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A educação brasileira merece mais que a paranoia do MEC

Os jovens não estão aprendendo conteúdo “de esquerda”. Eles não estão aprendendo conteúdo nenhum

RICARDO VÉLEZ: Relegar o ministério da educação a tamanha indigência técnica não tem efeitos sensíveis de curto, mas no longo prazo  / Cristiano Mariz/ Veja
RICARDO VÉLEZ: Relegar o ministério da educação a tamanha indigência técnica não tem efeitos sensíveis de curto, mas no longo prazo / Cristiano Mariz/ Veja
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Joel Pinheiro da Fonseca

Publicado em 7 de fevereiro de 2019 às, 12h37.

Última atualização em 7 de fevereiro de 2019 às, 16h14.

Dentre os diversos grupos que compõem o governo Bolsonaro, de maneira nem sempre harmônica, o pior e mais perigoso deles é o núcleo olavista, que compreende as indicações ligadas ao ideólogo Olavo de Carvalho, que tem ascendência sobre Carlos e Eduardo Bolsonaro e, portanto, influencia o presidente. Trata-se do ministro das relações exteriores, Ernesto Araújo, e o ministro da educação, Ricardo Vélez Rodríguez.

Araújo trouxe uma visão de mundo nacionalista para o Itamaraty, que pretende colocar o Brasil na condição de um cruzado dos tempos modernos, preparando-se para uma guerra santa contra o mundo árabe e a China, sempre a reboque dos interesses norte-americanos. Nisso, contraria diretamente nossa tradição diplomática de independência, diálogo e paz, além de comprometer muitos de nossos interesses econômicos (afinal, China e países árabes são importantes parceiros comerciais).

Por isso mesmo, tem sofrido a constante oposição da ala militar do governo, especialmente do vice General Mourão e do ministro da segurança institucional, General Heleno. Os militares compõem alguns dos melhores quadros do governo e enfrentam o nacionalismo autodestrutivo do chanceler com um patriotismo realista e de pés no chão. Graças ao posicionamento firme dos militares, Araújo está cada vez mais apagado, mal tendo aberto a boca desde o Forum Econômico Mundial.

O ministro da educação, por outro lado, não tem ainda uma oposição vocal dentro do governo. Mas o mal que ele pode fazer ao Brasil é tão grande ou ainda maior que um posicionamento desastrado em política externa. A cada nova declaração sua vai ficando claro que Bolsonaro nomeou – por indicação direta de Olavo de Carvalho – um intelectual de direita que carece de qualquer conhecimento do sistema de ensino brasileiro e de seus desafios.

Gafes e declarações mal pensadas não me preocupam muito – por exemplo, a atribuição de uma citação errônea a Cazuza ou a crítica casual aos brasileiros que viajam ao exterior. O que é digno de preocupação são as declarações (pois até agora a única coisa que temos do ministro são palavras) que revelam uma visão profundamente torta de nossa educação e uma mentalidade paranóica acerca da sociedade e de seus críticos.

Vélez Rodríguez acredita que o grande mal da educação brasileira é o excesso de ideologia em sala de aula. Seu projeto é restaurar as aulas de educação moral e cívica e instaurar o projeto escola sem partido para perseguir professores de esquerda. Tem nomeado em seu ministério seguidores de Olavo de Carvalho cujo grande mérito foi ter escrito em blogs e redes sociais, desconhecendo completamente o ensino brasileiro. Quando um jornalista o critica, a reação é atacar a mídia, que também faria parte do plano comunista para destruí-lo.

O problema do ensino no Brasil é nossa incapacidade de ensinar crianças e jovens os conteúdos e ferramentas essenciais para que possam pensar por conta própria e exercer sua cidadania com um mínimo de conhecimento e noção da realidade. Os jovens não estão aprendendo conteúdo “de esquerda”. Eles não estão aprendendo conteúdo nenhum.

O governo Temer, que não tinha a educação como um foco, ainda assim foi capaz de implementar uma reforma do ensino médio que trata dessa lacuna e caminha na direção correta, direcionando mais tempo para os conteúdos fundamentais (português, matemática) que hoje são negligenciados em meio a uma grade curricular antes engessada e inflada.

Existem projetos ambiciosos para a educação brasileira, baseados em números e na experiência de professores, diretores, economistas e pedagogos. Penso, por exemplo, no pacote de propostas intitulado “Educação Já”, elaborado pela ONG Todos Pela Educação. Ali estão propostas como o ensino em tempo integral, a reorganização da carreira do professor, alterar os mecanismos de financiamento do ensino básico de forma a estimular as melhores práticas, focar na alfabetização, universalizar a educação infantil, etc. São medidas que exigirão uma verdadeira reforma no ensino, mas que podem ter resultados reais, tirando-nos das notas vergonhosas que temos nos exames internacionais e dos índices deprimentes de letramento e numeração com que convivemos.

Vélez Rodríguez não se interessa por nada disso. Ele quer é lutar contra Paulo Freire, elogiar Olavo de Carvalho e tecer loas aos heróis oficiais de nossa história. Como tantos conservadores, que cultivam alguma sofisticação e profundidade em sua obra intelectual, quando são chamados a lidar com o mundo real revertem para o reacionarismo mais histérico e caricato, vendo em jornalistas críticos agentes da KGB.

Relegar o ministério da educação a tamanha indigência técnica não tem efeitos sensíveis de curto prazo. Não é como colocar um despreparado no ministério da economia (no qual, felizmente, Bolsonaro colocou um bom nome), que em poucos meses quebraria o Brasil. Seu efeito é menos sensível, mais duradouro e mais insidioso, pois vai tirando de sucessivas gerações de jovens o direito a uma vida mais consciente e plena. Numa visão responsável e de longo prazo, a educação é uma das principais prioridades do país. Não merece, portanto, ficar em mãos inaptas para os enormes desafios que tem pela frente.