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O liberalismo morreu de covid?

As regras de distanciamento social, os gastos com saúde pública, as transferências de renda e linha de crédito, a agenda da retomada; tudo passa pelo Estado

Paulo Guedes: ministro se viu no epicentro econômico da covid-19 (Andre Coelho/Bloomberg)
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felipegiacomelli

Publicado em 18 de julho de 2020 às 09h55.

A morte do liberalismo - filosofia política que enxerga na liberdade individual um valor a ser promovido e uma poderosa engrenagem do progresso social - já foi decretada, lamentada ou celebrada inúmeras vezes. Nos anos 30 do século passado, era uma certeza que ou fascismo ou comunismo levariam a parada - certamente não aquela velharia de ordem política liberal do século 19. Na início da Guerra Fria, era também certo que a planificação econômica traria resultados mais eficientes e que o mundo capitalista estava fadado a aceitar a superioridade do socialismo.

Hoje, mais uma vez, o liberalismo é tido por morto. Afinal, a pandemia da covid-19 mostra a importância do Estado.

Sem dúvida, precisamos de muito Estado para sair da pandemia. As regras de distanciamento social, os gastos com saúde pública, as transferências de renda e linha de crédito para indivíduos e empresas, a agenda de investimentos na retomada; todos passam pelo Estado. Não que isso vá contra ao que qualquer liberal dos tempos atuais defende; mas também não são o tipo de política que diferencia um liberal de outras correntes.

O que os críticos não têm dado a devida atenção é que, no plano econômico, as pautas especificamente liberais se tornarão mais - e não menos - fortes depois que a pandemia passar. O equilíbrio fiscal será ainda mais urgente, porque nossa dívida/PIB deve saltar para próximo de 100% nos próximos anos. Do lado do Estado, a reforma administrativa e o que sobrar das PECs emergencial e do pacto federativo ganham importância redobrada. Do lado da economia, com a necessidade de investimentos para voltarmos a crescer, a agenda de privatizações, concessões, PPPs e investimento privado em geral é imprescindível; bem como a agenda de abertura econômica (que é, diga-se de passagem, um dos poucos motivos que podem levar o governo a restringir sua sanha destrutiva na questão ambiental). Por fim, a retomada do mercado interno passa também por melhorar nosso ambiente de negócios, consertando portanto nosso caos tributário e regulatório.

É certo que o Brasil precisa também de muitas outras reformas e mudanças econômicas que não são especificamente “liberais”. Foco na educação básica, uma agenda de investimentos que só o Estado pode fazer, novos desenhos da política social (quem sabe caminhar para uma renda básica). Todos esses só poderão ser implementados, contudo, se houver condições para tanto; e dependem, portanto, do sucesso de algumas das reformas acima.

Até aqui falamos apenas de economia. Mas é na política que o liberalismo retoma, neste momento, uma importância que há muito não tinha, e não apenas no Brasil. Desde o fim da Guerra Fria, parecia que a democracia liberal - governantes eleitos, separação de poderes, direitos individuais, instituições independentes, sociedade civil autônoma - era a organização social vitoriosa e destinada a conquistar o mundo pela força do exemplo. Todas as conquistas que levaram séculos para serem construídas pareceram, ali por umas duas décadas, condições naturais e eternas da vida humana. Hoje, está bem claro que não são.

Nossa ordem liberal corre o risco de ser erodida gradualmente por populismos à esquerda e à direita. Venezuela e Hungria indicam o caminho. As redes sociais “libertaram” as pessoas do controle dos grupos de imprensa profissional, e com isso prenderam-nas nas câmaras de eco da opinião polarizada e nas turbas incontroláveis do linchamento virtual. Enquanto isso, Rússia e China colocam as manguinhas de fora no jogo geopolítico mundial, e pode apostar que nenhuma delas é particularmente amistosa à ordem liberal e democrática que tanto valorizamos.

No front econômico, a agenda liberal consiste basicamente numa lição de casa bem feita, há muito negligenciada pelo Brasil, que já tem precedentes no resto do mundo. Já no político, as respostas terão de ser criadas. A liberdade individual e a divisão do poder precisam ser sempre reformuladas e reconstruídas, sob pena de facilmente desaparecer sob novas repaginações da boa e velha tirania. Assim, o liberalismo não morreu; está mais vivo do que nunca.

