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Depois das Forças Armadas, a quem os bolsonaristas vão apelar?

Como nada aconteceu, pode-se dizer que uma parte dos manifestantes se decepcionou com Bolsonaro e com os militares

(Youtube CNN/Reprodução)
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Da Redação

Publicado em 12 de janeiro de 2023 às 12h33.

Aluizio Falcão Filho

A operação desmanche dos acampamentos bolsonaristas em frente aos quarteis começou na semana passada e conseguiu reduzir bastante as aglomerações que já estavam incomodando os militares brasileiros. Essa redução expressiva de acampados foi obtida com intervenção de autoridades, mas o moral desses manifestantes já tinha diminuido bastante com a reprovação da opinião pública aos atos tresloucados de 8 de janeiro em Brasília.

Desde novembro, via-se nas redes sociais dos apoiadores de Jair Bolsonaro que o resultado das eleições seria contestado pelo eleitorado mais conservador. Um movimento contra as urnas eletrônicas, devidamente amparado pelo presidente do PL, Valdemar da Costa Neto, surgiu, mas logo perdeu fôlego. A aposta dos descontentes, então, foi na possibilidade de as Forças Armadas romperem com a democracia e impedirem a posse de Luiz Inácio Lula da Silva.

O que se seguiu foi uma infinidade de postagens que patrocinavam uma realidade paralela existente somente nos sonhos bolsonaristas. Neste mundo do faz de conta, o artigo 142 da Constituição daria plenos poderes às Forças Armadas para intervir como bem quisessem em nossa República; qualquer deslocamento de tanques e caminhões militares seria um indício incontestável de que haveria um golpe de Estado em curso, para manter Jair Bolsonaro no poder; dizia-se que o ex-presidente não poderia falar nada contra as eleições, mas que seria necessário que os acampamentos aguentassem mais 72 horas em frente às instalações militares para que uma tomada de poder fosse engendrada pelos fardados.

Esse apreço pelas teorias da conspiração e fake news mostra claramente que existe uma grande parcela da população com preguiça intelectual. Basta acessar, por exemplo, o artigo 142 através do Google e ler o texto: não há uma só palavra que possa justificar essa tese de que as Forças Armadas sejam o poder moderador da República. Vamos lembrar que a Constituição de 1988 foi redigida para substituir a Carta de 1967, escrita pelos militares. Como é que o texto de 1988, feito em oposição à ditadura, poderia dar todo esse poderio às Forças Armadas?

Os manifestantes, durante todo o tempo em que estiveram acampados, esperaram por alguma palavra de incentivo vinda do Planalto. Mas esse sinal nunca veio. Além disso, as pessoas concentradas em frente aos quarteis acharam que seus apelos iriam sensibilizar os oficiais, que colocariam tanques na rua para promover uma ruptura instituicional.

Como nada aconteceu, pode-se dizer que uma parte dos manifestantes se decepcionou com Bolsonaro e com os militares. Aqui e ali, pode-se ver nas redes sociais mensagens críticas às Forças Armadas por terem deixado o PT se aboletar no Palácio do Planalto. A coisa piorou após a retirada dos manifestantes da frente dos quarteis — especialmente no de Brasília. Como o Exército nada fez para impedir que a polícia retirasse os que protestavam na capital federal, os manifestantes que foram levados para o ginásio da Polícia Federal se sentiram traídos por aqueles que supostamente deveriam protegê-los das decisões do Supremo Tribunal Federal.

Uma pesquisa recente mostra que 56 % dos eleitores de Jair Bolsonaro em 30 de outubro de consideram, de fato, bolsonaristas. Isso significaria que 32 milhões entre 156 milhões de eleitores seriam, de fato, fiéis apoiadores do ex-presidente (algo em torno de 20 % do total). Na prática, isso quer dizer que 26 milhões de brasileiros votaram em Bolsonaro porque não queriam Lula (o mesmo fenômeno houve entre os que sufragaram a chapa do PT, para impedir que Bolsonaro continuasse no Planalto).

Dentro desses 32 milhões de bolsonaristas assumidos, há ainda aqueles que defendem uma intervenção militar. Não se sabe ao certo quantos seriam contrários à democracia, mas uma pesquisa do Datafolha de 2020 dá uma pista: neste estudo, 10 % declararam que uma “ditadura seria aceitável”. Seguindo esse raciocínio, portanto, 15,6 milhões de eleitores brasileiros podem ser fãs do regime arbitrário.

Embora seja uma minoria em relação ao eleitorado total, 15 milhões de pessoas é um contingente enorme de pessoas, suficiente para lotar a frente de quarteis no Brasil inteiro.

De qualquer forma, esses órfãos do autoritarismo, agora, estão em busca de alguém para liderá-los, uma vez que Bolsonaro, nos Estados Unidos, continua calado e as Forças Armadas optaram pela legalidade. A quem esses manifestantes vão apelar?

Por enquanto, a ninguém. Mas uma vaga importante no cenário político pode ter sido aberta – a de líder dos conservadores mais radicais, que preferem um regime autoritário. Quem será que vai se habilitar a conquistar essa liderança? Valdemar da Costa Neto parece ter entendido o recado. E tem gravado vídeos endereçados àqueles que estão inconformados com a vitória de Lula.

