Existe uma indústria da multa?
Talvez seja um índice do subdesenvolvimento mental de São Paulo (do Brasil?), mas o principal tema nesta campanha municipal, aquele que mais mobiliza os corações, é a redução de velocidades de diversas vias da cidade realizada pelo atual prefeito (Fernando Haddad, PT, candidato à reeleição) e a famigerada “indústria da multa” que se beneficiaria de […]
Da Redação
Publicado em 22 de setembro de 2016 às 11h12.
Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h36.
Talvez seja um índice do subdesenvolvimento mental de São Paulo (do Brasil?), mas o principal tema nesta campanha municipal, aquele que mais mobiliza os corações, é a redução de velocidades de diversas vias da cidade realizada pelo atual prefeito (Fernando Haddad, PT, candidato à reeleição) e a famigerada “indústria da multa” que se beneficiaria de sua gestão.
As duas questões são distintas. Eu, por exemplo, não vejo com maus olhos a redução dos limites de velocidade de maneira geral. Não discordo, contudo, da afirmação de que existe uma “indústria da multa”, ao contrário do que dizem os defensores do prefeito. Uma indústria da multa que o precede, é verdade, mas que recebeu estímulo importante durante seu mandato.
A indústria da multa é antes de tudo uma percepção dos motoristas de que as autoridades – seja a CET ou a Prefeitura – visa mais a coletar o dinheiro de multas do que prevenir as violações de regras que geram as multas. Mais recursos e pessoal são destinados para fiscalizar e multar do que para outras funções.
Os dados são compatíveis com essa percepção. Segundo pesquisa do Datafolha (divulgada em 18/07), 24% dos motoristas foram multados nos 12 meses anteriores. E a quantidade total de multas na cidade mais do que dobrou, fruto, entre outras coisas, da instalação maciça de radares pela cidade. O dinheiro das multas, até o início do ano, ia diretamente para bancar a CET (Companhia de Engenharia de Tráfego de São Paulo). Agora, por determinação da Justiça, tem que ir para melhorias no trânsito. Seja como for, alivia o orçamento da Prefeitura, preservando o incentivo ruim.
A suspeita que circula informalmente, de que agentes da CET têm metas de multas a cumprir, é falsa. Mas é verdade que a Prefeitura inclui a previsão de arrecadação por multas em seu orçamento. Não existe, portanto, um incentivo para desenhar regras mais eficientes e que produzam menos infrações.
As leis de trânsito criam pesos mortos – casos particulares em que o respeito à lei gera custos ao motorista sem gerar nenhum benefício aparente a ninguém – que são explorados no dia a dia, contando com um nível baixo de fiscalização. Parar alguns minutos em lugar proibido, furar um sinal vermelho de madrugada, descuidar poucos km/h do limite de velocidade por alguns segundos. Tudo isso são fatos corriqueiros, possíveis porque a fiscalização é baixa. O mesmo vale, aliás, para pedestres e bicicletas – que atravessam fora da faixa, furam sinal vermelho quando não vem carro no outro sentido, etc. – dado que a fiscalização não os punirá, costumam quebrar a regra quando isso não acarreta danos a outros.
Quando a Prefeitura passou a aumentar acentuadamente a fiscalização e a punição das infrações, o jogo mudou. O sistema de regras que funcionava justamente por ser pouco fiscalizado, permitindo alguma sanidade, torna-se cada vez mais draconiano. Pequenas infrações, que não geram dano nenhum, acarretam punições pesadas para o infrator. O discurso de que o infrator merece a punição, de que a culpa é dele e que bastava seguir a lei é fácil, mas esbarra no fato de que as leis jamais foram feitas para funcionar. Seria o mesmo que passar a multar sistematicamente pedestres que atravessam fora da faixa e ainda colocar a culpa neles.
Ao invés de amenizar o caráter punitivo do sistema – por exemplo, flexibilizando algumas regras, aumentando o limite de pontos na carteira, reduzindo o valor das multas – toda a culpa é jogada no motorista, que, com razão, sente-se uma peça de uma indústria cujo real objetivo não é tornar o fluxo de pessoas mais fluido, e sim extrair o máximo de dinheiro delas. Enquanto a arrecadação de multas beneficiar diretamente Prefeitura ou CET, essa percepção não estará totalmente equivocada. Mover-se para um sistema em que o montante arrecadado no ano é devolvido aos CPFs de todos os cidadãos, por exemplo, seria um primeiro passo para forçar uma mudança.
Em um futuro próximo, com chips nos automóveis, será possível ter fiscalização em 100% dos casos. Guiar na cidade se tornará uma experiência muito mais estressante – pois qualquer pequena imperfeição acarreta uma punição pesada. Mas será também o momento para reformar o sistema, e ter uma legislação que consiga incorporar o bom senso – seja na conduta dos agentes de fiscalização (que hoje em dia são encorajados a não exercer bom senso, mas apenas a aplicar a sanção), seja no refinamento das regras para reduzir os custos desnecessários. Até lá, o investimento na fiscalização não-sinalizada terá sempre o caráter de uma verdadeira indústria da multa.