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A morte do liberalismo - filosofia política que enxerga na liberdade individual um valor a ser promovido e uma poderosa engrenagem do progresso social - já foi decretada, lamentada ou celebrada inúmeras vezes. Nos anos 30 do século passado, era uma certeza que ou fascismo ou comunismo levariam a parada - certamente não aquela velharia de ordem política liberal do século 19. Na início da Guerra Fria, era também certo que a planificação econômica traria resultados mais eficientes e que o mundo capitalista estava fadado a aceitar a superioridade do socialismo.

Hoje, mais uma vez, o liberalismo é tido por morto. Afinal, a pandemia da covid-19 mostra a importância do Estado.

Sem dúvida, precisamos de muito Estado para sair da pandemia. As regras de distanciamento social, os gastos com saúde pública, as transferências de renda e linha de crédito para indivíduos e empresas, a agenda de investimentos na retomada; todos passam pelo Estado. Não que isso vá contra ao que qualquer liberal dos tempos atuais defende; mas também não são o tipo de política que diferencia um liberal de outras correntes.

O que os críticos não têm dado a devida atenção é que, no plano econômico, as pautas especificamente liberais se tornarão mais - e não menos - fortes depois que a pandemia passar. O equilíbrio fiscal será ainda mais urgente, porque nossa dívida/PIB deve saltar para próximo de 100% nos próximos anos. Do lado do Estado, a reforma administrativa e o que sobrar das PECs emergencial e do pacto federativo ganham importância redobrada. Do lado da economia, com a necessidade de investimentos para voltarmos a crescer, a agenda de privatizações, concessões, PPPs e investimento privado em geral é imprescindível; bem como a agenda de abertura econômica (que é, diga-se de passagem, um dos poucos motivos que podem levar o governo a restringir sua sanha destrutiva na questão ambiental). Por fim, a retomada do mercado interno passa também por melhorar nosso ambiente de negócios, consertando portanto nosso caos tributário e regulatório.

É certo que o Brasil precisa também de muitas outras reformas e mudanças econômicas que não são especificamente “liberais”. Foco na educação básica, uma agenda de investimentos que só o Estado pode fazer, novos desenhos da política social (quem sabe caminhar para uma renda básica). Todos esses só poderão ser implementados, contudo, se houver condições para tanto; e dependem, portanto, do sucesso de algumas das reformas acima.

Até aqui falamos apenas de economia. Mas é na política que o liberalismo retoma, neste momento, uma importância que há muito não tinha, e não apenas no Brasil. Desde o fim da Guerra Fria, parecia que a democracia liberal - governantes eleitos, separação de poderes, direitos individuais, instituições independentes, sociedade civil autônoma - era a organização social vitoriosa e destinada a conquistar o mundo pela força do exemplo. Todas as conquistas que levaram séculos para serem construídas pareceram, ali por umas duas décadas, condições naturais e eternas da vida humana. Hoje, está bem claro que não são.

Nossa ordem liberal corre o risco de ser erodida gradualmente por populismos à esquerda e à direita. Venezuela e Hungria indicam o caminho. As redes sociais “libertaram” as pessoas do controle dos grupos de imprensa profissional, e com isso prenderam-nas nas câmaras de eco da opinião polarizada e nas turbas incontroláveis do linchamento virtual. Enquanto isso, Rússia e China colocam as manguinhas de fora no jogo geopolítico mundial, e pode apostar que nenhuma delas é particularmente amistosa à ordem liberal e democrática que tanto valorizamos.

No front econômico, a agenda liberal consiste basicamente numa lição de casa bem feita, há muito negligenciada pelo Brasil, que já tem precedentes no resto do mundo. Já no político, as respostas terão de ser criadas. A liberdade individual e a divisão do poder precisam ser sempre reformuladas e reconstruídas, sob pena de facilmente desaparecer sob novas repaginações da boa e velha tirania. Assim, o liberalismo não morreu; está mais vivo do que nunca.

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