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Bilhões de reais pelo ralo

A reforma tributária bem feita não apenas aumentaria nosso PIB e o bem-estar dos brasileiros como poria fim à enorme sonegação criminosa que arruína o país

 (Priscila Zambotto/Getty Images)
(Priscila Zambotto/Getty Images)
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Luis Henrique Guimarães

Publicado em 7 de dezembro de 2020 às, 19h28.

Última atualização em 7 de dezembro de 2020 às, 19h29.

Se existe uma área em que estamos no fundo do poço no Brasil e continuamos cavando é a fiscal. Aqui já tínhamos problemas históricos que acabaram agravados por um tripé macabro trazido pela pandemia: desaceleração econômica, queda na arrecadação e aumento nos gastos.

Nunca antes foi tão urgente uma reforma tributária no país. Podemos até usar um nome mais adequado: uma pacificação tributária, porque nosso ambiente é de guerra, e com uma particularidade: não há vencedores honestos. Todo mundo é vítima, todo mundo sai perdendo nas relações tortuosas que fomos capazes de estabelecer entre os contribuintes e o Fisco.

Nossos problemas já foram exaustivamente esquadrinhados. O primeiro deles é a quantidade de regras. Nos 30 anos seguintes à Constituição de 1988, foram criadas 390.726 normas sobre impostos. Ou seja, cometemos a proeza de conceber 35 modificações por dia, incluindo sábados, domingos e feriados. No Brasil, os intermináveis labirintos burocráticos do romance O Processo, de Franz Kafka, virariam algo descomplicado como o Poupa Tempo paulista diante do emaranhado da nossa legislação tributária.

Essa complexidade toda induz a um aumento brutal nas disputas judiciais.

Ao fim desses 30 anos, em 2018, os litígios tributários entre contribuintes e a União, os Estados e os municípios chegaram a R$ 5 trilhões, segundo levantamento de pesquisadores do Insper. E a solução vai demorar. A conclusão de um processo de contencioso tributário no Brasil leva em média 18 anos e 11 meses.

O Banco Mundial estima que uma empresa brasileira de médio porte gaste 1.501 horas por ano para cumprir suas obrigações com a Receita. Isso faz com que a área tributária de boa parte dessas companhias seja maior que a de marketing.

Vitrine do Brasil no mundo, nosso agronegócio seria ainda mais competitivo se não houvesse em toda a cadeia produtiva tantos resíduos tributários e créditos não pagos, que no fim das contas encarecem o produto que chega aos portos para exportação.

Conforme o tipo de cultivo e da região de produção, há enormes distorções e assimetrias de tratamento que só por milagre não desencorajam o empreendedor brasileiro a continuar investindo no país. O Fisco não devolve os créditos devidos e isso vira custo para produtores e transportadores.

Uma das propostas em discussão para a reforma tributária, a PEC 45, da Câmara dos Deputados, prevê devolução automática de créditos já pagos na cadeia produtiva. E, mais do que isso, propõe a unificação de cinco tributos (IPI, PIS, COFINS, ICMS e ISS) em um imposto sobre valor adicionado, o IBS (Imposto sobre Bens e Serviços). A unificação também está prevista na PEC 110, do Senado.

São necessárias ainda discussões mais profundas para determinar qual é a melhor combinação dessas duas propostas, mas já temos algo inédito em torno delas: pela primeira vez, técnicos das Fazendas estaduais e municipais estão debruçados para debater os problemas e encontrar as soluções. São pessoas que entendem do assunto.

Estudo técnico encomendado pelo Centro de Cidadania Fiscal e concluído no mês passado detalhou com enorme quantidade de detalhes os benefícios que a PEC 45 traria para o PIB em geral e para diversos setores da economia em particular. O aumento na produção do setor de agropecuária poderia chegar a 18,19%. Na indústria, seria ainda maior, de 25,69%. E o setor de serviços poderia crescer até 18,02%. O custo dos insumos, por sua vez, poderia cair até 15,59% na agropecuária, 11,19% na indústria e 12,6% nos serviços. Haveria ainda um considerável incremento no bem-estar das famílias brasileiras, especialmente nas de renda mais baixa.

A complexidade, a morosidade e a dificuldade de fiscalização são responsáveis por um outro problema endêmico no país, a sonegação. Existe hoje uma legião de empresas que foram criadas para não pagar impostos. Seu modelo de negócio é a inadimplência fraudulenta.

Isso se torna especialmente atraente para criminosos em setores cujas margens são muito menores que a carga tributária, o que acontece, por exemplo, com bebidas, cigarros e combustíveis. As malfeitoras não são necessariamente empresas que operam nos porões. Muitos delas são conhecidos da imprensa e das autoridades, posam de boazinhas, investem milhões de reais em publicidade e debocham da sociedade com dívidas de bilhões em impostos não recolhidos.

De janeiro ao começo de agosto deste ano, a sonegação custou ao país R$ 387 bilhões, segundo o Sindicato Nacional dos Procuradores da Fazenda Nacional (Sinprofaz). No ano passado, foram mais de R$ 600 bilhões. Há projetos de lei parados no Congresso que poderiam pôr fim a essa farra. Um deles tipifica a figura do devedor contumaz de impostos. Ao contrário do devedor eventual que, devido a uma dificuldade momentânea, não consegue pagar o que deve, o contumaz nem pensa em quitar suas dívidas – e nunca é punido por isso. Deveria estar preso.

Nossa equação é muito ruim, mas é reversível. O cenário que temos hoje é resultado da soma da insegurança em questões tributárias com perdas enormes de arrecadação. E a consequência mais óbvia é a fuga de investimentos. Com quase 30 anos de trabalho no setor de energia, eu já perdi a conta de quantas empresas vi sendo fechadas ou abandonando o país devido à concorrência desleal ou à imprevisibilidade jurídica. Precisamos de uma reforma que dê um basta nisso. E tenho certeza de que o Executivo e o Legislativo não se omitirão em relação ao problema. O Brasil tem jeito.

* Luis Henrique Guimarães é presidente da Cosan