Há algo de estranho na terra de Fidel
A justiça social só existirá de fato quando houver liberdade e democracia
Da Redação
Publicado em 28 de julho de 2021 às 09h37.
Aluizio Falcão Filho
Na última semana, quatro generais cubanos, três deles da reserva, morreram, de acordo com fontes oficiais de Havana. Mais um outro membro do generalato teria falecido no domingo, mas até agora o governo de Cuba ainda não tinha confirmado a notícia. Como ocorre em todas as ditaduras , informações desencontradas ou não confirmadas são corriqueiras – e a terra de Fidel Castro não é exceção à regra.
Essas mortes, no entanto, são intrigantes. Primeiro, por sua sequência (embora todos tivessem idade avançada, é verdade) e pelo fato de terem ocorrido logo após um dos maiores protestos já realizados contra o governo comunista que domina a ilha desde 1960.
Tenho mais de trinta anos de jornalismo. E, neste período, colecionei amizades de todos os matizes ideológicos. Entre esses muitos amigos, há vários simpatizantes do regime cubano. Pois bem. Mesmo entre esses admiradores de Fidel, os protestos de 11 de junho tiveram repercussão e os fizeram questionar o aparato repressivo que ainda impera naquela Nação.
Alguns, porém, ainda bateram na tecla de que a miséria observada na ilha é reflexo do embargo econômico imposto pelos Estados Unidos desde a década de 1960. Mas o tal embargo não é exatamente uma proibição total e absoluta. O texto abaixo, retirado de um artigo do advogado cubano Nelson Rodríguez Chartrand, publicado pelo Instituto Mises Brasil, discute a questão:
“Em 1997, eu trabalhava como assessor jurídico de uma empresa que atuava no ramo do comércio exterior, e qual foi a minha surpresa quando constatei que a empresa Alimport (Empresa Cubana Importadora de Alimentos), responsável pelo nosso comércio exterior, estava importando produtos agrícolas diretamente de produtores dos Estados Unidos. Estranho, não?
[…]
Porém, há mais. No ano de 1999, o presidente Bill Clinton “endureceu o bloqueio”, proibindo as filiais estrangeiras de companhias americanas de negociar com Cuba a valores maiores do que US$ 700 milhões anuais. Entretanto, no ano 2000, o próprio Clinton autorizou a venda de certos produtos “humanitários” a Cuba. O fato é que, paradoxalmente, não apenas os EUA têm estado entre os cinco principais parceiros comerciais de Cuba, como também, se não bastasse, têm sido os principais fornecedores de produtos agrícolas para a ilha”.
A pobreza de Cuba, assim, não tem origem além-mar e sim interna. Mais especificamente na Avenida Carlos Manuel de Céspedes, onde está localizado o Palacio de la Revolución, a sede do governo cubano. O modelo econômico comunista, ancorado em uma repressão política ferrenha, socializou a pobreza e impediu o avanço econômico. Sua fórmula conseguiu se manter claudicante até que o Muro de Berlim caiu. De lá para cá, porém, a miséria só fez piorar e insuflar a população.
Tenho um amigo que é um roteirista de mão cheia. Foi chamado, ainda na década de 1980, para fazer um documentário sobre Cuba. Juntou uma equipe com quatro pessoas e desembarcou em Havana. Foi levado a uma casa e acomodado em um quarto com vários beliches. Até aí, tudo bem. Mas logo no primeiro dia percebeu que essa estadia não seria agradável. Havia apenas 15 minutos de fornecimento de água pela manhã. O jeito era tomar um banho coletivo, bem ligeiro, para que todos conseguissem fazer sua higiene pessoal. Esse meu amigo, até então um comunista ferrenho, se transformou em um socialista de tintas europeias após a tal viagem.
No ano passado, outro amigo, amante dos charutos, viajou até Havana e ficou cerca de uma semana. Ele já tinha estado em Cuba outras vezes e ficou espantado com a pobreza crescente. Um barman do hotel onde estava hospedado pediu a ele itens absolutamente corriqueiros para nós, como sabonete e papel higiênico. Ele e seus colegas de viagem se uniram para ajudar o rapaz, que recebeu as mercadorias com lágrimas nos olhos. O mesmo ocorreu com o guia da viagem, que também foi auxiliado.
Essas são histórias que ouvi de amigos – e não do irmão do vizinho da prima do porteiro. Refletem claramente o problema central dos regimes comunistas: não há riqueza suficiente para repartir entre todos. E, com o fim da centelha empreendedora, há uma estagnação econômica que leva toda a sociedade para a mazela financeira.
Os países capitalistas não possuem sistemas perfeitos. Sejamos honestos: existe também muita pobreza nessas nações. Mas pelo menos há o alento do empreendedorismo ou da possibilidade de ascensão social com a conquista de empregos melhores. Nem todos serão ricos, é verdade. Mas um número enorme de pessoas pode sair da indigência para a classe média. Precisamos estimular por aqui essa chama empreendedora e acelerar a criação maciça de empregos, que só é possível com a produção de riquezas, das quais se alimentam os impostos.
Voltando aos generais cubanos: pode ser uma coincidência. Mas não há transparência em qualquer regime comunista – e, por isso, não temos saber se essas mortes estão de alguma forma ligadas aos protestos de julho. O fato é que ditaduras são odiosas e devem ser combatidas. A justiça social só existirá de fato quando houver liberdade e democracia. Sem a existência de um Estado de Direito pleno, nenhum país chegará à independência econômica e à justiça social, seja essa nação comunista ou capitalista.
