Exame.com
Continua após a publicidade

As cinco lições deste primeiro turno

"As pesquisas, de maneira geral, acertaram na liderança de Lula, mas erraram fragorosamente a vantagem do petista sobre o presidente da República"

Vista aérea de pessoas esperando na fila para votar durante o dia das eleições gerais no CIEP Ayrton Senna ao lado da Favela da Rocinha em 2 de outubro de 2022 no Rio de Janeiro, Brasil.  (Wagner Meier/Getty Images)
Vista aérea de pessoas esperando na fila para votar durante o dia das eleições gerais no CIEP Ayrton Senna ao lado da Favela da Rocinha em 2 de outubro de 2022 no Rio de Janeiro, Brasil. (Wagner Meier/Getty Images)
M
Money Report – Aluizio Falcão Filho

Publicado em 3 de outubro de 2022 às, 10h18.

Sabemos agora a verdadeira diferença que separa Luiz Inácio Lula da Silva e Jair Bolsonaro. As pesquisas, de maneira geral, acertaram na liderança de Lula, mas erraram fragorosamente a vantagem do petista sobre o presidente da República. No final das contas, o ex-presidente teve 48,40 % e Bolsonaro, 43,22 %.

Esse primeiro turno foi aguardado com expectativa. No início do dia, nas hostes bolsonaristas, havia tensão. Enquanto isso, no quartel general petista, a euforia dominava. No final da noite de ontem, porém, houve uma inversão de papeis.Os resultados nos levam a algumas reflexões e conclusões:

+ PESQUISAS ERRADAS: este resultado coloca e xeque a metodologia das pesquisas que apontavam uma vantagem lulista de até 13 pontos percentuais. Nenhuma enquete acertou o resultado final: erraram as que davam uma liderança a Lula com 13 pontos e aquelas que davam Bolsonaro à frente. Percebe-se que a metodologia tem grande interferência na composição dos índices de intenção de votos. Institutos como Datafolha e Ipec divulgaram resultados com uma vantagem exagerada.

Uma das poucas enquetes que estiveram relativamente sintonizadas com a realidade foi a realizada pela Arko Advice e do Instituto Atlas. O estudo divulgado no dia 27 mostrava que Lula teria 48% dos votos e Bolsonaro 41 % (a diferença, de sete pontos, foi próxima à verdadeira, de cinco, e dentro da margem de erro).

O que a pesquisa da Arko tem de diferente das outras? Ela busca voluntários na internet, de forma randômica, mas utilizando um algoritmo que mantenha a proporção socioeconômica e geográfica dos entrevistados com a população brasileira. Esses voluntários mantêm o anonimato dos entrevistados. No texto da pesquisa, a Arko diz o seguinte: essa metodologia “evita o eventual impacto psicológico da interação humana sobre o respondente na hora da entrevista; o respondente pode responder o questionário em condições de plena anonimidade, sem temer causar uma impressão negativa para o entrevistador ou para pessoas que eventualmente podem estar ouvindo as respostas compartilhadas durante a entrevista”.

Talvez esse seja o melhor caminho a seguir, pois claramente havia um bolsonarismo que estava no armário e foi capturado plenamente pelas urnas – e ignorado pelos institutos que costumam colocar seus entrevistadores frente a frente com os eleitores.

+ TEORIAS DA CONSPIRAÇÃO: por um lado, o resultado das urnas mata as teorias da conspiração que diziam estar as pesquisas alinhadas com TSE para dar a vitória a Lula. Segundo os adeptos dessa tese, vários institutos estavam preparando a opinião pública para aceitar uma vitória de Lula no primeiro turno. Como se sabe, isso não ocorreu – e a vantagem entre os dois principais candidatos era bem menor do que diziam vários estudos.

Por outro lado, vários memes surgiram nas redes sociais questionando os resultados. Esses conspiradores acreditam que o crescimento de Lula na apuração foi linear demais, como se um algoritmo estivesse comandando a divulgação dos números – e questionaram especialmente os resultados de Minas Gerais e Rio Grande do Norte. Mas o crescimento paulatino de Lula veio simplesmente da apuração mais lenta dos votos do Nordeste, onde a vantagem do ex-presidente foi enorme.

