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Lula vê o mundo pelos olhos de Janja?

Reportagem da “Folha de S. Paulo” publicada ontem mostra que os ministros do governo frequentemente fazem reuniões com a primeira-dama

Lula e Janja: é preocupante saber que o presidente não está sintonizado com algo que os brasileiros, em sua maioria esmagadora, fazem (Marcelo Camargo/Agência Brasil)
Lula e Janja: é preocupante saber que o presidente não está sintonizado com algo que os brasileiros, em sua maioria esmagadora, fazem (Marcelo Camargo/Agência Brasil)

Reportagem da “Folha de S. Paulo” publicada ontem mostra que os ministros do governo frequentemente fazem reuniões com a primeira-dama Rosângela Silva, mais conhecida como Janja. Mas esses encontros não são divulgados na agenda oficial dos integrantes do primeiro escalão ou da esposa do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Janja não possui um cargo oficial na administração federal. Por isso, não é obrigada por lei a divulgar com quem se reúne; os titulares das pastas, pelo mesmo motivo, também não têm obrigação de tornar público uma conversa com quem não tem uma posição na administração pública.

A constância com a qual Janja se reúne com o ministério é um indicador de que ela está longe de ter um papel decorativo no mandato do marido. Nada contra ou a favor. Muitas mulheres fizeram isso no passado. Há uma lenda, inclusive, segundo a qual a primeira-dama de Eurico Gaspar Dutra, Carmela (mais conhecida por Dona Santinha), foi quem mandou o presidente acabar com o jogo e os cassinos no Brasil em abril de 1946. Mas a frequência com a qual Janja fala com os ministros sugere que ela atue como uma espécie de coordenadora da Esplanada – uma tarefa que seria da Casa Civil, chefiada por Rui Costa.

Em nome da transparência, seria louvável que Lula nomeasse Janja para algum cargo oficial e explicasse à sociedade qual exatamente é o papel da primeira-dama em seu governo. Neste contexto, é preciso reforçar que os eleitores escolheram Lula e não Janja para comandar o país. O mesmo raciocínio vale para mulheres que ocupam posições eletivas no Executivo. Se seus maridos tiverem alguma atuação informal em suas administrações, é necessário que se explique o teor dessa atividade e desejável que eles sejam nomeados para um cargo regularizado.

A matéria toca em outro ponto importante: “Janja atua como uma espécie de ‘algoritmo’ de Lula. Ele não usa celular e é pouco ligado à instantaneidade do noticiário atual, mas recebe informações da socióloga, que participa diretamente das reações do mandatário aos acontecimentos no Brasil e no mundo”.

É preocupante saber que o presidente não está sintonizado com algo que os brasileiros, em sua maioria esmagadora, fazem. Utilizar um smartphone para acompanhar as redes sociais e as notícias é um hábito adotado até por crianças e adolescentes. Quando o presidente terceiriza essa prática para alguém, mesmo que seja a primeira-dama, está sujeito ao filtro daquele que seleciona e interpreta os acontecimentos e rações do público.

Isso não quer dizer que o presidente seja manipulado ou seja ingênuo. Mas está sujeito a um filtro que pode levá-lo a uma direção indesejável. Existe, porém, uma vantagem em tudo isso: ao não acompanhar a cada minuto o que diz o mundo digital, Lula evita a tentação de agir por impulso, levado pela emoção do momento.

Mesmo que Janja esteja fazendo uma filtragem coerente e ponderada dos fatos que são noticiados e comentados nas redes, seria importante que o presidente Lula criasse o hábito de monitorar pessoalmente o mundo que se descortina pelo celular.

Navegar pela internet, para um político, é tomar diretamente o pulso da sociedade. Não há como tapar o sol com a peneira quando o eleitorado critica uma medida ou um determinado comportamento. É como ter acesso instantâneo ao que pensam e sentem apoiadores e oponentes. Alguém como Lula, que é obcecado pelo contato direto com o público, iria se deliciar com os elogios e as críticas. E poderia rapidamente rever alguns conceitos se escutar frequentemente os dois lados de nosso cenário polarizado.

Portanto, presidente, vai aqui um conselho: compre um celular e entre na rede. Os modelos mais básicos com o sistema Android estão à disposição no mercado por valores que começam entre R$ 400 e R$ 500. Os mais sofisticados estão entre R$ 1.500 e R$ 2.000. E os da Apple podem ser comprados a partir de R$ 2.500. Convenhamos: é um preço muito baixo a pagar para quem precisa entender melhor a cabeça do eleitor médio. Sem intermediários.