Exame.com
Continua após a publicidade

Apagão: com a iniciativa privada, a expectativa é sempre alta

Apagão trouxe de volta à tona a discussão se a iniciativa privada é mesmo a melhor solução para oferecer serviços de utilidade pública

Apagão trouxe de volta à tona a discussão se a iniciativa privada é mesmo a melhor solução para oferecer serviços de utilidade pública (Paulo Pinto/Agência Brasil)
Apagão trouxe de volta à tona a discussão se a iniciativa privada é mesmo a melhor solução para oferecer serviços de utilidade pública (Paulo Pinto/Agência Brasil)

O apagão provocado por uma tempestade de vinte minutos na sexta-feira à noite trouxe a Enel de volta à ribalta – e, de quebra, a discussão se a iniciativa privada é mesmo a melhor solução para oferecer serviços de utilidade pública, como o fornecimento de energia elétrica. A interrupção dos serviços ainda não foi reestabelecida em muitos bairros de São Paulo e acabou sendo um dos temas do debate realizado entre o prefeito Ricardo Nunes e seu oponente, o deputado federal Guilherme Boulos.

O capital privado, de maneira geral, consegue gerir qualquer empreendimento melhor que o Estado. Um exemplo? Quando comparamos o serviço de telefonia oferecido no Brasil anos atrás, vemos que o governo foi tão incompetente nessa atividade que linhas telefônicas viraram bens financeiros, já que apenas uma minoria tinha acesso a elas. Pessoas ganhavam a vida intermediando a compra e venda destes ativos telefônicos; quem não podia comprar uma linha, já que os preços eram altos, podia alugá-la; por fim, alguém que possuísse um número da Telesp, aqui em São Paulo, teria de declará-lo no Imposto de Renda. Quando o sistema telefônico foi privatizado, a rede se expandiu rapidamente, baixando os preços e melhorando a qualidade dos serviços prestados.

Por que não se percebe a mesma coisa com a Enel?

Evidentemente, a empresa subestimou o tamanho de sua equipe de contingência, diminuindo o estafe que é acionado quando uma tragédia como a de sexta-feira ocorre. O pior é que, no início de janeiro, houve um fenômeno semelhante na capital paulista e milhares ficaram sem energia. Tivemos tempo suficiente para que a Enel refletisse sobre o tamanho de sua equipe de emergências – mas, aparentemente, não houve medidas adequadas para resolver gargalos nessas situações.

O cerne do problema está no emaranhado de fios que temos nas cidades, ao mesmo tempo que há grandes subestações de energia ao redor da Grande São Paulo sem contingenciamento. Esse sistema já estava aí quando a Enel assumiu o serviço em São Paulo. Portanto, isso não é culpa dela. Mas a empresa deveria ter mostrado aos usuários um plano de emergência e de melhorias. Nada, porém, foi comunicado aos clientes.

Aos críticos da privatização, pergunta-se: e se o serviço em São Paulo fosse oferecido por uma estatal, nos moldes da antiga Eletropaulo? A velocidade de resposta seria muito maior? Lembremos que muitos governantes sempre esperam o melhor da natureza e acabam criando gargalos por conta disso.

O hoje vice-presidente Geraldo Alckmin, por exemplo, apostou contra a seca quando era governador do Estado e criou um verdadeiro pânico entre os paulistanos, pois os reservatórios de água chegaram a apresentar níveis alarmantes. As providências de Alckmin – interligações de represas – ficaram prontas depois que a crise passou. Foi o mesmo que colocar um cadeado na porta após ter a casa assaltada: resolveu-se o problema no futuro, mas o estrago no passado já tinha sido feito.

Em termos de serviço de utilidade pública, bom fornecedor é aquele que não percebemos sua existência. No dia a dia, isso até acontece aqui em São Paulo com a Enel. Mas basta chover e as luzes piscarem para que os paulistanos fiquem preocupados, algo que não deveria correr. A Enel já tem noção do que a mudança climática pode fazer em uma cidade como a capital paulista. Portanto, tem a obrigação de melhorar a sua reação às emergências.

Quando uma empresa privada assume um serviço público, a expectativa sobre a qualidade do serviço prestado cresce. É por isso que a atuação da companhia, sob este aspecto, é frustrante.

Nos anos 1970, os apagões eram constantes na cidade. E, em quase todos os domingos, havia falta de energia elétrica. Havia, no entanto, um monopólio estatal: a energia era responsabilidade do governo federal e das autoridades estaduais. Nessa época, ainda sob o regime militar, não havia com quem reclamar: os cidadãos tinham de se conformar e pronto.

Vivemos um novo momento histórico, no qual os consumidores têm voz ativa e não se conformam com a demora na solução dos problemas. A Enel terá dois meses para se explicar à agência reguladora sobre mais essa crise de abastecimento. Desta vez, os agentes reguladores serão bem mais rígidos do que foram em janeiro. Afinal, ninguém aceita ficar três ou quatro dias sem energia elétrica. Nem os consumidores, nem as autoridades.