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Nós e a vida: um relacionamento tóxico

"Talvez o problema seja maior e não envolva apenas mulheres que enfrentam relações abusivas"

Aluizio Falcão Filho comenta sobre as diferentes relações tóxicas que temos ao longo da vida. (Holloway/Getty Images)

Publicado em 5 de setembro de 2023 às 11h10.

“Relacionamento tóxico” é um termo da moda. Dê uma olhada nos principais portais de internet, grupos de WhatsApp ou folheie as poucas revistas que ainda estão em circulação: essa expressão vai aparecer algumas vezes. Ou melhor, várias vezes.

Mas talvez o problema seja maior e não envolva apenas mulheres que enfrentam relações abusivas. Ultimamente, todas as pessoas parecem ter relacionamentos tóxicos em diversos aspectos da vida.

Na política, vivemos uma toxicidade forte em relação àqueles que estão em quadrantes ideológicos opostos. Não enxergamos essas pessoas como oponentes e sim como inimigos, destilando agressividade e rancor. Nunca tivemos tantas ferramentas para gerar interatividade entre os seres humanos. Mas usamos esses dispositivos, em muitos casos, para brigar em vez de conversar.

Nos ambientes de trabalho, há também dezenas de variações sobre o mesmo tema. Nos anos 1980, havia competição nas empresas. Mas ninguém era abertamente agressivo, tirando as exceções de praxe. Em 2023, no entanto, as pessoas partem para o confronto sem pensar duas vezes – muitas vezes utilizando os departamentos de recursos humanos ou as áreas de ouvidoria para registrar queixas de coisas que só ocorreram nas cabeças dos querelantes.

As amizades também são constantemente sacudidas de todos os lados. É como se as pessoas precisassem de uma espécie de certificado ISO 9002 de lealdade. As relações estão ficando mais pesadas e sujeitas a influências de tudo quanto é lado, especialmente das opiniões alheias sobre política, comportamento e religião. Os indivíduos, de maneira geral, querem alinhamento constante de ideias, algo que é virtualmente impossível de se encontrar.

Isso ocorre porque há inúmeras pessoas em nosso mundo que não são muito óbvias. Ou que nos surpreendem quando mostram publicamente o que pensam. O caso do ministro do Supremo, Cristiano Zanin, é exemplar. Como foi indicado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, todos acharam que ele tinha uma visão progressista da vida. O voto dado por ele na questão das drogas, no entanto, mostrou que embaixo daquela toga bate um coração conservador. Resultado: ele foi trucidado nas redes sociais pelos militantes de esquerda, muitos deles petistas.

Outro episódio, o do apresentador Fausto Silva, também mostra como esperamos sempre o pior dos outros. Isso não é um relacionamento tóxico? Recordemos. Faustão estava no final da fila dos transplantes de coração, com mais de trezentos pacientes à sua frente. Mas, à medida que ele obteve um coração muito rapidamente, em função da piora de seu quadro, houve uma desconfiança generalizada de que o apresentador furara a fila dos transplantes – gerida pelo SUS, talvez uma das últimas instituições respeitadas em todo o país. Mesmo com todo esse respeito, a desconfiança foi tanta que o Ministério da Saúde teve de divulgar uma nota oficial explicando o que havia ocorrido e a ausência de favorecimento.

Ao mergulharmos nesse cotidiano tóxico, passamos por um desgaste quase que diário. É que o conflito nos deixa totalmente extenuados. Há quem se sinta confortável dentro de uma jornada belicosa, como por exemplo o ex-presidente Jair Bolsonaro. Mas a maioria de nós se sente mal com qualquer tipo de briga, mesmo que seja contra pessoas que mereçam nossa agressividade.

Relacionamento tóxico também é aquele que levanta o que há de pior nas pessoas. Conheço alguns casais que levavam vidas infernais, se separaram e encontraram parceiros que trouxeram paz e concórdia para ambas as partes. Isso ocorre em nosso dia a dia, sem que percebamos. Há pessoas que desistem da gentileza e da civilidade ao menor sinal de desacordo – seja ele no plano político ou de comportamento.

Diante disso, há duas saídas.

