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Nas redes, uma notícia verdadeira pode virar fake news. Basta querer

É de se esperar um verdadeiro vale-tudo cibernético, para abafar o que é ruim e dar visibilidade ao lado bom

Atentados contra a verdade vão se multiplicar no ano que vem (Chesnot / Colaborador/Getty Images)
DR

Da Redação

Publicado em 17 de dezembro de 2021 às 14h33.

Algumas redes sociais se gabam de ter mecanismos de controle que coíbem a publicação de fake news e, com isso, zelam pela veracidade daquilo que é postado pelos usuários. Nesta semana, porém, descobri que isso é uma tremenda balela. Em Money Report, publicamos uma nota sobre uma pesquisa realizada pelo Ipec (um instituto formado por ex-executivos do antigo Ibope) – notícia que foi replicada no Facebook e no Instagram. Essa enquete apontava que o Governo Bolsonaro atingiu os seguintes índices: 55% de rejeição, 68% de reprovação e 70% de desconfiança. Uma notícia ruim para os admiradores do presidente Jair Bolsonaro – que têm todo o direito de criticar essa ou outras pesquisas realizadas para avaliar o cenário político nacional.

Mas muitos extremistas são inconformados. E resolveram nos denunciar ao Facebook, afirmando que aquela nota era um exemplo de fake news. Para justificar seu ponto de vista, colocaram um link da agência Lupa que nada tem a ver com o assunto. Mas, como tudo que é feito automaticamente nesta rede e não é feita nenhuma checagem – está lá, no Facebook: “Informação falsa – as mesmas informações foram conferidas por verificadores de fatos independentes em outra publicação”.

Não deixa de ser irônico. Estamos falando de uma rede social que tem um mecanismo para coibir fake news, que é usado por quem quer transformar a verdade em falsidade. Ou seja, os manipuladores entenderam que não há uma pessoa gerenciando o processo, apenas máquinas – e máquinas desprovidas de inteligência artificial, fáceis de ser enganadas.

O Facebook pede que seja postada uma fonte de “fact-checking” para garantir que um determinado post é falso. Mas, com uma boa-fé ingênua, esta rede não previu que pessoas mal-intencionadas pudessem simplesmente colocar um link aleatório e enganar seu sistema.

Ora, como pode ser uma notícia falsa algo que foi publicado em toda a grande imprensa?

Pode-se discordar que a rejeição do governo é deste tamanho ou não. Mas veículos de comunicação estão apenas publicando informações públicas. Neste caso específico, os resultados do Ipec sobre rejeição do governo federal não são muito diferentes das pesquisas realizadas por outros institutos, alguns deles ligados a instituições financeiras, que não necessariamente estão na oposição.

Este episódio apenas descortina o que deve acontecer na campanha eleitoral do ano que vem. É de se esperar um verdadeiro vale-tudo cibernético, para abafar o que é ruim e dar visibilidade ao lado bom. Essa estratégia guarda muita semelhança com o que disse, anos atrás, o ministro da Fazenda do governo Itamar Franco ao repórter Carlos Monforte, da Rede Globo, antes de começar uma entrevista. “Eu não tenho escrúpulos”, disse Rubens Ricúpero, sem saber que o sinal poderia ser captado por telespectadores que utilizavam antenas parabólicas (um apetrecho antigo e bastante usado em 1994). “O que é bom a gente fatura, o que é ruim a gente esconde”. A ideia era turbinar a campanha de Fernando Henrique Cardoso, antecessor de Ricúpero, à presidência da República.

O Partido dos Trabalhadores, em seu horário eleitoral, tentou atacar FHC, mas a iniciativa não deu certo, até porque muitos dos eleitores não sabem ao certo qual o significado da palavra “escrúpulos”. A memória pode estar me traindo, mas me lembro de Luiz Inácio Lula da Silva bastante bravo em programa eleitoral em cujo cenário havia uma parabólica piscando – um tipo de mensagem subliminar que seria entendida apenas por um pedaço da elite e totalmente ignoradas pelo povão. O resultado daquela eleição? Fernando Henrique ganhou no primeiro turno, com 54 % dos votos (o dobro dos sufrágios obtidos por Lula).

Se esse fato tivesse ocorrido nos dias de hoje, bastaria aos tucanos questionar sua publicação usando um link qualquer de “verificadores de fatos”. Em poucos minutos, o sistema iria automaticamente acreditar e catalogar a nota como “fake”.