Mas um país capitalista pode ser uma democracia ou uma ditadura; uma nação comunista, porém, só terá uma opção de regime – a ditadura.
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Aluizio Falcão Filho
Na última semana, quatro generais cubanos, três deles da reserva, morreram, de acordo com fontes oficiais de Havana. Mais um outro membro do generalato teria falecido no domingo, mas até agora o governo de Cuba ainda não tinha confirmado a notícia. Como ocorre em todas as ditaduras , informações desencontradas ou não confirmadas são corriqueiras – e a terra de Fidel Castro não é exceção à regra.
Essas mortes, no entanto, são intrigantes. Primeiro, por sua sequência (embora todos tivessem idade avançada, é verdade) e pelo fato de terem ocorrido logo após um dos maiores protestos já realizados contra o governo comunista que domina a ilha desde 1960.
Tenho mais de trinta anos de jornalismo. E, neste período, colecionei amizades de todos os matizes ideológicos. Entre esses muitos amigos, há vários simpatizantes do regime cubano. Pois bem. Mesmo entre esses admiradores de Fidel, os protestos de 11 de junho tiveram repercussão e os fizeram questionar o aparato repressivo que ainda impera naquela Nação.
Alguns, porém, ainda bateram na tecla de que a miséria observada na ilha é reflexo do embargo econômico imposto pelos Estados Unidos desde a década de 1960. Mas o tal embargo não é exatamente uma proibição total e absoluta. O texto abaixo, retirado de um artigo do advogado cubano Nelson Rodríguez Chartrand, publicado pelo Instituto Mises Brasil, discute a questão:
“Em 1997, eu trabalhava como assessor jurídico de uma empresa que atuava no ramo do comércio exterior, e qual foi a minha surpresa quando constatei que a empresa Alimport (Empresa Cubana Importadora de Alimentos), responsável pelo nosso comércio exterior, estava importando produtos agrícolas diretamente de produtores dos Estados Unidos. Estranho, não?
[…]
Porém, há mais. No ano de 1999, o presidente Bill Clinton “endureceu o bloqueio”, proibindo as filiais estrangeiras de companhias americanas de negociar com Cuba a valores maiores do que US$ 700 milhões anuais. Entretanto, no ano 2000, o próprio Clinton autorizou a venda de certos produtos “humanitários” a Cuba. O fato é que, paradoxalmente, não apenas os EUA têm estado entre os cinco principais parceiros comerciais de Cuba, como também, se não bastasse, têm sido os principais fornecedores de produtos agrícolas para a ilha”.
A pobreza de Cuba, assim, não tem origem além-mar e sim interna. Mais especificamente na Avenida Carlos Manuel de Céspedes, onde está localizado o Palacio de la Revolución, a sede do governo cubano. O modelo econômico comunista, ancorado em uma repressão política ferrenha, socializou a pobreza e impediu o avanço econômico. Sua fórmula conseguiu se manter claudicante até que o Muro de Berlim caiu. De lá para cá, porém, a miséria só fez piorar e insuflar a população.
Tenho um amigo que é um roteirista de mão cheia. Foi chamado, ainda na década de 1980, para fazer um documentário sobre Cuba. Juntou uma equipe com quatro pessoas e desembarcou em Havana. Foi levado a uma casa e acomodado em um quarto com vários beliches. Até aí, tudo bem. Mas logo no primeiro dia percebeu que essa estadia não seria agradável. Havia apenas 15 minutos de fornecimento de água pela manhã. O jeito era tomar um banho coletivo, bem ligeiro, para que todos conseguissem fazer sua higiene pessoal. Esse meu amigo, até então um comunista ferrenho, se transformou em um socialista de tintas europeias após a tal viagem.
No ano passado, outro amigo, amante dos charutos, viajou até Havana e ficou cerca de uma semana. Ele já tinha estado em Cuba outras vezes e ficou espantado com a pobreza crescente. Um barman do hotel onde estava hospedado pediu a ele itens absolutamente corriqueiros para nós, como sabonete e papel higiênico. Ele e seus colegas de viagem se uniram para ajudar o rapaz, que recebeu as mercadorias com lágrimas nos olhos. O mesmo ocorreu com o guia da viagem, que também foi auxiliado.
Essas são histórias que ouvi de amigos – e não do irmão do vizinho da prima do porteiro. Refletem claramente o problema central dos regimes comunistas: não há riqueza suficiente para repartir entre todos. E, com o fim da centelha empreendedora, há uma estagnação econômica que leva toda a sociedade para a mazela financeira.
Os países capitalistas não possuem sistemas perfeitos. Sejamos honestos: existe também muita pobreza nessas nações. Mas pelo menos há o alento do empreendedorismo ou da possibilidade de ascensão social com a conquista de empregos melhores. Nem todos serão ricos, é verdade. Mas um número enorme de pessoas pode sair da indigência para a classe média. Precisamos estimular por aqui essa chama empreendedora e acelerar a criação maciça de empregos, que só é possível com a produção de riquezas, das quais se alimentam os impostos.
Voltando aos generais cubanos: pode ser uma coincidência. Mas não há transparência em qualquer regime comunista – e, por isso, não temos saber se essas mortes estão de alguma forma ligadas aos protestos de julho. O fato é que ditaduras são odiosas e devem ser combatidas. A justiça social só existirá de fato quando houver liberdade e democracia. Sem a existência de um Estado de Direito pleno, nenhum país chegará à independência econômica e à justiça social, seja essa nação comunista ou capitalista.
Mas um país capitalista pode ser uma democracia ou uma ditadura; uma nação comunista, porém, só terá uma opção de regime – a ditadura.
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