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Não é uma escolha entre vidas e economia

Mais cedo ou mais tarde, a crise econômica virá de qualquer forma, a questão é que quanto mais mortes, mais difícil será a recuperação

CORONAVÍRUS: governos estaduais passaram a travar uma batalha com o governo federal para manter a quarentena. (Amanda Perobelli/Reuters)
CORONAVÍRUS: governos estaduais passaram a travar uma batalha com o governo federal para manter a quarentena. (Amanda Perobelli/Reuters)
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Joel Pinheiro da Fonseca

Publicado em 27 de março de 2020 às, 19h03.

Última atualização em 27 de abril de 2020 às, 20h39.

Uma das maiores tragédias de nossos tempos é a incessante polarização política de discussões técnicas. No caso do combate ao coronavirus, o adjetivo “trágico” é literal. O fato é que, desde o discurso de Bolsonaro em rede nacional na última terça-feira, o debate público se reduziu a um dilema estéril e abstrato: devemos salvar as vidas ou a economia?

Concretamente falando, o dilema não existe: a crise econômica virá. Ela pode vir algumas semanas antes, caso pratiquemos o confinamento preventivamente – o que reduzirá consumo e produção – ou algumas semanas depois, caso deixemos a doença se alastrar, as milhares de mortes diárias chegarem e o pânico tomar conta. A diferença é que, neste segundo caso, o número de mortes será muito maior e a recuperação muito mais lenta.

Para reduzir os danos econômicos do confinamento, o Estado tem que intervir de forma decisiva na economia, tendo três objetivos: garantir a subsistência de todo mundo que precise; preservar empregos na medida do possível, subsidiando a folha de pagamento de empresas que precisem suspender seus trabalhadores; prover capital de giro para as empresas. Essas medidas contribuem para que a recuperação econômica, ao fim da crise, seja rápida: as pessoas e os bens de capital estarão em seu lugar, os trabalhadores apenas voltam para seus postos. É muito mais fácil do que reorganizar uma terra arrasada do zero.

Desde o discurso do presidente, contudo, uma parte relevante da opinião pública tem defendido o fim de qualquer política de confinamento, aconselhando apenas que idosos fiquem em casa.

É preciso frisar, aqui, o quanto o debate brasileiro está distante do resto do mundo. Ao pedir que as pessoas fora do grupo de risco voltem às ruas e que as escolas voltem a ter aulas, Bolsonaro nos coloca em uma posição de permissividade mais extrema que a do Japão, o país que menos medidas restritivas tomou até agora (nesta semana, os novos casos em Tóquio subiram de forma preocupante; por isso a governadora regional já avisou que um lockdown pode estar a caminho). Mesmo lá, contudo, as escolas foram fechadas.

Nos EUA, Trump tem adotado uma posição similar à de Bolsonaro: protesta, em nome da economia, contra as medidas de isolamento social. No entanto, mesmo em seu discurso temerário o fim das restrições deve começar, gradualmente, apenas na Páscoa: ou seja, dia 12 de abril. A quarentena de SP, contra a qual Bolsonaro protesta veementemente, está programada para ir até o dia 07 de abril. Mesmo os exemplos mais permissivos do resto do mundo, portanto, são tratados como uma restrição intolerável pelo discurso de Bolsonaro e seus seguidores nas redes, que não se baseia em nenhum tipo de estudo ou modelo.

Por fim, cabe lembrar qual foi o país que adotou a mesma linha pregada agora por Bolsonaro: a de que a epidemia é um alarmismo midiático e que a economia não pode parar: a Itália. Em fins de fevereiro, a cidade de Milão adotou a campanha “Milano non si ferma” (“Milão não para”), iniciada em fins de fevereiro em Milão. Desde então, Milão se tornou o grande foco na doença na Itália, e hoje morrem diariamente mais de 700 pessoas no país. O prefeito de Milão já pediu desculpas públicas pela campanha. As desculpas, contudo, não trarão uma vida sequer de volta.

Ninguém deseja estender o isolamento social mais do que o necessário. Ao mesmo tempo, há evidências de que este seja o melhor jeito de reduzir a taxa de novos contágios. É o que os números vêm mostrando em SP: nos últimos dias os novos casos parecem estar desacelerando. O custo econômico, evidentemente, é alto. Felizmente, com a aprovação da renda básica de R$600 pelo Congresso (provavelmente precisaremos de medidas adicionais para chegar a todos) e a linha de crédito especial do Banco Central para financiar a folha de pagamento de pequenas e médias empresas, esse custo será amenizado.

A estratégia, a partir de agora, deve se focar nos gastos da Saúde: aumentar a capacidade do SUS para tratar novos casos (leitos e respiradores), compras massivas de testes para a população e investimento na produção de ítens de proteção individual, como máscaras. Com essa agenda avançada, e a curva um pouco achatada, será possível reduzir a restrição, liberando pessoas não-infectadas, identificando rapidamente novos focos e isolando todos os que tiverem contato, além do confinamento dos grupos de risco.

Sem essas providências, toda promessa de “isolamento parcial” não passa de engodo; é jogar a população num “salve-se quem puder”, aumentando drasticamente o contágio e, muito em breve, produzindo pânico social e uma crise econômica muito pior. Ou alguém acha que os consumidores irão felizes às compras se cenas de corpos empilhados diariamente às portas dos hospitais se tornarem normais?