Atentados contra a verdade iguais a esse vão se multiplicar no ano que vem. Apertem os cintos, pois vai ser uma estrada sinuosa e esburacada.

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Algumas redes sociais se gabam de ter mecanismos de controle que coíbem a publicação de fake news e, com isso, zelam pela veracidade daquilo que é postado pelos usuários. Nesta semana, porém, descobri que isso é uma tremenda balela. Em Money Report, publicamos uma nota sobre uma pesquisa realizada pelo Ipec (um instituto formado por ex-executivos do antigo Ibope) – notícia que foi replicada no Facebook e no Instagram. Essa enquete apontava que o Governo Bolsonaro atingiu os seguintes índices: 55% de rejeição, 68% de reprovação e 70% de desconfiança. Uma notícia ruim para os admiradores do presidente Jair Bolsonaro – que têm todo o direito de criticar essa ou outras pesquisas realizadas para avaliar o cenário político nacional.

Mas muitos extremistas são inconformados. E resolveram nos denunciar ao Facebook, afirmando que aquela nota era um exemplo de fake news. Para justificar seu ponto de vista, colocaram um link da agência Lupa que nada tem a ver com o assunto. Mas, como tudo que é feito automaticamente nesta rede e não é feita nenhuma checagem – está lá, no Facebook: “Informação falsa – as mesmas informações foram conferidas por verificadores de fatos independentes em outra publicação”.

Não deixa de ser irônico. Estamos falando de uma rede social que tem um mecanismo para coibir fake news, que é usado por quem quer transformar a verdade em falsidade. Ou seja, os manipuladores entenderam que não há uma pessoa gerenciando o processo, apenas máquinas – e máquinas desprovidas de inteligência artificial, fáceis de ser enganadas.

O Facebook pede que seja postada uma fonte de “fact-checking” para garantir que um determinado post é falso. Mas, com uma boa-fé ingênua, esta rede não previu que pessoas mal-intencionadas pudessem simplesmente colocar um link aleatório e enganar seu sistema.

Ora, como pode ser uma notícia falsa algo que foi publicado em toda a grande imprensa?

Pode-se discordar que a rejeição do governo é deste tamanho ou não. Mas veículos de comunicação estão apenas publicando informações públicas. Neste caso específico, os resultados do Ipec sobre rejeição do governo federal não são muito diferentes das pesquisas realizadas por outros institutos, alguns deles ligados a instituições financeiras, que não necessariamente estão na oposição.

Este episódio apenas descortina o que deve acontecer na campanha eleitoral do ano que vem. É de se esperar um verdadeiro vale-tudo cibernético, para abafar o que é ruim e dar visibilidade ao lado bom. Essa estratégia guarda muita semelhança com o que disse, anos atrás, o ministro da Fazenda do governo Itamar Franco ao repórter Carlos Monforte, da Rede Globo, antes de começar uma entrevista. “Eu não tenho escrúpulos”, disse Rubens Ricúpero, sem saber que o sinal poderia ser captado por telespectadores que utilizavam antenas parabólicas (um apetrecho antigo e bastante usado em 1994). “O que é bom a gente fatura, o que é ruim a gente esconde”. A ideia era turbinar a campanha de Fernando Henrique Cardoso, antecessor de Ricúpero, à presidência da República.

O Partido dos Trabalhadores, em seu horário eleitoral, tentou atacar FHC, mas a iniciativa não deu certo, até porque muitos dos eleitores não sabem ao certo qual o significado da palavra “escrúpulos”. A memória pode estar me traindo, mas me lembro de Luiz Inácio Lula da Silva bastante bravo em programa eleitoral em cujo cenário havia uma parabólica piscando – um tipo de mensagem subliminar que seria entendida apenas por um pedaço da elite e totalmente ignoradas pelo povão. O resultado daquela eleição? Fernando Henrique ganhou no primeiro turno, com 54 % dos votos (o dobro dos sufrágios obtidos por Lula).

Se esse fato tivesse ocorrido nos dias de hoje, bastaria aos tucanos questionar sua publicação usando um link qualquer de “verificadores de fatos”. Em poucos minutos, o sistema iria automaticamente acreditar e catalogar a nota como “fake”.

Atentados contra a verdade iguais a esse vão se multiplicar no ano que vem. Apertem os cintos, pois vai ser uma estrada sinuosa e esburacada.

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