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Bruno Covas: um dos poucos políticos que pregava a tolerância

A morte de um jovem é sempre uma tragédia, especialmente quando atinge alguém que era tão querido no mundo da política

(Governo do Estado de São Paulo/Flickr)
DR

Da Redação

Publicado em 17 de maio de 2021 às 13h14.

Aluizio Falcão Filho

Que ninguém se engane: os desentendimentos que existem no ninho tucano não surgiram com a ascensão política do governador João Doria. Desde sua fundação, o PSDB é palco de traições, ciúmes e fogo amigo. Fernando Henrique Cardoso não se entendia com José Serra, que tinha desavenças com Mario Covas – e por aí vai. A razão dessas diferenças? A vaidade. Havia muitos caciques paulistas na sigla (ainda há) e isso gerava tensão toda a vez que um deles aparecia mais que os outros. Poucos circulavam em todas as panelas com desenvoltura. Geraldo Alckmin, antes de virar governador, era um deles. Mas bastou entrar para o Olimpo peessedebista para ganhar rivais internos.

Neste cenário, o falecido Bruno Covas despontava como uma peça essencial. Neto de governador que assinou a fundação da sigla, o prefeito ganhou projeção por acaso. Aceitou uma missão desprezada por outros – a candidatura a vice de um político estreante e que sofria de rejeição dentro do próprio partido. Ocorre que esse candidato, João Doria, ganhou a eleição e resolveu tentar um voo mais alto, largando a prefeitura da maior cidade brasileira com apenas um ano de quatro meses de mandato. De uma hora para outra, assim, aos 38 anos, Bruno Covas assumiu uma bucha daquelas, especialmente durante a pandemia.

Após a morte, homens públicos são geralmente beatificados. E Covas, sem dúvida, tinha muitas qualidades. Mas, diante da pandemia, como tantos outros colegas da cena política brasileira, tomou decisões erradas e criou regras bastante polêmicas para tentar aumentar o isolamento social. Apesar disso, é preciso reconhecer, não ficou parado. Tentou fazer alguma coisa, errando eventualmente. Mas, quando percebeu que havia se equivocado, voltou atrás sem hesitação – essa é uma virtude que, infelizmente, não temos sobrando entre governadores, prefeitos, deputados e senadores.

Muitos poderão dizer: ele foi reeleito apenas porque tinha a máquina da prefeitura na mão. Isso pode ser verdade, mas outros tentaram o mesmo e não conseguiram. Fernando Haddad é um exemplo. Marta Suplicy, que dizem ser a guru do novo prefeito, Ricardo Nunes, é outro. Estar sentado na cadeira de prefeito não necessariamente significa ser reeleito. Porém, neste quesito, o neto de Mario Covas fez aquilo que se esperava dele, mesmo sofrendo na pele os efeitos nefastos do combate ao câncer.

Nos últimos tempos, essa luta contra a doença terminal emocionou a todos e o transformou em um ícone de resistência e fé. Mas também o moldou em uma figura importante dentro do partido. Não só pela doença, mas também pelos 3,2 milhões de votos que recebeu. Neste particular, deve-se lembrar que seu opositor no segundo turno, Guilherme Boulos, ficou boa parte da campanha batendo em Nunes, então vice de Bruno. A ideia de Boulos era passar a mensagem subliminar de que o candidato iria sucumbir ao câncer e deixar a prefeitura para Ricardo Nunes (o que de fato ocorreu). O mau gosto dessa abordagem, no entanto, provocou uma onda de repúdio ao postulante do PSOL, que veio a público para se explicar – e não conseguiu produzir uma só justificativa convincente, além de agourar a saúde de seu oponente.

A morte de Bruno Covas também criou uma ressaca moral em quem o criticou por ter ido a um jogo de futebol com o filho adolescente. Aquele foi um momento especial que o prefeito quis proporcionar ao filho na reta final de sua vida. Deu um exemplo errado no momento? Sim. Mas fica a pergunta: quem, sofrendo de uma metástase tão avançada, teria feito algo diferente?

Caso vencesse o câncer, Bruno Covas poderia se firmar no PSDB não como um candidato a presidente, pois seu cacife político era regional, mas como um dirigente partidário com uma visão pragmática e um estilo discreto. Tive a oportunidade de entrevistá-lo na reta final de sua eleição. Mas, por uma grande coincidência, o vi duas ocasiões na semana anterior à que o sabatinei.