Talvez seja um índice do subdesenvolvimento mental de São Paulo (do Brasil?), mas o principal tema nesta campanha municipal, aquele que mais mobiliza os corações, é a redução de velocidades de diversas vias da cidade realizada pelo atual prefeito (Fernando Haddad, PT, candidato à reeleição) e a famigerada “indústria da multa” que se beneficiaria de sua gestão.
As duas questões são distintas. Eu, por exemplo, não vejo com maus olhos a redução dos limites de velocidade de maneira geral. Não discordo, contudo, da afirmação de que existe uma “indústria da multa”, ao contrário do que dizem os defensores do prefeito. Uma indústria da multa que o precede, é verdade, mas que recebeu estímulo importante durante seu mandato.
A indústria da multa é antes de tudo uma percepção dos motoristas de que as autoridades – seja a CET ou a Prefeitura – visa mais a coletar o dinheiro de multas do que prevenir as violações de regras que geram as multas. Mais recursos e pessoal são destinados para fiscalizar e multar do que para outras funções.
Os dados são compatíveis com essa percepção. Segundo pesquisa do Datafolha (divulgada em 18/07), 24% dos motoristas foram multados nos 12 meses anteriores. E a quantidade total de multas na cidade mais do que dobrou, fruto, entre outras coisas, da instalação maciça de radares pela cidade. O dinheiro das multas, até o início do ano, ia diretamente para bancar a CET (Companhia de Engenharia de Tráfego de São Paulo). Agora, por determinação da Justiça, tem que ir para melhorias no trânsito. Seja como for, alivia o orçamento da Prefeitura, preservando o incentivo ruim.
A suspeita que circula informalmente, de que agentes da CET têm metas de multas a cumprir, é falsa. Mas é verdade que a Prefeitura inclui a previsão de arrecadação por multas em seu orçamento. Não existe, portanto, um incentivo para desenhar regras mais eficientes e que produzam menos infrações.
As leis de trânsito criam pesos mortos – casos particulares em que o respeito à lei gera custos ao motorista sem gerar nenhum benefício aparente a ninguém – que são explorados no dia a dia, contando com um nível baixo de fiscalização. Parar alguns minutos em lugar proibido, furar um sinal vermelho de madrugada, descuidar poucos km/h do limite de velocidade por alguns segundos. Tudo isso são fatos corriqueiros, possíveis porque a fiscalização é baixa. O mesmo vale, aliás, para pedestres e bicicletas – que atravessam fora da faixa, furam sinal vermelho quando não vem carro no outro sentido, etc. – dado que a fiscalização não os punirá, costumam quebrar a regra quando isso não acarreta danos a outros.
Quando a Prefeitura passou a aumentar acentuadamente a fiscalização e a punição das infrações, o jogo mudou. O sistema de regras que funcionava justamente por ser pouco fiscalizado, permitindo alguma sanidade, torna-se cada vez mais draconiano. Pequenas infrações, que não geram dano nenhum, acarretam punições pesadas para o infrator. O discurso de que o infrator merece a punição, de que a culpa é dele e que bastava seguir a lei é fácil, mas esbarra no fato de que as leis jamais foram feitas para funcionar. Seria o mesmo que passar a multar sistematicamente pedestres que atravessam fora da faixa e ainda colocar a culpa neles.
Ao invés de amenizar o caráter punitivo do sistema – por exemplo, flexibilizando algumas regras, aumentando o limite de pontos na carteira, reduzindo o valor das multas – toda a culpa é jogada no motorista, que, com razão, sente-se uma peça de uma indústria cujo real objetivo não é tornar o fluxo de pessoas mais fluido, e sim extrair o máximo de dinheiro delas. Enquanto a arrecadação de multas beneficiar diretamente Prefeitura ou CET, essa percepção não estará totalmente equivocada. Mover-se para um sistema em que o montante arrecadado no ano é devolvido aos CPFs de todos os cidadãos, por exemplo, seria um primeiro passo para forçar uma mudança.
Em um futuro próximo, com chips nos automóveis, será possível ter fiscalização em 100% dos casos. Guiar na cidade se tornará uma experiência muito mais estressante – pois qualquer pequena imperfeição acarreta uma punição pesada. Mas será também o momento para reformar o sistema, e ter uma legislação que consiga incorporar o bom senso – seja na conduta dos agentes de fiscalização (que hoje em dia são encorajados a não exercer bom senso, mas apenas a aplicar a sanção), seja no refinamento das regras para reduzir os custos desnecessários. Até lá, o investimento na fiscalização não-sinalizada terá sempre o caráter de uma verdadeira indústria da multa.