Afinal, o que é uma boa entrevista?
Antes de mais nada, uma interlocução funciona muito como um balé a dois. Como no espetáculo de dança, um dos participantes vai ditar o ritmo da conversa
felipegiacomelli
Publicado em 7 de julho de 2020 às 11h22.
Última atualização em 7 de julho de 2020 às 20h15.
O domingo à noite virou um espaço nobre de entrevistas . Anteontem, por exemplo, foram sabatinados personagens como Rodrigo Maia, Sérgio Moro e Paulo Guedes – todos nomes que merecem a atenção de empresários, executivos e formadores de opinião. Essa profusão de talk-shows teve um efeito interessante os grupos de WhatsApp que frequento, levando a discussões sobre os conteúdos compartilhados entre convidados e jornalistas. Consequentemente, houve um pequeno debate sobre se um amigo havia gostado ou não de certa entrevista.
Esse foi o gancho para uma discussão interessante: o que é exatamente uma boa entrevista?
Há uma reposta óbvia para essa questão: trata-se daquela em que gostamos das perguntas e das respostas. Principalmente das respostas, diga-se. Quando concordamos com o que ouvimos, sentimos uma conexão com o entrevistado e imediatamente apreciamos o conteúdo. Mas isso é suficiente para elogiarmos uma interação entre jornalistas e convidados? Talvez não.
Antes de mais nada, uma interlocução funciona muito como um balé a dois. Como no espetáculo de dança, um dos participantes vai ditar o ritmo da conversa. Às vezes, é o jornalista; em outras ocasiões, contudo, quem manda na narrativa é o entrevistado.
Como em todos os processos nos quais a interferência humana ocorre de maneira preponderante, cada entrevista é única e depende da química entre os participantes. Mas, de maneira geral, trata-se de um duelo intelectual entre duas pessoas. Neste embate, pode haver ou não vencedores e derrotados. Mas os jornalistas estão neste processo não para ganhar uma medalha e sim para fazer o convidado se abrir, apresentar ideias e, principalmente, explicar suas opiniões.
O conceito de boa entrevista, assim, varia de pessoa para pessoa. Mas muitos jornalistas vão concordar comigo: a melhor entrevista é aquela em que se desnuda o convidado, que acaba discorrendo sobre tudo sem amarras. Neste caso, é possível até gostar de uma entrevista na qual o entrevistado emitiu opiniões contrárias às suas.
A dinâmica entre entrevistador e entrevistado é curiosa. Há interlocutores que reagem mal a provocações. Outros, atuam muito melhor se forem provocados. Há pessoas que só funcionam bem sob questionamento firme. Outras reagem muito mal a este procedimento. Do lado dos jornalistas, existem aqueles que se fazem de ingênuos e conseguem extrair pérolas de seus convidados. Mas também há quem acredite ser a pressão constante um instrumento revelador da verdade.
Entrevistadores precisam de certa presença de espírito para perceber quem precisa ser pressionado ou quem precisa de uma abordagem mais suave. E necessitam de sensibilidade especial para entender a lógica de seus entrevistados e criar um embate intelectual fluido. Caso contrário, o resultado é apenas um esgrimir inútil de perguntas e respostas.
Durante a campanha eleitoral, isso pôde ser percebido em várias entrevistas do então candidato Jair Bolsonaro em diversos programas de televisão . Muitos questionamentos visavam colocar Bolsonaro em uma saia justa. Mas, para surpresa de quem perguntava, as questões acabavam servindo como perfeitos pretextos para lacradas diretas, executadas de forma implacável.
Quaisquer que sejam suas convicções pessoais, jornalistas precisam se guiar por uma característica crucial: a curiosidade. Toda a vez que este botão é desligado, as entrevistas podem perder grande parte de sua qualidade.
E o que dizer de situações nas quais o entrevistado preferia estar diante de um pelotão de fuzilamento? Um exemplo clássico disso é a última entrevista do comediante Jerry Lewis, gravada pouco antes de sua morte.
Em primeiro lugar, forçou-se a barra para se encaixar a conversa no meio de uma turnê feita por um senhor de 90 anos de idade, que estava de péssimo humor desde o momento em que as câmeras fora ligadas. Depois, a falta de empatia imperou desde o início do colóquio, quando o jornalista perguntou a Lewis se ele já tinha pensado em se aposentar. A reposta do comediante, após um olhar de raiva, foi: “Por quê?”. O início foi ruim, o desenrolar sofrível e o final trágico. Se você tiver interesse em conhecer uma das piores entrevistas de todos os tempos, clique aqui.
