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Inflação, risco fiscal e as expectativas da indústria

Enquanto vivermos as incertezas estimuladas por declarações contraditórias do presidente, dificilmente a economia irá decolar para valer

Inflação (Justin Sullivan/AFP)
Inflação (Justin Sullivan/AFP)

Uma pesquisa do Banco Central, batizada de Firmus, ouviu quase cem empresas (fora do mercado financeiro) para saber quais seriam as suas expectativas para a economia em 2024 e 2025. O resultado foi diferente do que aponta o Boletim Focus, que compila as previsões dos agentes financeiros. O setor produtivo, por exemplo, aposta em uma inflação de 4% para este ano, enquanto os economistas ligados ao mundo das finanças apontam para um IPCA de 3,89% em 2024. Para o ano que vem, outra diferença: 4% (empresas não financeiras) contra 3,77% (mercado financeiro).

Muitos poderão dizer que as empresas de serviços e as indústrias trabalham diariamente sentindo a pulsação dos preços e podem ter maior capacidade para julgar o comportamento inflacionário do país – algo bastante próximo da realidade. Neste caso, as previsões do setor não financeiro são preocupantes para o governo. Em especial, para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que está fazendo do combate aos juros altos uma bandeira de sua administração.

Ninguém gosta de taxas altas. Mas, em um cenário em que a inflação mostra sinais de que não está debelada, a elevação dos juros parece ser a principal arma para combater a carestia.

Além disso, é preciso lembrar que os índices de inflação registram um crescimento médio de preços e expurgam oscilações de produtos que não são relevantes para o orçamento da família brasileira. Portanto, é bem possível que uma unidade familiar experimente uma inflação diferente da do vizinho, caso o perfil de compras seja diferente. O mesmo raciocínio vale para as indústrias que vivem uma alta de preços diferente da experimentada pelo comércio.

Temos que lembrar, ainda, que muitos brasileiros – especialmente os mais velhos – foram criados na época em que a espiral inflacionária estava totalmente descontrolada. No meu caso, por exemplo, lembro-me de pedir a meu pai um aumento de mesada quando tinha treze anos, já que o dinheiro que recebia tinha perdido poder de compra desde aquela época. Todas as pessoas da minha geração ficaram marcadas pela remarcação sistemática de etiquetas e podem turbinar preços com maior facilidade devido a este perfil psicológico.

Diante de um quadro desses, a preocupação com a responsabilidade fiscal do governo fica em estado de alerta, pois o presidente Lula já demonstrou publicamente sua disposição de baixar juros e aumentar gastos, sem respeitar as leis econômicas mais elementares. É bem verdade que, após dizer esse tipo de coisa, Lula volta atrás e apresenta justificativas na linha do “deixa-disso”.

Enquanto vivermos as incertezas estimuladas por declarações contraditórias do presidente, dificilmente a economia irá decolar para valer. Em artigo publicado ontem no jornal “O Globo”, a economista Zeina Latif colocou o dedo na ferida: “O empresário precisa de confiança para investir. Não enfrentar o risco fiscal e criar volatilidade é veneno para a indústria”.