de votos, especialmente quando o candidato derrapa no quesito carisma.

E como fica a eleição de Tarcísio de Freitas neste quadro?

A ascensão de Tarcísio não é apenas um reflexo do bolsonarismo – até porque ele é considerado uma espécie de bolsonarista light. Houve, antes de mais nada, a crença do povo paulista em suas propostas e a aposta em um nome com perfil administrador. Mas também tivemos dois outros fatores que explicam a vitória do ex-ministro.

O primeiro foi o desgaste do PSDB, que dominou o Palácio dos Bandeirantes de 1995 a 2022. Além disso, o interior do estado, que reúne dois terços do eleitorado total, sempre dá preferência a um candidato moderado ou conservador no segundo turno – e esse era justamente o perfil de Tarcísio de Freitas. Resultado: o hoje governador derrotou o ministro Fernando Haddad por 53% a 47% dos votos válidos.

Se esse fenômeno – a diminuição da transferência de votos – se consolidar, o caminho para a entrada de novos nomes na política deve aumentar, com uma renovação considerável nos quadros de deputados, senadores, prefeitos e governadores. Mas, convenhamos, em um país dominado por dinastias políticas, especialmente no interior, isso não vai acontecer de uma hora para outra.