A esquerda racha em São Paulo

A votação do Plano Diretor mostrou que a esquerda está dividida na cidade de São Paulo – e isso pode interferir no cenário da próxima eleição municipal, em 2024. Na Câmara dos Vereadores, o Partido dos Trabalhadores faz teoricamente parte da oposição e conta com uma bancada de oito parlamentares. Mas cinco deles votaram a favor do projeto defendido pelo prefeito Ricardo Nunes.

Por trás deste movimento está justamente o pleito do ano que vem. Em 2022, o então candidato Luiz Inácio Lula da Silva fez um acordo com o hoje deputado Guilherme Boulos do PSOL, para que ele desistisse da candidatura ao governo do estado e apoiasse Fernando Haddad (hoje ministro da Fazenda). Em troca, o PT não lançaria nenhum nome à prefeitura da capital paulista e apoiaria Boulos.

Esse acordo nunca foi bem digerido pelos dirigentes do partido em São Paulo. Esses mesmos caciques acreditam que as chances de um candidato petista cresceriam com Lula na presidência, repetindo a saga de Haddad em 2012, quando Dilma Rousseff ocupava o Palácio do Planalto.

Já faz algum tempo, assim, que farpas são trocadas entre petistas e representantes do PSOL. Os protagonistas dessa briga são o próprio Boulos e o candidato petista em 2020, Jilmar Tatto. O representante do PT é irmão dos vereadores Jair e Arselino (que votaram favoravelmente ao novo Plano Diretor), do deputado estadual Ênio e do deputado federal Nilto. Ou seja, ele tem representatividade dentro da agremiação e pode ser o epicentro de uma revolta contra o acordo firmado no ano passado.

Mesmo que a rebeldia da família Tatto e de outros chefões petistas seja controlada, o racha é inevitável. Na hipótese de uma candidatura de Guilherme Boulos unindo as esquerdas, haverá certamente corpo mole por parte de um grupo de filiados ao PT. No caso da família Tatto, a zona sul de São Paulo é considerada um reduto eleitoral importante. Um trabalho malfeito nessa região torna a eleição de qualquer candidato mais difícil.

O PT, neste momento, começa a sofrer os efeitos da longevidade e da disputa pelo poder por parte de seus dirigentes. O partido existe desde 1980. E, nestes 43 anos de trajetória, houve tempo suficiente para a criação de feudos e de inimizades decorrentes de desavenças. Com Lula em Brasília, essa falta de sintonia pode aumentar ainda mais nos próximos meses.

A sigla de Lula também parece seguir o mesmo caminho tomado pelo PSDB, que dominou durante muito tempo a política paulista e foi perdendo o viço também por conta de disputas internas. Nada pode ser mais nefasto a um partido do que a vaidade de seus dirigentes e a divisão de seus militantes.

Caso não exista acordo entre Boulos e os petistas revoltosos, Lula terá de gastar muita saliva para amarrar os interesses de PT e PSOL. O presidente da República sabe que a divisão da esquerda na campanha do ano que vem significará uma derrota contundente. Mas, até agora, é o cenário que parece mais provável.

Se isso acontecer, a vitória de Ricardo Nunes – um prefeito que ainda não é lembrado pela população, apesar de já contar com dois anos de mandato – parece ter sido facilitada. O que pode mudar esse quadro? Uma virada positiva na economia e o envolvimento forte de Haddad e Lula na campanha. Mas qual candidato da esquerda poderia se aproveitar deste eventual cenário?

Essa resposta só virá no primeiro trimestre de 2024.