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A pandemia mudou mesmo as pessoas?

Como é possível lidar com opostos que são estatisticamente significativos? Isso é um desafio para a popularidade das autoridades

(ThinkStock/Andreas_Krone/Thinkstock)
BG

Bibiana Guaraldi

Publicado em 10 de dezembro de 2020 às 08h39.

Última atualização em 10 de dezembro de 2020 às 09h07.

Ontem, participei de um painel de discussões da Singularity University, promovido pela Novartis, que foi precedido por uma palestra de Peter Diamandis, fundador dessa plataforma colaborativa que mistura educação, treinamento e um foco incessante no futuro. Nesse debate, tivemos as contribuições de Cláudio Lottenberg, presidente do Conselho do Hospital Albert Einstein, Denizar Vianna, professor da UFRJ, o economista Ricardo Amorim e Pascal Finette, titular da cadeira de empreendedorismo e inovação da Singularity nos Estados Unidos.

Em um determinado momento do webinar, discutimos se o ego de empresários, executivos ou mesmo profissionais da área de saúde foram domesticados pelo período de pandemia. Finette afirmou que o surto de Covid-19 tornou todas as pessoas mais humildes, por conta das dificuldades enfrentadas e pela impossibilidade de se entender todo o cenário em que vivíamos no início do processo. Sua opinião não obteve exatamente um consenso entre os debatedores. Ricardo Amorim, com a sinceridade que lhe é peculiar, disse que isso até poderia ocorrer por um determinado tempo, mas que depois aqueles com egos inflados voltariam ao tamanho exagerado de sempre.

Nesta mesma quarta-feira, à tarde, almocei com um grupo de amigos e tive a oportunidade de, ao final do encontro, perguntar a dois deles (CEOs de grandes empresas) se achavam que seus funcionários tinham mudado com a pandemia. Ambos responderam que houve uma mudança generalizada – mas que a transformação de um não necessariamente era igual à do outro.

Os dois levantaram a questão do Home Office para ilustrar o raciocínio. Nas duas empresas, 50 % dos funcionários querem manter o regime de trabalho remoto de maneira definitiva. O restante quer voltar ao escritório. Ou seja, metade dos colaboradores querem seu cotidiano profissional de volta, enquanto outros preferem ficar onde estão.

A divisão que corta a sociedade no meio pode ser percebida de outras formas.

Veja o que ocorre nos bares e restaurantes: os estabelecimentos estão cheios de pessoas que não aguentam mais ficar em suas residências. Em compensação, há um grande contingente de indivíduos preocupados com o repique do contágio e a lotação de hospitais com pacientes contaminados pelo coronavírus. Percebe-se aqui que há uma nítida divisão no campo do comportamento. Pessoas que ainda têm receio formam um grupo antagônico em relação às destemidas.

Aqui, vale uma ressalva: entre aqueles que se cansaram do isolamento não temos apenas negacionistas. Há também pessoas que temem os efeitos da doença, mas resolveram não mais se preocupar com suas consequências. Foram dobrados pela ansiedade e pela necessidade atávica que cada ser humano tem de se socializar.

Como é possível lidar com opostos que são estatisticamente significativos? Isso é um desafio para a popularidade das autoridades. Afinal, no meio da pandemia, decisões precisam ser tomadas. E são raras aquelas medidas que podem agradar dois grupos que pensam de forma tão diferente entre si. Os governos (federal, estadual e municipal) têm de escolher o seu lado e ir em frente, sabendo que vão criar detratores.

O momento atual é de transição e isso provoca na população certas reações psicológicas. Mas essa mudança de comportamento não parece ser homogênea. Às vezes, quando os cientistas sociais e psicólogos têm dificuldade de analisar o presente, há uma alternativa para buscar enxergar determinados fenômenos sob um ponto de vista diferente: a arte. Neste caso, há uma canção da banda canadense Rush, “Tom Sawyer”, em que dois versos refletem bem o momento atual.

O primeiro é: “What you say about his company/Is what you say about Society/ Catch the mist, catch the myth/ Catch the mystery, catch the drift” (“O que você diz sobre sua companhia/É o que você diz sobre a sociedade/ Perceba a névoa, perceba o mito/ Perceba o mistério, perceba o movimento”). O segundo: “No, his mind is not for rent/ To any god or government/ Always hopeful, yet discontent/ He knows changes aren’t permanent” (“Não, sua mente não está para alugar/ Para nenhum deus ou governo/Sempre esperançoso, embora descontente/ Ele sabe que as mudanças não são permanentes”).

Trata-se de uma música com quase quarenta anos, pois foi lançada em 1981. Mas traduz o espírito de nosso tempo – sociedade dividida por uma pandemia que acentuou diferenças de sentir, entender e aproveitar o mundo. Percebemos mudanças entre nós, mas ainda não sabemos se essa transformação será permanente. Mas seguimos em frente, pois insistimos em ter esperança, apesar do descontentamento generalizado.

