Exame.com
Continua após a publicidade

O banimento de Trump do Twitter: você é contra ou a favor?

Não concordo com a cultura de cancelamento de maneira geral. Não faço exceção nem a presidentes com delírios golpistas ou que se acham acima da lei

O presidente dos EUA, Donald Trump, fala durante um comício para contestar a certificação dos resultados das eleições presidenciais dos EUA em 2020 pelo Congresso dos EUA, em Washington, EUA, 6 de janeiro de 2021.  (Jim Bourg/Reuters)
O presidente dos EUA, Donald Trump, fala durante um comício para contestar a certificação dos resultados das eleições presidenciais dos EUA em 2020 pelo Congresso dos EUA, em Washington, EUA, 6 de janeiro de 2021. (Jim Bourg/Reuters)
M
Money Report – Aluizio Falcão Filho

Publicado em 11 de janeiro de 2021 às, 10h01.

Para não deixar dúvidas: sou contra o banimento de Donald Trump no Twitter. Minha razão é simples. Não concordo com a cultura de cancelamento de maneira geral. Não faço exceção nem a presidentes com delírios golpistas ou que se acham acima da lei. No fundo, sou partidário da frase atribuída a Voltaire, um dos pensadores do Iluminismo: “Posso não concordar com nenhuma das palavras que você disser, mas defenderei até a morte seu direito de dizê-las”.

No dia 2 de junho, quando se discutia o projeto do Senado sobre as Fake News, publiquei uma coluna que versava sobre liberdade de expressão. Reproduzo ipsis litteris um parágrafo desse texto:

“Muitos dirão que, ao deixar que ofensas e falsidades rolem soltas por aí, podemos cair num cenário sugerido pela teoria do paradoxo da tolerância, defendida por Karl Popper (em termos simplistas, ela diz que ideias nazistas foram toleradas em nome da democracia; mas, uma vez que os seguidores de Adolf Hitler chegaram ao poder através do voto instauraram uma ditadura que exterminou as liberdades individuais)”.

Aqui está a base do argumento de quem justifica o cancelamento de figuras que pregam contra a democracia ou incitam a multidão a invadir instituições democráticas (incitação essa, diga-se, que primeiramente surgiu através de um discurso e não de um tuíte).

Sou contrário a tirar a voz dos outros, por várias razões. De todas, destaco uma. Hoje, estamos cancelando uma voz que promove protestos antidemocráticos e que parte de alguém com ilusões narcisistas com um verdadeiro poder destrutivo. Em tese, estamos fazendo a coisa correta, certo? O problema é que estará aberto um precedente para que, no futuro, o mesmo se faça contra quem estiver defendendo a democracia. Por isso, a melhor regra é simplesmente deixar os malucos falarem. A sociedade deve se movimentar para mostrar que o que eles dizem pertencem ao terreno da ficção ou da conspiração.

Mas a discussão em torno da liberdade de expressão é um pouco mais profunda.

Em tese, o Twitter é uma empresa privada. Como tal, pode escolher quem a usa e quem não a usa. Sob esse aspecto, portanto, a companhia pode fazer o que bem quiser com sua plataforma, até porque todos os usuários aceitaram suas regras no momento em que aderiram ao sistema (ninguém leu esse contrato ao ingressar na rede, mas isso é tema para outra conversa). Este direito é sagrado. Posso não concordar com ele, mas preciso me curvar à autoridade de quem possui as ações de uma empresa e, dentro das leis, crie suas regras de funcionamento.

Por que tanta celeuma em torno do assunto? Quando se fala em plataforma de comunicação ou em imprensa, há uma certa confusão de conceitos. São iniciativas de interesse público – mas não são companhias públicas e sim privadas. Estão em funcionamento de acordo com o que querem os acionistas. E, se houver uma regra em que se proíbam certos comportamentos, esse é um direito dos proprietários.

Conversando ontem com o economista Helio Beltrão, presidente do Instituto Mises Brasil (sim, gastamos um pedaço da manhã de domingo debatendo esse tema, acredite se quiser), sobre o cancelamento de Trump, ouvi uma metáfora interessante. O Twitter é como um restaurante. Está aberto ao público e não pode discriminar ninguém ao receber seus clientes. Mas pode se reservar o direito de expulsar quem estiver importunando os demais frequentadores ou simplesmente criando distúrbios em seu ambiente privado – mas a regra tem de valer para todos.

É aqui que mora o perigo. Utilizou-se uma regra para expulsar Trump da plataforma. Mas até a manhã de hoje, estava a ativa a conta de Ali Khamanei, chefe de Estado do Irã desde 1989. Em 3 de junho de 2018, ele escreveu o seguinte em seu perfil, que é seguido por 877 000 pessoas: “Israel é um câncer maligno na região ocidental da Ásia, que precisa ser removido e erradicado: isso é possível e irá acontecer”.

Ora, essa declaração é tão grave quando pedir para que desajustados invadam o Congresso para defender a Nação de uma fraude que existe na cabeça de Donald Trump e de meia-dúzia de celerados. E desobedece a pelo menos duas regras da plataforma. São elas, transcritas diretamente da página https://help.twitter.com/pt/rules-and-policies/twitter-rules

+ “Violência: não é permitido fazer ameaças de violência contra um indivíduo ou um grupo de pessoas”.

+ “Conduta de propagação de ódio: também não é permitido promover violência, ameaçar ou assediar outras pessoas com base em raça, etnia, nacionalidade, casta, orientação sexual, gênero, identidade de gênero, religião, idade, deficiência ou doença grave”.

Diante disso, o Twitter está em uma encruzilhada: ou cancela a conta de várias outras personalidades que também atentam contra o Estado de Direito ou reintegra Trump na plataforma. O que uma empresa com 230 milhões de usuários não pode usar dois pesos e duas medidas quando é o veículo primário de comunicação para muitos líderes políticos e influenciadores da sociedade. Não adianta exultar o cancelamento de Donald Trump porque ele é um ser humano ignóbil e reclamar, depois, quando um personagem digno e correto sofrer o mesmo tipo de intervenção. Liberdade de expressão deve ser para todos, até para aqueles que gostaríamos de ver calados.