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A violência saiu de vez das redes sociais e ganhou o mundo real

"Desde 2018, passamos muito tempo nos atacando pelas redes sociais. E, em 2022, esses ataques passaram para o mundo real"

O grupo de Trabalho terá a duração de 90 dias, contados a partir da publicação do ato de designação dos representantes (Hamza Butt/Flickr)
O grupo de Trabalho terá a duração de 90 dias, contados a partir da publicação do ato de designação dos representantes (Hamza Butt/Flickr)
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Money Report – Aluizio Falcão Filho

Publicado em 14 de setembro de 2022 às, 09h17.

Em 1936, o historiador e sociólogo Sergio Buarque de Holanda publicou o livro “Raízes do Brasil”. No capítulo cinco, ele desenvolve uma tese que ficou famosa e foi alvo de inúmeras discussões – a de que o brasileiro seria um “homem cordial”. Abaixo, um trecho escrito pelo pai do compositor Chico Buarque de Holanda:

“A polidez é, de algum modo, organização da defesa ante a sociedade. Detém-se na parte exterior, epidérmica, do indivíduo, podendo mesmo servir, quando necessário, de peça de resistência. Equivale a um disfarce que permitirá a cada qual preservar inatas suas sensibilidades e suas emoções”.

Muitos sociólogos acreditam que Holanda usou o sentido da palavra “cordial” baseado em suas raízes latinas: “cordis”, neste caso, quer dizer “coração”. Portanto, o brasileiro seria alguém que dominado pelas emoções e guiado pelas paixões. Qualquer que tenha sido o significado empregado pelo historiador, sabe-se que o brasileiro está longe de ser cortês, especialmente em seu comportamento no terreno da política.

Desde 2018, passamos muito tempo nos atacando pelas redes sociais. E, em 2022, esses ataques passaram para o mundo real. Em junho, houve uma morte, provocada por um sujeito que invadiu um churrasco e matou o aniversariante. Neste final de semana, houve mais um assassinato de cunho político. Além disso, uma senhora carente foi humilhada em gravação de vídeo, em mais um ato motivado pela campanha eleitoral (o autor da lacrada, arrependido, pediu desculpas depois).

A explosão emocional de alta octanagem, no entanto, não está restrita somente ao ambiente político. No domingo, um rapaz foi morto em Brasília por um vizinho. O motivo? Uma queixa sobre barulho. E, na segunda-feira, um homem matou a tiros a mulher e o filho em frente à escola da criança.

Esses comportamentos mostram pessoas totalmente levadas pela emoção em situações nas quais é preciso um mínimo de autocontrole. Sem a capacidade de refrear o coração, a violência irá imperar – muitas vezes criando situações nas quais não haverá retorno. Especialmente se a pessoa com dificuldades em se controlar estiver portando uma arma, seja branca ou de fogo.

Falta pouco para o final das eleições. Mas é o caso de se pensar: será que toda essa agressividade irá parar quando soubermos o vencedor do pleito? Muito provavelmente, não — uma vez que os lados da polarização na qual vivemos são demograficamente representativos.

Já que temos muita gente defendendo apaixonadamente ideais opostos, deveremos ter mais enroscos e brigas pela frente.

Vale a pena passar por tanto desgaste emocional, que às vezes leva alguém de natureza pacata às vias de fato? Não, não vale. É preciso nos mantermos dentro da civilidade, prudência e compostura. Não podemos ser dominados pelo “cordis”. Precisamos nos tornar uma nação mais racional e sensata, que encara diferenças com naturalidade. Precisamos urgentemente descartar a polarização, tão maléfica para a sociedade quanto a unanimidade. Necessitamos de debates racionais e produtivos.

Isso não será possível em 2022. Mas não podemos ficar mais quatro anos nessa lenga-lenga hostil. Ninguém aguenta mais — nem mesmo aqueles que passam boa parte de seu tempo trocando insultos nas redes com os adversários.