“Brasil quebrado”? Bolsonaro precisa mirar o exemplo de Figueiredo
Governistas podem dizer que a declaração sobre o Brasil estar quebrado foi tirada de contexto, mas um presidente não pode dizer tudo o que lhe vai pela cabeça e esperar que outros justifiquem suas falas
Publicado em 6 de janeiro de 2021 às, 10h25.
Desde que firmou um acordo com o Centrão, o presidente Jair Bolsonaro se manteve mais quieto do que de costume e passou ser mais comedido, com um escorregão aqui e outro ali. Ontem, ele voltou a pisar na casca de banana e se manifestou de forma desastrada sobre a atual situação do país: “O Brasil está quebrado e eu não consigo fazer nada”. Na sequência desta declaração ruinosa, aproveitou para creditar os problemas de seu governo ao coronavírus e às críticas da imprensa. Do ponto de vista técnico, porém, o país está longe da bancarrota, embora tenha elevado significativamente sua dívida pública e o déficit estatal.
Bolsonaro poderia se mirar no exemplo de João Figueiredo. O general, mesmo antes de assumir a presidência, surgiu com frases que fizeram levantar as sobrancelhas de muitos analistas, até então acostumados com o estilo carrancudo e calado do antecessor, Ernesto Geisel. Exposto ao contato popular em um evento, Getúlio Bittencourt, então jornalista da Folha de S. Paulo, perguntou a ele o que achava do “cheiro do povo”. A resposta: “Prefiro o cheiro do cavalo”.
Figueiredo quis dizer que não era político e sim um militar da Cavalaria, que se sentiria mais à vontade nos estábulos de seu quartel do que fazendo um discurso. Mas a frase infeliz foi proferida e causou polêmica, mesmo entre aqueles que perceberam o contexto ao qual o general se referia.
Figueiredo continuou com tiradas infelizes durante um certo tempo, até que entendeu melhor a liturgia do cargo e fez um esforço danado para se conter. Curiosamente, neste período, seu porta-voz, o jornalista Alexandre Garcia, deu uma entrevista à revista masculina Ele & Ela, deixando-se fotografar em uma cama, de peito nu, e dando declarações um tanto controversas. Acabou demitido sumariamente.
Bolsonaro precisa se mirar no exemplo de Figueiredo e medir melhor as palavras – ou perguntar ao mesmo Alexandre Garcia (alguém que desfruta de sua simpatia) o que o jornalista acha da verborragia inconsequente que acomete o presidente de tempos em tempos.
Os governistas podem dizer que a declaração sobre o Brasil estar quebrado foi tirada de contexto (uma manobra clássica nessas ocasiões), mas o fato é que um presidente não pode dizer tudo o que lhe vai pela cabeça e esperar que os outros fiquem justificando suas falas, como fez o ministro da Economia, Paulo Guedes. Imagine o que uma sentença dessas faz ao moral de um empresário que luta para manter sua companhia de pé e analisa as incertezas que se postam à frente neste início do ano. Ou ao espírito de quem está desempregado e buscando uma colocação. Ou a um investidor que tem dinheiro aplicado no país.
O efeito deste tipo de discurso é desastroso. Nada mais, nada menos. Uma verdadeira tragédia.
Ironicamente, mesmo dando sopa ao azar, Bolsonaro vê a oposição sem capacidade para fazer-lhe sombra. Um de seus maiores opositores, Rodrigo Maia, vai perder boa parte dos holofotes quando deixar a presidência da Câmara Federal em 1 de fevereiro. João Doria tenta antagonizar com o presidente brandindo a vacinação como bandeira, mas sua popularidade no estado não está exatamente uma Brastemp.
E o que dizer da esquerda? Continua sem saber direito o que fazer. Nessas horas, os políticos mais experientes acabam ressuscitando alguma estratégia do passado, mesmo que não tenha sido bem sucedida. No caso do Partido dos Trabalhadores, por exemplo, a ideia foi reviver os tempos de “Fora FHC”, com mira em Bolsonaro, evidentemente.
Ontem, por exemplo, o ex-deputado José Dirceu escreveu um artigo no site Poder 360, editado por Fernando Rodrigues, no qual disse o seguinte: “Não podemos esperar por 2022 para derrotar este desgoverno. Nossa tarefa principal, em 2021, é remover Bolsonaro do cargo de presidente, de forma legal e constitucional”. Isso, na prática, quer dizer que o PT vai ficar sacudindo a Constituição até que caia, aleatoriamente, um motivo para provocar um pedido de impeachment contra Bolsonaro. O mesmo PT que estrilou contra as pedaladas fiscais de Dilma Rousseff, que seriam um motivo “torpe” e “frágil” para basear o impedimento da então presidente.
O plano petista até pode criar um motivo legal para se iniciar um processo. Mas, como se sabe, qualquer encaminhamento de votação relacionada ao impedimento do mandatário precisa ser pautado pelo presidente da Câmara. Se Baleia Rossi ou qualquer outro candidato ligado a Rodrigo Maia for eleito, há alguma chance de um pedido desses ser encaminhado. Se o vencedor, entretanto, for Arthur Lira ou outro nome proeminente do Centrão, essa iniciativa do PT irá mofar na gaveta do presidente da Câmara até 1 de fevereiro de 2023.
Mas vamos imaginar, por um instante, que o PT consiga emplacar o pedido de impeachment e obtenha, no plenário, votos suficientes para mandar Bolsonaro de volta à Barra da Tijuca. Neste caso, o general Hamilton Mourão será chancelado presidente e será candidatíssimo à reeleição, com apoio pleno da direita, do centro e de parte da esquerda. Portanto, terá chances claras de vitória, além de um bônus: escolher entre assumir a herança de Bolsonaro ou rejeitá-la.
A chance de isso ocorrer? Zero. Com o Centrão na algibeira, dificilmente o presidente será apeado do poder, mesmo que recrie diariamente o Febeapá (Festival de Besteiras que Assola o País, uma coletânea de crônicas do saudoso Stanislaw Ponte Preta, pseudônimo do escritor Sergio Porto, popular nos anos 1960). A única chance de um impeachment ocorrer será se Bolsonaro deixar de cumprir as promessas que selaram o acordo político que une o Planalto e o bloco parlamentar. Essa hipótese dificilmente se concretizará.