Para aqueles que se sentem atingidos, é melhor fechar a porta e se poupar de eventuais abusos. Para quem se descontrola e ataca os outros, é preciso esforço para segurar os ânimos e mudar de atitude. Os dois movimentos são difíceis, mas necessários. Precisamos evoluir como seres humanos. Superar os nossos instintos de agressividade é o primeiro passo para que o mundo se torne um lugar melhor

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“Relacionamento tóxico” é um termo da moda. Dê uma olhada nos principais portais de internet, grupos de WhatsApp ou folheie as poucas revistas que ainda estão em circulação: essa expressão vai aparecer algumas vezes. Ou melhor, várias vezes.

Mas talvez o problema seja maior e não envolva apenas mulheres que enfrentam relações abusivas. Ultimamente, todas as pessoas parecem ter relacionamentos tóxicos em diversos aspectos da vida.

Na política, vivemos uma toxicidade forte em relação àqueles que estão em quadrantes ideológicos opostos. Não enxergamos essas pessoas como oponentes e sim como inimigos, destilando agressividade e rancor. Nunca tivemos tantas ferramentas para gerar interatividade entre os seres humanos. Mas usamos esses dispositivos, em muitos casos, para brigar em vez de conversar.

Nos ambientes de trabalho, há também dezenas de variações sobre o mesmo tema. Nos anos 1980, havia competição nas empresas. Mas ninguém era abertamente agressivo, tirando as exceções de praxe. Em 2023, no entanto, as pessoas partem para o confronto sem pensar duas vezes – muitas vezes utilizando os departamentos de recursos humanos ou as áreas de ouvidoria para registrar queixas de coisas que só ocorreram nas cabeças dos querelantes.

As amizades também são constantemente sacudidas de todos os lados. É como se as pessoas precisassem de uma espécie de certificado ISO 9002 de lealdade. As relações estão ficando mais pesadas e sujeitas a influências de tudo quanto é lado, especialmente das opiniões alheias sobre política, comportamento e religião. Os indivíduos, de maneira geral, querem alinhamento constante de ideias, algo que é virtualmente impossível de se encontrar.

Isso ocorre porque há inúmeras pessoas em nosso mundo que não são muito óbvias. Ou que nos surpreendem quando mostram publicamente o que pensam. O caso do ministro do Supremo, Cristiano Zanin, é exemplar. Como foi indicado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, todos acharam que ele tinha uma visão progressista da vida. O voto dado por ele na questão das drogas, no entanto, mostrou que embaixo daquela toga bate um coração conservador. Resultado: ele foi trucidado nas redes sociais pelos militantes de esquerda, muitos deles petistas.

Outro episódio, o do apresentador Fausto Silva, também mostra como esperamos sempre o pior dos outros. Isso não é um relacionamento tóxico? Recordemos. Faustão estava no final da fila dos transplantes de coração, com mais de trezentos pacientes à sua frente. Mas, à medida que ele obteve um coração muito rapidamente, em função da piora de seu quadro, houve uma desconfiança generalizada de que o apresentador furara a fila dos transplantes – gerida pelo SUS, talvez uma das últimas instituições respeitadas em todo o país. Mesmo com todo esse respeito, a desconfiança foi tanta que o Ministério da Saúde teve de divulgar uma nota oficial explicando o que havia ocorrido e a ausência de favorecimento.

Ao mergulharmos nesse cotidiano tóxico, passamos por um desgaste quase que diário. É que o conflito nos deixa totalmente extenuados. Há quem se sinta confortável dentro de uma jornada belicosa, como por exemplo o ex-presidente Jair Bolsonaro. Mas a maioria de nós se sente mal com qualquer tipo de briga, mesmo que seja contra pessoas que mereçam nossa agressividade.

Relacionamento tóxico também é aquele que levanta o que há de pior nas pessoas. Conheço alguns casais que levavam vidas infernais, se separaram e encontraram parceiros que trouxeram paz e concórdia para ambas as partes. Isso ocorre em nosso dia a dia, sem que percebamos. Há pessoas que desistem da gentileza e da civilidade ao menor sinal de desacordo – seja ele no plano político ou de comportamento.

Diante disso, há duas saídas.

Para aqueles que se sentem atingidos, é melhor fechar a porta e se poupar de eventuais abusos. Para quem se descontrola e ataca os outros, é preciso esforço para segurar os ânimos e mudar de atitude. Os dois movimentos são difíceis, mas necessários. Precisamos evoluir como seres humanos. Superar os nossos instintos de agressividade é o primeiro passo para que o mundo se torne um lugar melhor

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