P.S.: para quem ficou curioso a respeito da música do Rush, aqui vai o link.

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Ontem, participei de um painel de discussões da Singularity University, promovido pela Novartis, que foi precedido por uma palestra de Peter Diamandis, fundador dessa plataforma colaborativa que mistura educação, treinamento e um foco incessante no futuro. Nesse debate, tivemos as contribuições de Cláudio Lottenberg, presidente do Conselho do Hospital Albert Einstein, Denizar Vianna, professor da UFRJ, o economista Ricardo Amorim e Pascal Finette, titular da cadeira de empreendedorismo e inovação da Singularity nos Estados Unidos.

Em um determinado momento do webinar, discutimos se o ego de empresários, executivos ou mesmo profissionais da área de saúde foram domesticados pelo período de pandemia. Finette afirmou que o surto de Covid-19 tornou todas as pessoas mais humildes, por conta das dificuldades enfrentadas e pela impossibilidade de se entender todo o cenário em que vivíamos no início do processo. Sua opinião não obteve exatamente um consenso entre os debatedores. Ricardo Amorim, com a sinceridade que lhe é peculiar, disse que isso até poderia ocorrer por um determinado tempo, mas que depois aqueles com egos inflados voltariam ao tamanho exagerado de sempre.

Nesta mesma quarta-feira, à tarde, almocei com um grupo de amigos e tive a oportunidade de, ao final do encontro, perguntar a dois deles (CEOs de grandes empresas) se achavam que seus funcionários tinham mudado com a pandemia. Ambos responderam que houve uma mudança generalizada – mas que a transformação de um não necessariamente era igual à do outro.

Os dois levantaram a questão do Home Office para ilustrar o raciocínio. Nas duas empresas, 50 % dos funcionários querem manter o regime de trabalho remoto de maneira definitiva. O restante quer voltar ao escritório. Ou seja, metade dos colaboradores querem seu cotidiano profissional de volta, enquanto outros preferem ficar onde estão.

A divisão que corta a sociedade no meio pode ser percebida de outras formas.

Veja o que ocorre nos bares e restaurantes: os estabelecimentos estão cheios de pessoas que não aguentam mais ficar em suas residências. Em compensação, há um grande contingente de indivíduos preocupados com o repique do contágio e a lotação de hospitais com pacientes contaminados pelo coronavírus. Percebe-se aqui que há uma nítida divisão no campo do comportamento. Pessoas que ainda têm receio formam um grupo antagônico em relação às destemidas.

Aqui, vale uma ressalva: entre aqueles que se cansaram do isolamento não temos apenas negacionistas. Há também pessoas que temem os efeitos da doença, mas resolveram não mais se preocupar com suas consequências. Foram dobrados pela ansiedade e pela necessidade atávica que cada ser humano tem de se socializar.

Como é possível lidar com opostos que são estatisticamente significativos? Isso é um desafio para a popularidade das autoridades. Afinal, no meio da pandemia, decisões precisam ser tomadas. E são raras aquelas medidas que podem agradar dois grupos que pensam de forma tão diferente entre si. Os governos (federal, estadual e municipal) têm de escolher o seu lado e ir em frente, sabendo que vão criar detratores.

O momento atual é de transição e isso provoca na população certas reações psicológicas. Mas essa mudança de comportamento não parece ser homogênea. Às vezes, quando os cientistas sociais e psicólogos têm dificuldade de analisar o presente, há uma alternativa para buscar enxergar determinados fenômenos sob um ponto de vista diferente: a arte. Neste caso, há uma canção da banda canadense Rush, “Tom Sawyer”, em que dois versos refletem bem o momento atual.

O primeiro é: “What you say about his company/Is what you say about Society/ Catch the mist, catch the myth/ Catch the mystery, catch the drift” (“O que você diz sobre sua companhia/É o que você diz sobre a sociedade/ Perceba a névoa, perceba o mito/ Perceba o mistério, perceba o movimento”). O segundo: “No, his mind is not for rent/ To any god or government/ Always hopeful, yet discontent/ He knows changes aren’t permanent” (“Não, sua mente não está para alugar/ Para nenhum deus ou governo/Sempre esperançoso, embora descontente/ Ele sabe que as mudanças não são permanentes”).

Trata-se de uma música com quase quarenta anos, pois foi lançada em 1981. Mas traduz o espírito de nosso tempo – sociedade dividida por uma pandemia que acentuou diferenças de sentir, entender e aproveitar o mundo. Percebemos mudanças entre nós, mas ainda não sabemos se essa transformação será permanente. Mas seguimos em frente, pois insistimos em ter esperança, apesar do descontentamento generalizado.

P.S.: para quem ficou curioso a respeito da música do Rush, aqui vai o link.

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