Ao fim de mais uma COP, saímos com avanços, porém com dívidas
Conferência no Egito finalmente destravou a compensação aos países mais pobres por perdas e danos das Mudanças Climáticas, mas não vamos atingir as metas
Publicado em 7 de dezembro de 2022 às, 12h33.
Por Luis Henrique Guimarães *
Sempre que termina uma COP (a conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas), um mesmo sentimento contamina muita gente que participou do evento e também quem, como eu, acompanhou tudo de longe: “Foi uma edição histórica, porém deixou a desejar”. Por que será que isso acontece?
Bem, não se pode negar que as conferências têm sido históricas. A cada edição, mesmo que a duras penas e já fora do prazo regulamentar, são aprovadas medidas importantes para o futuro do planeta e da humanidade.
Foi assim um ano atrás, na COP26, na Escócia, quando finalmente saiu o acordo para a estruturação do mercado global de carbono, uma medida crucial que aguardava um desfecho desde o Acordo de Paris, em 2015. E foi assim há duas semanas, na COP27, no Egito, quando as 198 delegações aprovaram a criação de um fundo de perdas e danos para compensar os países mais pobres pelas tragédias climáticas causadas pelos mais ricos.
Essa discussão é antiga – vem desde a COP de Copenhagen, em 2009, e estava difícil demais de vingar devido à resistência das grandes potências. A aprovação só saiu na madrugada do domingo (20/11), dois dias após o fim oficial do evento no Egito. E mais: o fundo foi aprovado, mas ainda falta acertar quem vai depositar dinheiro, quanto, quando, para quem e com qual finalidade. Ou seja, falta quase tudo. Precisamos aguardar as próximas COPs para definir essas questões.
Eis o motivo principal do sempre presente sentimento de “deixou a desejar”. Bem, dito tudo isso, vamos falar também de coisas positivas, que trazem um certo alento para o mundo e, especialmente, para o Brasil.
É muito interessante o estudo elaborado pela consultoria internacional Systemiq, em parceria com organizações multilaterais, setor privado, cientistas e comunidades originárias, segundo o qual o Brasil tem chances de se tornar o primeiro país neutro em carbono e, desse modo, liderar mundialmente a economia baseada em sustentabilidade.
Conforme noticiou o “Valor Econômico”, os cálculos dão conta de podemos mitigar 1,3 Gton de carbono até 2030 e contribuir com cerca de 1,9 Gton em excedente para o resto do mundo até 2050. Entre as ações necessárias para isso estão valorizar a floresta em pé, promover a agricultura sustentável e descarbonizar o setor de energia.
Neste último item, vale mencionar a participação da Raízen na COP27, motivada para mostrar a tomadores de decisão e ao público em geral como a cana-de-açúcar é capaz de acelerar a descarbonização, não apenas com o etanol de 1ª e de 2ª geração, mas também com a biomassa, o biogás, o biometano e, muito em breve, o hidrogênio verde. A cana é a melhor bateria solar que existe. Ela possui quase 99% dos seus resíduos aproveitados, ou seja, dela praticamente nada se perde. A economia circular é total.
Ainda na COP27, a Organização Mundial do Comércio (OMC) apresentou relatório no qual diz que o avanço das tecnologias de baixo carbono é o melhor caminho para ter cortes significativos nas emissões. A instituição defendeu corte nas barreiras comerciais para que aumentem as exportações globais de produtos relacionados à energia sustentável. Não há como discordar disso!
E o BNDES anunciou na conferência que vai dobrar o montante de recursos destinados para crédito ESG – o novo valor será de R$ 2 bilhões. As linhas de crédito com juros menores podem ser solicitadas por empresas que se comprometem a conquistar avanços socioambientais. Essas medidas são de grande importância, pois resolvem de uma só vez duas questões primordiais: a dificuldade do empreendedor brasileiro em obter crédito e a necessidade de voltar suas atividades para questões que digam respeito ao meio ambiente e às pessoas.
Um modelo de cooperação inovador foi anunciado pela Vale, Suzano, Itaú, Santander, Rabobank e Marfrig para criação de uma nova empresa, a Biomas, voltada à restauração e conservação de florestas brasileiras na Amazônia, na Mata Atlântica e no Cerrado. Cada sócio investiu R$ 20 milhões com o objetivo de atingir num prazo de 20 anos uma área restaurada e protegida de 4 milhões de hectares.
Na produção de alimentos, 14 grandes empresas globais apresentaram um “roadmap” mostrando como trabalharão para reduzir as emissões a partir da mudança do uso da terra em suas operações. Vale lembrar que a questão logística é igualmente fundamental, e, no Brasil, a Rumo tem dado enorme contribuição ao transportar boa parte do nosso agronegócio pelo modal ferroviário, que é muito mais eficiente e sustentável.
A CNI (Conferência Nacional da Indústria) levou propostas em sobretudo três temas: operacionalização do mercado global de carbono, mobilização de recursos para assegurar o financiamento climático e avanço da agenda de adaptação à mudança do clima. Faz todo sentido. Já escrevi neste espaço do quão importante é o Brasil estar preparado para poder assumir o lugar de protagonismo e liderança que lhe cabe neste mercado de carbono.
Por falar em liderança e protagonismo, vale mencionar a atuação do governador do Pará, Helder Barbalho, em liderar a agenda amazônica. Durante a COP, o governador entregou carta de compromisso assinada pelos nove governadores que compõem o Consórcio Interestadual de Desenvolvimento Sustentável da Amazônia Legal, com todas as propostas de desenvolvimento sustentável para a região. O objetivo é unir os estados brasileiros, o governo federal e o de outros países, além de empresas nacionais e internacionais em prol da floresta e da causa climática. Diz um trecho da carta: “Um Brasil desenvolvido passa, necessariamente, por uma Amazônia viva, pulsante e conservada, capaz de expressar suas potencialidades ao mundo. Ainda é possível, mas a Amazônia que queremos, precisa acontecer agora”.
Enfim, há muitos outros relatórios e boas ideias que circularam durante os intensos dias da COP27. Tivemos o lançamento da Opep das Florestas, da Agenda de Adaptação, do plano da ONU para mapeamento de riscos de desastres, entre muitas outras iniciativas.
Tudo isso é muito bem-vindo e extremamente necessário, mas, no fim das contas, é sempre bom lembrar que ainda estamos devendo. O secretário geral da ONU, António Guterres, foi muito enfático ao dizer que estamos numa estrada para o inferno climático. Se não traçarmos metas mais ousadas, extrapolaremos o aquecimento máximo de 1,5 grau centígrado que a ciência diz ser tolerável e com o qual compactuamos em Paris. Então, caro leitor, é urgente que comecemos agora mesmo a olhar para nossos compromissos e tratemos de colocar mais ambição neles. E o Brasil pode liderar essa agenda. É só querer.
* Luis Henrique Guimarães é presidente da Cosan