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Desconfie de quem diz: “procure o inimigo”

Como reconhecer e evitar os populistas nas próximas eleições

JÂNIO QUADROS: truques retóricos para criar uma falsa dualidad (Dedoc/Exame Hoje)
JÂNIO QUADROS: truques retóricos para criar uma falsa dualidad (Dedoc/Exame Hoje)
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João Gabriel de Lima

Publicado em 4 de maio de 2018 às, 09h35.

Última atualização em 4 de maio de 2018 às, 12h42.

Existe uma anedota envolvendo Jânio Quadros que é uma aula de política – a má política, no que ela tem de mais demagógica. Um dia, o economista Roberto Campos – responsável pelo cálculo das tarifas públicas na presidência janista, em 1961 – informou seu chefe que o preço da gasolina deveria ser reajustado. Jânio respondeu: “Cadê o inimigo? Traga-me um inimigo.” Campos não entendeu. Dias mais tarde, procurou Jânio novamente, alertando-o da necessidade do aumento, e ouviu a mesma demanda: “Procure o inimigo”. Passou-se um tempo e o presidente informou que falaria do assunto num pronunciamento no rádio. Consta que Campos ouviu a fala de Jânio dentro de um táxi. Em tom indignado, o presidente culpava os americanos pelo aumento do combustível. Campos ouviu do taxista: “É isso mesmo. Vamos pagar mais caro, sim, e mostrar aos ianques que não temos medo deles.” A isso se chama populismo. Como diria Nélson Rodrigues, autor que era moda na época: do puro. Do legítimo. Do escocês.

Vinte anos mais tarde, Jânio representava algo de que o Brasil queria se livrar. Para a geração que redemocratizou o país, nos anos 1980, ele era sinônimo de uma política carcomida. Nas eleições municipais de 1985 em São Paulo, Fernando Henrique Cardoso e Eduardo Suplicy se apresentavam como a antítese do populismo. O jovem professor Fernando Henrique era a estrela da esquerda do MDB, com direito a apoio de artistas, frisson no movimento estudantil e jingle de Chico Buarque (“Vai ganhar, Fernando Henrique o voto popular...”, cantada com a música do samba Vai Passar). Eduardo Suplicy era a versão “light” do nascente PT, forjado no entusiasmo das greves do ABC e turbinado pela campanha das eleições diretas. Os dois candidatos eram compadres, tinham morado nos Estados Unidos na mesma época, no período mais repressivo da ditadura militar, e suas mulheres, as feministas Ruth Cardoso e Marta Suplicy, eram igualmente amigas. O eleitorado se dividiu e Jânio, com seus slogans contra a corrupção, venceu a eleição — mostrando que o populismo estava bem vivo (foi seu último cargo; morreu anos mais tarde, depois de uma longa doença, em meio a denúncias de contas secretas na Suíça e enriquecimento ilícito com imóveis. A história de muitos políticos de retórica indignada caminha para esse tipo de desfecho, tristemente irônico).

Passaram-se mais três décadas — e o fantasma de Jânio permanece, pelo que se depreende da leitura de O Que É Populismo, lançado recentemente no Brasil. O autor do livro, Jan Werner Muller, cientista político da universidade Princeton, estabelece os contornos do fenômeno – e uma de suas definições mais precisas de populismo se aplica perfeitamente ao caso brasileiro. O coração das democracias é a pluralidade de opiniões. O populista é aquele que reduz a multiplicidade de ideias — característica central dos regimes de liberdade — a uma falsa dualidade, o “nós contra eles”. O “nós” é sempre o povo, representado pelo populista – e o “eles”, os “inimigos do povo”, ou “a elite”. Estabelece-se o papel do “nós” e do “eles” de acordo com o gosto e a conveniência do populista. O “eles” podem ser as feministas, os movimentos pela igualdade racial, os imigrantes que vão para a universidade — a “elite liberal”, contra a qual o populista Donald Trump investiu em sua campanha eleitoral. Ou a mídia, os bancos, o “neoliberalismo” — “a elite capitalista”, objeto da ira do populista Nicolas Maduro.

Prepare-se. Nestas eleições, alguns candidatos usarão o discurso do “nós” contra “eles”. Alguns irão vociferar contra a “elite econômica”, outros contra a “elite cultural”. Como Jânio Quadros, estão a procurar um inimigo. Como Jânio, irão caprichar nos truques retóricos. Haverá janistas de direita e janistas de esquerda. É fácil reconhecê-los pelo tom indignado, marca registrada dos populistas. O discurso que reduz a pluralidade a dois lados, um totalmente certo e o outro totalmente errado, é, obviamente, um insulto à inteligência. O mundo seria muito simples se vivêssemos numa versão videogame do filme Star Wars, em que come-comes abrem o bocão de Chewbacca e engolem as máscaras de Darth Vader. Nestas primeiras eleições do período pós-polarização — PT e PSDB não mais monopolizam os votos —, vários candidatos apresentarão propostas diferentes.

(leia no quadro ao final do texto alguns dos campos políticos que duelarão no pleito - e, nas próximas colunas, análises de suas propostas concretas).

Há muito mais que apenas dois caminhos. Ainda bem: a falsa dualidade é o terreno sobre o qual os populistas nascem e desabrocham.

Epílogo da anedota. Depois de ouvir Jânio Quadros a vociferar contra os Estados Unidos, Roberto Campos, assustado, ligou para a embaixada americana, temendo um incidente diplomático. “Fique tranquilo, ele nos avisou antes. Sabíamos que faria esse discurso”, disse o funcionário que atendeu o telefone.

A serenidade é a melhor arma do eleitor contra os populistas e seus discursos de ódio — até porque, na política, a indignação é quase sempre fingida.