+ O RESULTADO É BOM PARA BOLSONARO: a vantagem de Lula para o presidente é de apenas quatro pontos, com um número bastante razoável de ex-ministros que foram eleitos e vão mergulhar na campanha de Bolsonaro, o mesmo acontecendo com os governadores alinhados com o Planalto. A performance de ex-colaboradores do governo surpreendeu até o PT. Um exemplo foi o desempenho do ex-ministro Tarcísio de Freitas em São Paulo. Ele aparecia como segundo colocado nas pesquisas, mas virou o primeiro turno liderando a votação para o governo do estado.

Muitos viam o presidente apenas como um político de extrema-direita (e, em alguns tópicos, ele pode até ser). Mas Bolsonaro se transformou no porta-voz de um grupo mais amplo – o dos conservadores, que engloba a direita e uma parte do centro. O Brasil, bem ou mal, sempre se espelhou em seu Congresso, que sempre teve um sotaque conservador. E Bolsonaro conseguiu se sintonizar com esse eleitor, quando privilegiou o discurso de defesa da família e dos valores tradicionalistas.

No fundo, o Brasil sempre teve uma grande massa de eleitores conservadores. Mas esse fenômeno ficava um tanto disfarçado pela antiga rivalidade PT versus PSDB.

+ O PSDB VIROU UM ZUMBI POLÍTICO: a derrota de Rodrigo Garcia representa o final de uma tradição de trinta anos em São Paulo. Durante esse período, um tucano sempre esteve aboletado no Palácio dos Bandeirantes (exceto quando havia períodos de desincompatibilização). O partido foi se dissolvendo com a falta de novas lideranças e acabou obliterado por uma briga interna (João Doria e Geraldo Alckmin) que levou a sigla à bancarrota.

Além disso, o partido avaliou mal o sentimento antipetista que ainda é forte no estado de São Paulo. Quando medalhões peessedebistas começaram a aderir à candidatura de Lula, o eleitor paulista não entendeu como os tucanos poderiam ser aliados de Lula no plano nacional e adversários de Fernando Haddad na esfera estadual. Deu no que deu: Rodrigo Garcia foi enterrado vivo pela opção dos determinados dirigentes tucanos.

Se Eduardo Leite perder a eleição gaúcha (passou ao segundo turno por um triz), os tucanos devem virar um partido nanico cuja única saída deverá ser se fundir com outra agremiação. Com um número pequeno de parlamentares e sem a joia da coroa (o estado de São Paulo), dificilmente o PSDB terá futuro em uma política que deve estar polarizada durante alguns anos pela frente.

+ ELEIÇÃO ABERTA: a vantagem exígua de Lula e o número ainda alto de votos brancos e nulos, além de abstenções levam à conclusão de que o pleito presidencial ainda não está decidido. Bolsonaro chega ao segundo turno energizado e com vários cabos eleitorais importantes na figura de seus ex-ministros. Por outro lado, Lula aposta em obter a maioria dos votos dedicados a Simone Tebet, além de um naco significativo dos eleitores de Ciro Gomes.

Em seu primeiro pronunciamento depois da eleição, Bolsonaro utilizou um tom bastante comedido com os repórteres, inclusive admitindo que há um grupo de brasileiros “que deseja mudanças”. Enumerou realizações de seu governo – algo que fez raramente durante a reta final da campanha – e ressaltou pontos de sua agenda conservadora. Esse será o novo candidato à reeleição? Ainda não sabemos.

Sabemos, porém, que o volume de eleitores conservadores, incluindo uma parcela de pessoas encasteladas no centro político, é bem maior que o esperado – ou que sugeriram as pesquisas eleitorais. Se quiser ganhar, Bolsonaro terá de falar com quem não foi às urnas, cravou nulo na urna ou votou em branco. O mesmo vale para Lula, que vai herdar teoricamente mais votos dos demais candidatos que o atual presidente.

O que pode acontecer daqui para frente? Acabou o salto alto? Talvez. Mas as redes continuarão seu Fla-Flu interminável. Vamos dar início a uma nova eleição, bastante curta. O jogo volta à estaca zero e muitas estratégias devem ser mudadas. E os debates, de agora em diante, terão duelos diretos, ao contrário do que houve até agora.

Preparem-se: a temperatura vai subir e ninguém é favorito para 30 de outubro.