Uma em um restaurante no Morumbi. Ele entrou de máscara e passou rapidamente pelas mesas, sem chamar atenção. Outra no shopping Iguatemi, sentado em um café e conversando com uma amiga. As pessoas passavam por ele e viravam a cabeça, incrédulas por ter visto o prefeito em uma situação tão corriqueira. Nesse aspecto, não era um político daqueles que fazia tudo para chamar atenção. Essa discrição tinha mais a ver com Geraldo Alckmin do que com seu avô – mas não o impediu de buscar os votos necessários e derrotar os adversários.

Durante minha entrevista com ele, percebi firmeza e segurança em suas respostas, mesmo nas perguntas difíceis (uma delas foi porque ele havia reduzido a frota de ônibus durante a pandemia, o que seguramente provocou aglomerações desnecessárias no transporte público). Naquela altura ele já tinha deixado de ser um vice que assumira o cargo. Demonstrava personalidade e independência, embora respeitasse protocolarmente a autoridade do governador Doria. Mas tudo indicava que ele não iria ser uma vaquinha de presépio em seu mandato seguinte e, de fato, demonstrou opiniões divergentes com o governador em algumas ocasiões.

A morte de um jovem é sempre uma tragédia, especialmente quando atinge alguém que era tão querido no mundo da política. Neste nosso cenário marcado pelo ódio político, Bruno Covas pregou o entendimento e passou longe dos conflitos. Abaixo, três frases do prefeito que deveríamos colocar em um quadro e pregar na parede:

– O candidato Guilherme Boulos é meu adversário, não é meu inimigo. As pessoas precisam perceber que na democracia precisamos respeitar quem pensa diferente da gente.

– Meu avô dizia que é possível conciliar política e ética, política e honra. Agora, acrescento, é possível fazer política sem ódio, fazer política falando a verdade.

– Minha cartilha é a cartilha da tolerância, do respeito à lei, do respeito à ordem, do respeito à diversidade. Eu acredito que não se faz justiça social se você não tiver responsabilidade fiscal.

Em um panorama voltado cada vez mais para o confronto e o cancelamento, o fim da vida de um político que pregava o entendimento é algo dramático e nefasto. Perdemos uma das poucas vozes que pregava o respeito mútuo e a tolerância. Por isso e por outros motivos, Bruno Covas fará uma falta imensa.

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Aluizio Falcão Filho

Que ninguém se engane: os desentendimentos que existem no ninho tucano não surgiram com a ascensão política do governador João Doria. Desde sua fundação, o PSDB é palco de traições, ciúmes e fogo amigo. Fernando Henrique Cardoso não se entendia com José Serra, que tinha desavenças com Mario Covas – e por aí vai. A razão dessas diferenças? A vaidade. Havia muitos caciques paulistas na sigla (ainda há) e isso gerava tensão toda a vez que um deles aparecia mais que os outros. Poucos circulavam em todas as panelas com desenvoltura. Geraldo Alckmin, antes de virar governador, era um deles. Mas bastou entrar para o Olimpo peessedebista para ganhar rivais internos.

Neste cenário, o falecido Bruno Covas despontava como uma peça essencial. Neto de governador que assinou a fundação da sigla, o prefeito ganhou projeção por acaso. Aceitou uma missão desprezada por outros – a candidatura a vice de um político estreante e que sofria de rejeição dentro do próprio partido. Ocorre que esse candidato, João Doria, ganhou a eleição e resolveu tentar um voo mais alto, largando a prefeitura da maior cidade brasileira com apenas um ano de quatro meses de mandato. De uma hora para outra, assim, aos 38 anos, Bruno Covas assumiu uma bucha daquelas, especialmente durante a pandemia.

Após a morte, homens públicos são geralmente beatificados. E Covas, sem dúvida, tinha muitas qualidades. Mas, diante da pandemia, como tantos outros colegas da cena política brasileira, tomou decisões erradas e criou regras bastante polêmicas para tentar aumentar o isolamento social. Apesar disso, é preciso reconhecer, não ficou parado. Tentou fazer alguma coisa, errando eventualmente. Mas, quando percebeu que havia se equivocado, voltou atrás sem hesitação – essa é uma virtude que, infelizmente, não temos sobrando entre governadores, prefeitos, deputados e senadores.