Nos domingos à noite, a tarimba dos personagens envolvidos impede que se caia num momento vergonha alheia como o descrito acima. Mas os colegas que conduzem essas entrevistas de alto perfil precisam tomar certos cuidados antes de pisar nos estúdios.
Entrevistadores experientes, os americanos Dan Rather e Barbara Walters, dão muito crédito ao sucesso de suas conversas à preparação dos assuntos que serão abordados. Walters, de 90 anos, tinha até um método próprio para isso. Após uma minuciosa pesquisa, ela escrevia cinquenta perguntas de forma aleatória e ia colocando-as numa ordem que pode criar uma narrativa. Uma vez chegada à ordem desejada, ela enumerava as questões e as decorava. Mas, em inúmeras ocasiões, ela simplesmente pegou um gancho e se esqueceu do trabalho preparatório.
É o que Rather, de 88 anos, chama da qualidade de ser um bom ouvinte e perceber as portas que se abrem durante uma conversa. Isso geralmente ocorre quando se percebe o nível de engajamento do entrevistado. Há aqueles que se sentam numa poltrona e estão prontos para responder qualquer pergunta. Outros, no entanto, precisam de um tempo para entrar em sintonia com o entrevistador. Em algumas ocasiões, entretanto, os entrevistados não entram nesta sintonia. É o momento da terapia de choque – trazer algum assunto polêmico à baila para sacudir o entrevistado.
Não é exatamente uma tarefa simples. Mas requer uma habilidade comum: saber ouvir. O problema é que, ultimamente, há colegas que estão mais preocupados com o impacto de suas perguntas do que com as respostas de seus entrevistados.
Num passado distante, havia um programa de entrevistas na TV chamado “Henry Maksoud e Você”. O apresentador, fundador do hotel Maksoud Plaza, era a estrela do show e seus convidados serviam de escada para um desfile de opiniões e convicções. Num episódio, porém, o entrevistado foi o então governador do Rio de Janeiro, Leonel Brizola, que sempre gostou de matraquear. Maksoud tentou interromper inúmeras vezes o discurso de Brizola, que nem respirava direto para emendar uma frase na outra. Até que o apresentador implorou: “Governador, deixa eu falar um pouquinho, pelo amor de Deus”.
Muitas vezes, vejo o espírito de Henry Maksoud pairando sobre certos entrevistadores. Mas vamos torcer para que eles entendam que os entrevistados é que são as estrelas – não o contrário.
O domingo à noite virou um espaço nobre de entrevistas . Anteontem, por exemplo, foram sabatinados personagens como Rodrigo Maia, Sérgio Moro e Paulo Guedes – todos nomes que merecem a atenção de empresários, executivos e formadores de opinião. Essa profusão de talk-shows teve um efeito interessante os grupos de WhatsApp que frequento, levando a discussões sobre os conteúdos compartilhados entre convidados e jornalistas. Consequentemente, houve um pequeno debate sobre se um amigo havia gostado ou não de certa entrevista.
Esse foi o gancho para uma discussão interessante: o que é exatamente uma boa entrevista?
Há uma reposta óbvia para essa questão: trata-se daquela em que gostamos das perguntas e das respostas. Principalmente das respostas, diga-se. Quando concordamos com o que ouvimos, sentimos uma conexão com o entrevistado e imediatamente apreciamos o conteúdo. Mas isso é suficiente para elogiarmos uma interação entre jornalistas e convidados? Talvez não.
Antes de mais nada, uma interlocução funciona muito como um balé a dois. Como no espetáculo de dança, um dos participantes vai ditar o ritmo da conversa. Às vezes, é o jornalista; em outras ocasiões, contudo, quem manda na narrativa é o entrevistado.
Como em todos os processos nos quais a interferência humana ocorre de maneira preponderante, cada entrevista é única e depende da química entre os participantes. Mas, de maneira geral, trata-se de um duelo intelectual entre duas pessoas. Neste embate, pode haver ou não vencedores e derrotados. Mas os jornalistas estão neste processo não para ganhar uma medalha e sim para fazer o convidado se abrir, apresentar ideias e, principalmente, explicar suas opiniões.
O conceito de boa entrevista, assim, varia de pessoa para pessoa. Mas muitos jornalistas vão concordar comigo: a melhor entrevista é aquela em que se desnuda o convidado, que acaba discorrendo sobre tudo sem amarras. Neste caso, é possível até gostar de uma entrevista na qual o entrevistado emitiu opiniões contrárias às suas.
