Discurso de Kennedy faz aniversário hoje e serve de exemplo para o Brasil
O STF decidiu que estados e municípios não reduzam vencimentos de funcionários públicos. É inadmissível que só o setor privado arque com os efeitos da crise
Publicado em 26 de junho de 2020 às, 08h16.
Última atualização em 26 de junho de 2020 às, 08h54.
Há exatamente 57 anos, em 26 de junho de 1963, o então presidente dos Estados Unidos, John Fitzgerald Kennedy, subiu nos degraus do prédio de uma repartição pública alemã e proferiu um de seus melhores discursos. Este é aquele speech no qual disse uma frase que ficou famosa: “Ich bin ein Berliner” (Tradução: "Eu sou um berlinense").
Essa sentença foi dita num momento em que a Guerra Fria estava em seu auge, dois anos após a construção do muro de Berlim. Foi um apoio explícito de Kennedy à Alemanha Ocidental e, em especial, aos cidadãos berlinenses, cuja cidade foi dividida ao meio e ficou incrustada no meio do lado, digamos, germano-comunista.
A frase é considerada uma defesa aberta das liberdades individuais esmagadas pelo então regime de Moscou e inspirou uma lenda urbana – a de que os alemães tinham entendido que JFK havia dito “eu sou um donut”, já que “berliner” é também um termo para definir um doce famoso na cidade. A frase dita por Kennedy não é exatamente coloquial, mas muitos linguistas não dão muita importância a esse fato e afirmam que o presidente foi amplamente compreendido em seu discurso.
Anteontem, o Supremo Tribunal Federal decidiu que estados e municípios não poderão reduzir os vencimentos de seus funcionários públicos. Ainda que seja algo discutível do ponto de vista legal, é absolutamente inadmissível que apenas o setor privado arque com os efeitos da devastação econômica causada pela pandemia. Empresários e executivos não tiveram outra saída a não ser demitir, com pesar, funcionários e reduzir salários.
Além disso, inúmeros empreendimentos fecharam as portas. Mas os funcionários públicos estão recebendo seus salários integralmente – e há registros até de quem teve aumento no meio desta situação.
O que uma coisa tem a ver com a outra? Do mesmo jeito que Kennedy defendeu o capitalismo, a democracia e as liberdades individuais em Berlim é preciso urgentemente de uma liderança política expressiva que preserve e proteja a iniciativa privada no Brasil. Com veemência, verve e vigor semelhantes.
Ao preservar uma casta nacional de sacrifícios, o Judiciário passa uma mensagem bem clara ao país: a de que o setor privado, para variar, tem de arcar sozinho com o prejuízo (seja em capital ou na perda de empregos). A decisão criou revolta entre o empresariado e mexeu com os brios de quem acorda cedo e dorme tarde com um único propósito, o de manter seu negócio vivo. Seria, portanto, o caso de existir por aqui um Kennedy que dissesse “Ich bin ein Geschäftsmann” (“Eu sou um empresário”, em português) e defender quem de fato coloca o Brasil nos trilhos do crescimento.
Ser empresário no Brasil não é algo desafiador apenas pela pesada e intrincada carga tributária, amarras trabalhistas e inúmeras regulamentações de mercado. Ao lado disso, também há os achaques de autoridades, uma instabilidade jurídica atroz e um cenário político que não pode ser considerado dos mais estáveis.
Todos sabem o quanto é difícil empreender e fazer uma simples ideia virar realidade. Mas romper essa inércia é algo mágico, que cria uma energia inexplicável dentro dos empreendedores. Por isso, faz muito tempo que o empresariado nacional arregaçou as mangas e tratou se cuidar de seus negócios sem depender das circunstâncias ou dos desígnios do governo. O cenário está difícil? Bola para frente. As autoridades criam mais dificuldades para quem empreende? Olho no futuro. Tem sido assim há muito tempo – e este ano de 2020 não foi diferente. Muito pelo contrário.
Por conta do coronavírus, tem sido o período mais complexo da história recente.
É por isso que a decisão do STF traz revolta e indignação (houve quatro votos contrários à decisão – isso precisa ser lembrado). Vê-se um esforço hercúleo dentro das empresas. Chefias e colaboradores unidos em torno de um propósito, todos enfrentando as agruras de ganhar menos e as dificuldades financeiras que surgem dessa situação. Um sacrifício que parece perder o sentido quando se vê o funcionalismo de municípios e estados passar incólume pelas dificuldades atuais.
Mais do que nunca, a iniciativa privada precisa unir esforços para quebrar esse moto-perpétuo. Retomar as discussões por um estado menor, que cobre menos impostos. Por uma agenda liberal que privilegie o empreendedorismo e promova uma legislação mais simples, sem direito a firulas de interpretação, e eficaz. Com tributação adequada, palatável e exequível. É preciso que o empreendedor retome o orgulho de sua atividade e possa dizer, em defesa de um país melhor e mais livre: “Eu sou um empresário – e quero um Brasil mais justo”.