Muitos poderão dizer: ele foi reeleito apenas porque tinha a máquina da prefeitura na mão. Isso pode ser verdade, mas outros tentaram o mesmo e não conseguiram. Fernando Haddad é um exemplo. Marta Suplicy, que dizem ser a guru do novo prefeito, Ricardo Nunes, é outro. Estar sentado na cadeira de prefeito não necessariamente significa ser reeleito. Porém, neste quesito, o neto de Mario Covas fez aquilo que se esperava dele, mesmo sofrendo na pele os efeitos nefastos do combate ao câncer.

Nos últimos tempos, essa luta contra a doença terminal emocionou a todos e o transformou em um ícone de resistência e fé. Mas também o moldou em uma figura importante dentro do partido. Não só pela doença, mas também pelos 3,2 milhões de votos que recebeu. Neste particular, deve-se lembrar que seu opositor no segundo turno, Guilherme Boulos, ficou boa parte da campanha batendo em Nunes, então vice de Bruno. A ideia de Boulos era passar a mensagem subliminar de que o candidato iria sucumbir ao câncer e deixar a prefeitura para Ricardo Nunes (o que de fato ocorreu). O mau gosto dessa abordagem, no entanto, provocou uma onda de repúdio ao postulante do PSOL, que veio a público para se explicar – e não conseguiu produzir uma só justificativa convincente, além de agourar a saúde de seu oponente.

A morte de Bruno Covas também criou uma ressaca moral em quem o criticou por ter ido a um jogo de futebol com o filho adolescente. Aquele foi um momento especial que o prefeito quis proporcionar ao filho na reta final de sua vida. Deu um exemplo errado no momento? Sim. Mas fica a pergunta: quem, sofrendo de uma metástase tão avançada, teria feito algo diferente?

Caso vencesse o câncer, Bruno Covas poderia se firmar no PSDB não como um candidato a presidente, pois seu cacife político era regional, mas como um dirigente partidário com uma visão pragmática e um estilo discreto. Tive a oportunidade de entrevistá-lo na reta final de sua eleição. Mas, por uma grande coincidência, o vi duas ocasiões na semana anterior à que o sabatinei.

Uma em um restaurante no Morumbi. Ele entrou de máscara e passou rapidamente pelas mesas, sem chamar atenção. Outra no shopping Iguatemi, sentado em um café e conversando com uma amiga. As pessoas passavam por ele e viravam a cabeça, incrédulas por ter visto o prefeito em uma situação tão corriqueira. Nesse aspecto, não era um político daqueles que fazia tudo para chamar atenção. Essa discrição tinha mais a ver com Geraldo Alckmin do que com seu avô – mas não o impediu de buscar os votos necessários e derrotar os adversários.

Durante minha entrevista com ele, percebi firmeza e segurança em suas respostas, mesmo nas perguntas difíceis (uma delas foi porque ele havia reduzido a frota de ônibus durante a pandemia, o que seguramente provocou aglomerações desnecessárias no transporte público). Naquela altura ele já tinha deixado de ser um vice que assumira o cargo. Demonstrava personalidade e independência, embora respeitasse protocolarmente a autoridade do governador Doria. Mas tudo indicava que ele não iria ser uma vaquinha de presépio em seu mandato seguinte e, de fato, demonstrou opiniões divergentes com o governador em algumas ocasiões.

A morte de um jovem é sempre uma tragédia, especialmente quando atinge alguém que era tão querido no mundo da política. Neste nosso cenário marcado pelo ódio político, Bruno Covas pregou o entendimento e passou longe dos conflitos. Abaixo, três frases do prefeito que deveríamos colocar em um quadro e pregar na parede:

– O candidato Guilherme Boulos é meu adversário, não é meu inimigo. As pessoas precisam perceber que na democracia precisamos respeitar quem pensa diferente da gente.

– Meu avô dizia que é possível conciliar política e ética, política e honra. Agora, acrescento, é possível fazer política sem ódio, fazer política falando a verdade.

– Minha cartilha é a cartilha da tolerância, do respeito à lei, do respeito à ordem, do respeito à diversidade. Eu acredito que não se faz justiça social se você não tiver responsabilidade fiscal.

Em um panorama voltado cada vez mais para o confronto e o cancelamento, o fim da vida de um político que pregava o entendimento é algo dramático e nefasto. Perdemos uma das poucas vozes que pregava o respeito mútuo e a tolerância. Por isso e por outros motivos, Bruno Covas fará uma falta imensa.

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