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Dilma: tudo menos a única coisa que importa

Dilma não está sozinha como Collor esteve. Mas ela e seus defensores parecem estar ainda mais desconectados da realidade. Para não olhar o real motivo do processo de impeachment, que deixa a presidente muito mal na foto, se apegam desesperadamente a qualquer pretexto – por mais irrelevante que seja – para tentar desqualificá-lo perante a […]

DILMA: a reputação da Câmara não era problema quando estava de seu lado / Roberto Stuckert Filho/PR
DILMA: a reputação da Câmara não era problema quando estava de seu lado / Roberto Stuckert Filho/PR
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Joel Pinheiro da Fonseca

Publicado em 20 de abril de 2016 às, 13h47.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às, 18h35.

Dilma não está sozinha como Collor esteve. Mas ela e seus defensores parecem estar ainda mais desconectados da realidade. Para não olhar o real motivo do processo de impeachment, que deixa a presidente muito mal na foto, se apegam desesperadamente a qualquer pretexto – por mais irrelevante que seja – para tentar desqualificá-lo perante a opinião pública.

Um exemplo é a reação exagerada ao voto dos deputados. Fora uma ou outra manifestação de truculência pura e simples (como a proferida pelo sempre lamentável Jair Bolsonaro), os deputados mostraram a nós mesmos as principais características do Brasil: personalismo, simplicidade e fé. Menos vergonhosas, penso, do que o cinismo escancarado de quem apelou a valores maiores e a minorias fragilizadas para defender um projeto de poder que tem castigado – com desemprego e queda na renda – justamente a parcela mais pobre da população.

Seja como for, quando o impeachment de Collor venceu na Câmara em 1992, as justificativas dos deputados não foram diferentes das que vimos desta vez. Ninguém supôs, contudo, que isso deslegitimasse o processo. Assim como o fato de Eduardo Cunha estar envolvido em corrupção. Ibsen Pinheiro – Presidente da Câmara na época – também estava. Dois anos depois cairia no esquema dos Anões do Orçamento.

Aliás, a reputação, digamos, suspeita de Eduardo Cunha, Michel Temer e outros não era problema para o governo quando eles eram seus aliados. A presença das figuras mais fisiológicas e corruptas da política brasileira em nada maculava o generoso projeto do PT, que precisava de governabilidade. Agora, quando os aliados de anos pularam de última hora no barco do impeachment, aí não! Nesse caso, a mera presença deles serve como prova cabal de que a oposição é criminosa em si mesma.

Outro mantra do governismo é o de que o impeachment é ilegal. Esse desejo simplesmente não corresponde ao fato de que ele tem transcorrido integralmente dentro da lei. Isto é, se considerarmos que a autoridade competente para julgar a legalidade do processo seja o STF – que nada objetou – e não qualquer defensor do governo com blog em portal de notícias. Em uma democracia real, na qual instituições têm precedência sobre paixões partidárias, golpe é querer que o governo passe por cima das decisões do Judiciário.

O crime está claro para todos verem. A fraude fiscal a que chamamos de “pedaladas” foi criminosa e teve consequências desastrosas para o Brasil. Dilma somou, a um momento que já seria ruim devido à piora do cenário externo e à precariedade de uma economia que cresceu graças ao consumo insustentável e ao crédito barato, a ruína das contas públicas, tudo devidamente fraudado para que ela pudesse gastar além da conta em ano eleitoral e no ano seguinte.

A consequência é o comprometimento maior do orçamento do Estado com juros da dívida, a desconfiança justificada de investidores internacionais e, portanto, a menor capacidade do Estado de fazer investimentos importantes ao Brasil, inclusive na área social. Permitir que o mandatário da nossa república fraude as contas do governo e passe impune é dar um golpe de morte na responsabilidade fiscal.

Pelo andar da carruagem, o impeachment é fato consumado. O próprio PT já pensa em como reagir, e não mais em impedi-lo. Com a insistência no lugar-comum de que a corrupção é geral, ou de que Temer não foi eleito (mentira: recebeu os mesmos 54 milhões de votos de quem acreditou no PT), corremos o risco de não aprender a principal lição dessa tragédia: nem todas as fraudes do mundo nos protegem das consequências de gastar o que não se tem. Dilma “fez o diabo” para se reeleger; e legou ao Brasil inteiro a responsabilidade de exorcizá-lo.