Nossa burrice impedirá que 2019 seja o início de um novo ciclo
Movimentos, categorias profissionais e bancadas do Congresso estarão prontos para combater o novo presidente, seja ele Haddad ou Bolsonaro
Publicado em 4 de outubro de 2018 às, 12h27.
Última atualização em 4 de outubro de 2018 às, 14h25.
No momento, a grande pergunta que resta acerca da eleição presidencial é se Bolsonaro terá votos suficientes para vencer no primeiro turno ou se caminharemos para um segundo turno entre Bolsonaro e Haddad, de resultado imprevisível. As duas possíveis reações contrárias e esse segundo turno polarizado – Alckmin substituindo Bolsonaro com a promessa de vencer Haddad mais facilmente e Ciro substituindo Haddad com a promessa de vencer Bolsonaro mais facilidade – foram incapazes de mover a intenção de voto de seus candidatos para cima.
O segundo turno, que permanece o cenário mais provável, consagra a polarização e nos lança num dilema quase insolúvel. Ambas as alternativas são, em minha opinião, muito ruins e trazem questões éticas sérias.
Bolsonaro é um candidato profundamente despreparado, com 28 anos inúteis de Câmara dos Deputados, carente de qualquer ideia para resolver qualquer problema do Brasil, exceto um ou outro slogan populista. Além disso, de várias maneiras, representa uma defesa quase aberta dos interesses do mais forte contra o mais fraco, da maioria contra a minoria. A boçalidade em tantas falas reflete não tanto uma política a ser ativamente perseguida pelo governo, mas dá a entender uma cumplicidade tácita com diversas violências e injustiças que, com sua eleição, terão espaço para crescer.
Seu suposto genial assessor econômico, Paulo Guedes, faz propostas de reforma tributária que reduzirão consideravelmente a arrecadação, e a campanha já trabalha com o argumento de que reduzir a carga tributária faz a economia crescer o bastante para aumentar a arrecadação total – uma explicação mágica que em nada fica a dever a quem acredita que basta o governo aumentar gastos para arrecadar mais. Carente de qualquer agenda, deve ser pautado pela bancada do boi, da Bíblia e da bala.
Do outro lado, Haddad, que um dia já foi a promessa de renovação do PT, comanda uma plataforma da mais abjeta sujeição a Lula. Ver um presidenciável se consultando com seu mestre em um presídio é em si mesmo já um espetáculo desmoralizante. O PT não só não aprendeu nada com os últimos anos como redobrou sua aposta nas ideias que criaram a crise econômica e política que hoje vivemos. Controle da mídia, bancos públicos impulsionando crédito barato, negação do problema fiscal, até mesmo proposta de uma nova Constituição. Se eleito, Ministério Público e Judiciário serão enquadrados e podemos esperar a revanche da “companheirada” que comandou os maiores esquemas de corrupção de nossa história.
Seja quem for que vença, pegará um Brasil extremamente dividido. Movimentos, categorias profissionais, bancadas do Congresso e legiões do Ministério Público e Judiciário estarão prontos para combater o novo presidente de todas as formas, dificultando o governo.
Segundo a pesquisa Datafolha divulgada nesta terça, 74% dos jovens disseram sentir raiva quanto à situação do Brasil. 79% se dizem tristes e 78% desanimados. Em outras palavras, a imensa maior parte da população jovem não vê um futuro melhor em nenhuma das opções que estão dadas. Como escapar da polarização, que está esgarçando as relações sociais no Brasil, é um tema atual do mundo inteiro. Somos bombardeados por notícias falsas e sentimos ódio crescente por quem se posiciona de maneira diferente.
Depois de quatro anos de completa estagnação e crise, 2019 seria o momento para um novo ciclo: um governo com o desejo e a capacidade de fazer o trabalho árduo, inglório e impopular que as reformas e o ajuste fiscal exigirão. Ao invés disso, teremos receituário populista e salvadores da pátria.
Uma esperança pode nos consolar: a realidade nunca é tão ruim quanto nossas piores projeções. Especialmente no Brasil, há toda uma cultura e um sistema entranhado para amenizar os extremos e encontrar soluções de compromisso entre interesses antagônicos. A mudança é lenta e sempre incompleta mas, entre trancos e barrancos, costuma caminhar para a direção certa nos momentos cruciais. Pessoas boas e capazes de diálogo, independente de ideologia, serão essenciais para evitar o pior e garantir o progresso possível.
Mesmo assim, é uma pena: não será dessa vez que daremos passos significativos na direção de um país que faça jus a nosso enorme potencial econômico, cultural e humano. Sobreviveremos, como sempre, mas seguiremos a sina do eterno “país do futuro”, atolando a cada nova possibilidade na burrice de suas circunstâncias.