Sabe-se que o ex-presidente não estava gostando do desempenho de Valdemar junto às redes sociais. Mas, como Bolsonaro decidiu antecipar a sua volta ao Brasil, espera-se que ele volte a ser o timoneiro dos conservadores mais radicais. A única dúvida é: agora que o Palácio do Alvorada tem novo inquilino, onde será o novo cercadinho?

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Aluizio Falcão Filho

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Desde novembro, via-se nas redes sociais dos apoiadores de Jair Bolsonaro que o resultado das eleições seria contestado pelo eleitorado mais conservador. Um movimento contra as urnas eletrônicas, devidamente amparado pelo presidente do PL, Valdemar da Costa Neto, surgiu, mas logo perdeu fôlego. A aposta dos descontentes, então, foi na possibilidade de as Forças Armadas romperem com a democracia e impedirem a posse de Luiz Inácio Lula da Silva.

O que se seguiu foi uma infinidade de postagens que patrocinavam uma realidade paralela existente somente nos sonhos bolsonaristas. Neste mundo do faz de conta, o artigo 142 da Constituição daria plenos poderes às Forças Armadas para intervir como bem quisessem em nossa República; qualquer deslocamento de tanques e caminhões militares seria um indício incontestável de que haveria um golpe de Estado em curso, para manter Jair Bolsonaro no poder; dizia-se que o ex-presidente não poderia falar nada contra as eleições, mas que seria necessário que os acampamentos aguentassem mais 72 horas em frente às instalações militares para que uma tomada de poder fosse engendrada pelos fardados.

Esse apreço pelas teorias da conspiração e fake news mostra claramente que existe uma grande parcela da população com preguiça intelectual. Basta acessar, por exemplo, o artigo 142 através do Google e ler o texto: não há uma só palavra que possa justificar essa tese de que as Forças Armadas sejam o poder moderador da República. Vamos lembrar que a Constituição de 1988 foi redigida para substituir a Carta de 1967, escrita pelos militares. Como é que o texto de 1988, feito em oposição à ditadura, poderia dar todo esse poderio às Forças Armadas?

Os manifestantes, durante todo o tempo em que estiveram acampados, esperaram por alguma palavra de incentivo vinda do Planalto. Mas esse sinal nunca veio. Além disso, as pessoas concentradas em frente aos quarteis acharam que seus apelos iriam sensibilizar os oficiais, que colocariam tanques na rua para promover uma ruptura instituicional.

Como nada aconteceu, pode-se dizer que uma parte dos manifestantes se decepcionou com Bolsonaro e com os militares. Aqui e ali, pode-se ver nas redes sociais mensagens críticas às Forças Armadas por terem deixado o PT se aboletar no Palácio do Planalto. A coisa piorou após a retirada dos manifestantes da frente dos quarteis — especialmente no de Brasília. Como o Exército nada fez para impedir que a polícia retirasse os que protestavam na capital federal, os manifestantes que foram levados para o ginásio da Polícia Federal se sentiram traídos por aqueles que supostamente deveriam protegê-los das decisões do Supremo Tribunal Federal.

Uma pesquisa recente mostra que 56 % dos eleitores de Jair Bolsonaro em 30 de outubro de consideram, de fato, bolsonaristas. Isso significaria que 32 milhões entre 156 milhões de eleitores seriam, de fato, fiéis apoiadores do ex-presidente (algo em torno de 20 % do total). Na prática, isso quer dizer que 26 milhões de brasileiros votaram em Bolsonaro porque não queriam Lula (o mesmo fenômeno houve entre os que sufragaram a chapa do PT, para impedir que Bolsonaro continuasse no Planalto).

Dentro desses 32 milhões de bolsonaristas assumidos, há ainda aqueles que defendem uma intervenção militar. Não se sabe ao certo quantos seriam contrários à democracia, mas uma pesquisa do Datafolha de 2020 dá uma pista: neste estudo, 10 % declararam que uma “ditadura seria aceitável”. Seguindo esse raciocínio, portanto, 15,6 milhões de eleitores brasileiros podem ser fãs do regime arbitrário.

Embora seja uma minoria em relação ao eleitorado total, 15 milhões de pessoas é um contingente enorme de pessoas, suficiente para lotar a frente de quarteis no Brasil inteiro.

De qualquer forma, esses órfãos do autoritarismo, agora, estão em busca de alguém para liderá-los, uma vez que Bolsonaro, nos Estados Unidos, continua calado e as Forças Armadas optaram pela legalidade. A quem esses manifestantes vão apelar?

Por enquanto, a ninguém. Mas uma vaga importante no cenário político pode ter sido aberta – a de líder dos conservadores mais radicais, que preferem um regime autoritário. Quem será que vai se habilitar a conquistar essa liderança? Valdemar da Costa Neto parece ter entendido o recado. E tem gravado vídeos endereçados àqueles que estão inconformados com a vitória de Lula.

Sabe-se que o ex-presidente não estava gostando do desempenho de Valdemar junto às redes sociais. Mas, como Bolsonaro decidiu antecipar a sua volta ao Brasil, espera-se que ele volte a ser o timoneiro dos conservadores mais radicais. A única dúvida é: agora que o Palácio do Alvorada tem novo inquilino, onde será o novo cercadinho?

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