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Sobre favoráveis e detratores

A lista, contudo, tem um valor especial pra mim, pois figuro nela. E mais: figuro duas vezes. Uma vez na coluna dos “detratores” e outra na dos “favoráveis”

É muito provável que, como consequência de suas avaliações sobre a sociedade, um grupo político apareça como melhor e outro como pior (Cristiano Mariz/Arquivo Abril)
É muito provável que, como consequência de suas avaliações sobre a sociedade, um grupo político apareça como melhor e outro como pior (Cristiano Mariz/Arquivo Abril)
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Joel Pinheiro da Fonseca

Publicado em 5 de dezembro de 2020 às, 08h00.

A divulgação da lista do Ministério da Economia - elaborada pela agência BR+ Comunicação - catalogando jornalistas e formadores de opinião como “favoráveis”, “neutros informativos” e “detratores”, causou celeuma. A princípio, levantou temores de perseguição política: seria a tal lista de detratores um possível instrumento de intimidação, algo similar à lista de “antifascistas” em posse de um deputado de extrema direita, inclusive com endereço e telefone dos listados?

Não era nada disso. A lista da agência de comunicação faz parte da estratégia de comunicação do Ministério, necessária para uma pasta que deseje emplacar suas propostas junto à opinião pública, corrigir informações equivocadas que prejudicam o debate etc. As recomendações são todas elas no campo da comunicação: com os “favoráveis” e “informativos”, propor parcerias de vídeos, mandar sugestões de pauta. Com os “detratores”, mandar material ou mesmo responder indiretamente algum vídeo ou texto que passe uma visão contrária à do Ministério da Economia. O tipo de ação que muitas empresas e governos fazem para promover seu produto, sejam filmes, cereal matinal ou uma reforma econômica.

Se há algo a se criticar na lista é que ela parece um tanto mal-feita, e foi feita com dinheiro público. Ainda assim, cabe lembrar que ela é apenas um serviço adicional da BR+ junto ao governo, parte de um pacote maior de serviços que foi contratado pelo Ministério da Ciência e Tecnologia. Não dá para atribuir a essa lista o valor de R$ 2,7 milhões referente ao contrato como um todo.

A lista, contudo, tem um valor especial pra mim, pois figuro nela. E mais: figuro duas vezes. Uma vez na coluna dos “detratores” e outra na dos “favoráveis”. Teria eu levado a figura do isentão a um novo patamar? Em vez não estar em lado nenhum, estar dos dois lados ao mesmo tempo?

Brincadeiras à parte, não acho a classificação dupla de todo equivocada. De fato, em diversas ocasiões tenho criticado o Ministério da Economia. Em outras, apontado o que considero acertos. Assim, cabe uma reflexão sobre a indagação que não raro me é feita: não é importante tomar partido, escolher um lado? Um formador de opinião, pensador público, que não toma lado político, não estaria faltando a uma responsabilidade social, inclusive esperada pelo público?

Vamos começar do começo. O pensamento serve para que conheçamos a realidade ou, de forma mais ampla, a verdade. Claro, eu jamais teria a ilusão de que qualquer pessoa conhece a Verdade, um conhecimento tal que não admite de dúvidas ou críticas ou revisões; mas o esperado é que, usando nossas faculdades racionais, consigamos nos aproximar um pouco da realidade objetiva e afastar pelo menos alguns erros mais grosseiros, vieses psicológicos enganosos, etc. O pensamento também conta com uma esfera valorativa: defendemos certos valores, e buscamos averiguar se a realidade e as pessoas se adequam melhor ou pior a eles.

Assim, na medida em que um formador de opinião consegue ajudar o leitor a pensar com mais clareza sobre a realidade - destrinchando assuntos complexos, apresentando argumentos, dando um ponto de vista novo, articulando fatos e dados -, seja no plano dos fatos, dos conceitos ou dos valores, ele está cumprindo seu papel. É muito provável que, como consequência de suas avaliações sobre a sociedade, um grupo político apareça como melhor e outro como pior.

Mas isso é uma consequência, e em geral matizada por prós e contras em ambos os lados. O relevante da contribuição do pensador público - enquanto pensador - não é o lado que ele no fim das contas defenda, mas os motivos que guiam seu pensamento. Por isso, não raro é bom omitir a defesa explícita de um lado político, pois ela vai, de partida, viciar a leitura.

Para alguém que busca a objetividade, o único compromisso é com a busca da verdade e com os valores que o guiam, seja de que lado eles estiverem. No momento da ação - por exemplo, do voto - essa atitude terá que se traduzir numa decisão de apoiar um lado ou outro. Mas, novamente, não é esse apoio final que guia o pensamento. Entendo que, do ponto de vista dos grupos políticos, é importante ter pessoas tentando persuadir o público de sua superioridade.

Do ponto de vista do conhecimento, da busca da verdade, no entanto, tomar um lado político e buscar argumentos para defendê-lo é uma perversão. Ela se presta à mobilização política - persuadir pessoas a votar de um jeito ou de outro, a cooperar ou resistir a um projeto -, mas não à compreensão da realidade. É a conduta de um militante ou missionário.

Muitas vezes, não é deliberado: a oposição (mais do que justificada) ao governo faz a pessoa adotar o pensamento contrário por reflexo. Não raro, o militante que se traveste de formador de opinião obtém inclusive mais sucesso comercial - muita gente quer um guia para lhe tanger e confirmar suas preferências - mas sua conduta é uma traição ao pensamento. Não há coragem nela, como não há coragem em se vender. Detratores ou favoráveis? Nenhum dos dois; um povo livre deve buscar a verdade.