O governo Bolsonaro é inimigo da educação?
Por suas palavras e seus atos o governo mostra que não apenas não liga; ele odeia a educação
Publicado em 16 de maio de 2019 às, 11h33.
Última atualização em 16 de maio de 2019 às, 12h33.
Há quem diga que o governo Bolsonaro é mestre na estratégia política. Que seu amadorismo é só aparência e que ele segue dando baile em todos. Enquanto a mídia e a opinião pública ficam perdidas na cortina de fumaça dos tweets polêmicos e declarações bizarras, gastando páginas e páginas discutindo coisas sem consequência, o governo leva adiante sua agenda capitalista e conservadora, sem grandes impedimentos.
Mas basta um minuto de reflexão sobre o tema para ver que a tese é falsa. As brigas de redes sociais nas quais o governo se especializou não são fumaça sem maiores consequências; elas têm tido pelo menos uma consequência séria: sabotam e talvez inviabilizem todas as agendas do governo. Todas as reformas, todos os decretos e todos os projetos já são recebidos com extrema má vontade pelo Congresso – a relação com os deputados, na verdade, está em fase terminal -, pelo Judiciário e por grande parte da opinião pública.
Basta olhar para o desastre que foi o contingenciamento dos gastos em educação. A medida poderia ter sido comunicada desde o início como uma triste consequência da restrição orçamentária a que o Estado brasileiro está sujeito. Estamos a caminho do buraco, e para não violar a legislação é preciso diminuir as despesas quando a receita fica abaixo do esperado. Não é nada muito diferente do que outros governos fizeram.
O Ministro da Educação Abraham Weintraub preferiu outra via: na primeira vez que anunciou cortes, atribuiu-os a uma motivação ideológica: o corte no dinheiro para as universidades federais era um jeito de punir aquelas que promoviam “balbúrdia”. Não demorou para que emergisse a verdade: todas as instituições federais de ensino e pesquisa sofreriam cortes pesados de cerca de 30% de suas despesas discricionárias para o ano.
Ao mesmo tempo, a militância bolsonarista nas redes sociais passou a compartilhar fotos de cenas “absurdas” supostamente dentro das universidades federais. Em geral, com pessoas nuas, mas sem nenhuma explicação do contexto (era uma atividade letiva? Qual o significado da performance? Tinha envolvimento do corpo docente ou era uma iniciativa puramente de estudantes?). A mensagem era clara: as universidades estão tomadas por obscenidades, drogas e “esquerdismo”. A perda de verba é uma punição justa, desejável, para elas. A bolha de entusiastas do bolsonarismo exultou de satisfação.
O resto da população brasileira, nem tanto. A educação é – e é vista como – a grande via de acesso para a ascensão da renda e da qualidade de vida. Depositamos nossos sonhos individuais e nacionais na esperança de uma educação que faça jus ao nosso povo. Vê-la achincalhada e drenada de recursos por um Ministro de Estado e pelo próprio Presidente calou fundo em grande parte da população, mesmo entre muitos que votaram em Bolsonaro.
Uma coisa é um governo que não coloca a educação como prioridade. Penso que nem mesmo o mais ardoroso defensor do presidente teria grandes pretensões para a educação neste mandato. A própria escolha de ministros mostra que ela não está na ordem do dia. Mesmo assim, não tê-la como prioridade é diferente de tê-la como inimiga.
Por suas palavras e seus atos o governo mostra que não apenas não liga; ele odeia a educação. Sim, há uma restrição orçamentária. Mas essa restrição serve como um pretexto conveniente para fazer aquilo que o governo sempre quis: secar a educação de recursos como arma da guerra ideológica – da caça às bruxas – que ele julga como sendo a coisa mais importante a se fazer no país.
Há uma dose limitada de desrespeito que uma população é capaz de aguentar antes de se rebelar. Bolsonaro, no início do governo, contava com a maior boa vontade do mundo: todo mundo torcendo para dar certo e disposto a cooperar. Conseguiu, por mérito próprio, acabar com essa boa vontade. Algo virou nos protestos do dia 15 de maio. O povo brasileiro, generoso e cooperativo, se reconheceu como muito maior do que o “povo” fictício – ideológico e cheio de ódio – que figura nos discursos e nos tweets populistas do Presidente e de seus asseclas.