A dinâmica entre entrevistador e entrevistado é curiosa. Há interlocutores que reagem mal a provocações. Outros, atuam muito melhor se forem provocados. Há pessoas que só funcionam bem sob questionamento firme. Outras reagem muito mal a este procedimento. Do lado dos jornalistas, existem aqueles que se fazem de ingênuos e conseguem extrair pérolas de seus convidados. Mas também há quem acredite ser a pressão constante um instrumento revelador da verdade.
Entrevistadores precisam de certa presença de espírito para perceber quem precisa ser pressionado ou quem precisa de uma abordagem mais suave. E necessitam de sensibilidade especial para entender a lógica de seus entrevistados e criar um embate intelectual fluido. Caso contrário, o resultado é apenas um esgrimir inútil de perguntas e respostas.
Durante a campanha eleitoral, isso pôde ser percebido em várias entrevistas do então candidato Jair Bolsonaro em diversos programas de televisão . Muitos questionamentos visavam colocar Bolsonaro em uma saia justa. Mas, para surpresa de quem perguntava, as questões acabavam servindo como perfeitos pretextos para lacradas diretas, executadas de forma implacável.
Quaisquer que sejam suas convicções pessoais, jornalistas precisam se guiar por uma característica crucial: a curiosidade. Toda a vez que este botão é desligado, as entrevistas podem perder grande parte de sua qualidade.
E o que dizer de situações nas quais o entrevistado preferia estar diante de um pelotão de fuzilamento? Um exemplo clássico disso é a última entrevista do comediante Jerry Lewis, gravada pouco antes de sua morte.
Em primeiro lugar, forçou-se a barra para se encaixar a conversa no meio de uma turnê feita por um senhor de 90 anos de idade, que estava de péssimo humor desde o momento em que as câmeras fora ligadas. Depois, a falta de empatia imperou desde o início do colóquio, quando o jornalista perguntou a Lewis se ele já tinha pensado em se aposentar. A reposta do comediante, após um olhar de raiva, foi: “Por quê?”. O início foi ruim, o desenrolar sofrível e o final trágico. Se você tiver interesse em conhecer uma das piores entrevistas de todos os tempos, clique aqui.
Nos domingos à noite, a tarimba dos personagens envolvidos impede que se caia num momento vergonha alheia como o descrito acima. Mas os colegas que conduzem essas entrevistas de alto perfil precisam tomar certos cuidados antes de pisar nos estúdios.
Entrevistadores experientes, os americanos Dan Rather e Barbara Walters, dão muito crédito ao sucesso de suas conversas à preparação dos assuntos que serão abordados. Walters, de 90 anos, tinha até um método próprio para isso. Após uma minuciosa pesquisa, ela escrevia cinquenta perguntas de forma aleatória e ia colocando-as numa ordem que pode criar uma narrativa. Uma vez chegada à ordem desejada, ela enumerava as questões e as decorava. Mas, em inúmeras ocasiões, ela simplesmente pegou um gancho e se esqueceu do trabalho preparatório.
É o que Rather, de 88 anos, chama da qualidade de ser um bom ouvinte e perceber as portas que se abrem durante uma conversa. Isso geralmente ocorre quando se percebe o nível de engajamento do entrevistado. Há aqueles que se sentam numa poltrona e estão prontos para responder qualquer pergunta. Outros, no entanto, precisam de um tempo para entrar em sintonia com o entrevistador. Em algumas ocasiões, entretanto, os entrevistados não entram nesta sintonia. É o momento da terapia de choque – trazer algum assunto polêmico à baila para sacudir o entrevistado.
Não é exatamente uma tarefa simples. Mas requer uma habilidade comum: saber ouvir. O problema é que, ultimamente, há colegas que estão mais preocupados com o impacto de suas perguntas do que com as respostas de seus entrevistados.
Num passado distante, havia um programa de entrevistas na TV chamado “Henry Maksoud e Você”. O apresentador, fundador do hotel Maksoud Plaza, era a estrela do show e seus convidados serviam de escada para um desfile de opiniões e convicções. Num episódio, porém, o entrevistado foi o então governador do Rio de Janeiro, Leonel Brizola, que sempre gostou de matraquear. Maksoud tentou interromper inúmeras vezes o discurso de Brizola, que nem respirava direto para emendar uma frase na outra. Até que o apresentador implorou: “Governador, deixa eu falar um pouquinho, pelo amor de Deus”.
Muitas vezes, vejo o espírito de Henry Maksoud pairando sobre certos entrevistadores. Mas vamos torcer para que eles entendam que os entrevistados é que são as estrelas – não o contrário.