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Volatilidade no Oriente Médio

Igor Lucena faz análise sobre mandatos da CPI e a Morte de Raisi

Igor Lucena faz análise sobre mandatos da CPI e a Morte de Raisi  (Chacon/Divulgação)
Igor Lucena faz análise sobre mandatos da CPI e a Morte de Raisi (Chacon/Divulgação)

A recente emissão de mandados de prisão pela Corte Penal Internacional (CPI) contra líderes israelenses, incluindo o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, e líderes do Hamas, além da morte do presidente iraniano Ebrahim Raisi, destaca a crescente complexidade e volatilidade no Oriente Médio. Esses eventos têm implicações profundas tanto juridicamente quanto politicamente para a região. Para discutir essas questões, entrevistamos Igor Lucena, economista, empresário, doutor em Relações Internacionais e Presidente do Corecon-CE, que também atua como consultor para as Nações Unidas/CEPAL e é presença frequente em mídias como GloboNews e CNN. 

Nesta conversa, Lucena aborda as repercussões dos mandatos da CPI para Israel e o movimento palestino, questiona a comparabilidade das ações de um Estado e de um grupo terrorista, e avalia o impacto da morte de Raisi nas dinâmicas regionais. Ele também analisa as perspectivas de paz entre Israel e Palestina, a potencial influência de um segundo governo Trump nas alianças do Oriente Médio, e como essas mudanças podem afetar a política externa e econômica do Brasil. 

Instituto Millenium: A recente emissão de mandados de prisão pela Corte Penal Internacional contra o primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu e líderes do Hamas levantou muitas questões. Quais são as implicações jurídicas e políticas dessas ações para Israel e para o movimento palestino? Além disso, como você avalia a decisão da Corte de tratar as ações de um governante de Estado e de líderes de um grupo terrorista de forma semelhante? Essas ações são realmente comparáveis, em termos de responsabilidade e impacto no conflito? 

Igor Lucena: Infelizmente, a Corte Penal Internacional (CPI) parece ter uma visão bastante equivocada do conflito. Acho que o presidente dos EUA, Joe Biden, talvez tenha feito o comentário mais lógico, ao dizer que o mandado de prisão contra os líderes israelenses é fora de contexto. Não pode haver nenhum tipo de equivalência entre Hamas e Israel, e os Estados Unidos vão estar sempre com Israel e a favor da segurança israelense. Então, o procurador que coloca isso, nitidamente, tem uma visão de dois conflitos completamente diferentes. 

É impossível os órgãos internacionais quererem tratar de forma semelhante grupos radicais e ações de governo. Isso, infelizmente, contribui para uma descredibilização dos órgãos internacionais do sistema multilateral. A Organização das Nações Unidas já estava enfraquecida, por não condenar abertamente esse conflito, e o Hamas. E o órgão das Nações Unidas que deveria proteger a faixa de Gaza é, nitidamente, administrado por membros do Hamas. Isso faz com que a Corte Penal Internacional perca sua credibilidade e passe a se tornar um organismo político. E isso, sim, é muito prejudicial, porque nivela um Estado com um grupo terrorista. E isso não pode ser admitido, caso contrário abrimos a porta para a relativização de coisas que não deveriam ser toleradas. 

IM: A recente morte do presidente do Irã, Ebrahim Raisi, trouxe um novo nível de incerteza para a região. Considerando a importância do Irã na estabilidade do Oriente Médio, como você avalia o impacto dessa perda nas dinâmicas regionais e nas alianças que o país mantinha? Além disso, há especulações sobre as circunstâncias de sua morte; poderia não ter sido um acidente? O vice-presidente que assumirá o cargo deverá seguir a mesma linha política de Raisi? Quem é ele, e quais são suas posições políticas? O que podemos esperar em termos de mudanças na política interna e externa do Irã sob sua liderança? 

IL: A morte de Ebrahim Raisi, obviamente, tem um ponto importante. Raisi era um radical. Diferentemente dos outros presidentes do Irã, ele seguia totalmente a linha e os posicionamentos do Aiatolá Ali Khamenei. Há uma visão muito clara de que haverá um trabalho para encontrar um novo presidente que também possa ser um sucessor do Aiatolá Ali Khamenei. O vice-presidente, que vai assumir temporariamente, terá basicamente 50 dias de cargo, então não haverá grandes mudanças. Sua principal função será coordenar a eleição, que ocorrerá em 50 dias. Isso enfraquece o Irã, torna o país mais difícil de ser governado, e abre uma brecha para os dissidentes do regime que desejam mudança.  

O regime está extremamente impopular interna e externamente, e acredito que, num momento de crise, a probabilidade de não ter sido um acidente é muito grande. O Irã tem vários inimigos, tanto a Arábia Saudita quanto os Estados Unidos e Israel. Na prática, diversos inimigos poderiam ter causado esse acidente, sendo possivelmente um atentado. Não temos provas sobre isso, mas não podemos descartar a possibilidade, especialmente em um momento onde o Irã usa todas suas proxies contra Israel.

IM: O conflito entre Israel e Palestina tem uma longa e complexa história. Com as recentes tensões e ações judiciais internacionais, quais são as perspectivas para um acordo de paz? Existe algum novo fator ou abordagem que possa mudar o curso das negociações entre as duas partes? 

IL: Eu acredito que a única possibilidade de paz entre Israel e a Palestina vem da configuração de dois estados: Israel ser reconhecido por todo o mundo árabe e a Palestina ser reconhecida por Israel. Mas, para que isso ocorra, temos alguns pré-requisitos. Primeiro, o Hamas tem que ser expurgado da política e da administração militar da Palestina. A Palestina deve ter regras claras que impeçam grupos terroristas de ascender ao poder político.  

A segurança da Palestina também é crucial. O mundo árabe, principalmente a Arábia Saudita, teria que reconhecer Israel. A partir do momento em que a Arábia Saudita e outros países árabes reconheçam Israel, o poder do Irã diminui e basicamente se cria um movimento de paz entre árabes e muçulmanos. Esses são os fatores necessários para termos um princípio de paz em uma história longa e complexa. 

IM: Quem está preparado para o "dia depois de amanhã" na Palestina? Uma vez terminada a ocupação israelense, o que deve ser feito em seguida? Quem vai custear a reconstrução e, mais importante, quem vai liderar esse processo? Temos clareza sobre o futuro da Palestina? 

IL: O grande questionamento é o dia depois de amanhã. Ninguém sabe quem seria a organização política na Palestina, pois não há uma liderança política clara capaz de liderar os palestinos, e o grande medo seria a ascensão de novos grupos terroristas. Isso precisa ser evitado. Não há um poder militar de defesa e de segurança na Palestina. Isso poderia ser feito por Israel, mas a comunidade internacional não aceita, pois vê como uma quase ocupação indireta. 

Talvez a Palestina precise, sim, de uma força de paz da ONU, juntamente com um sistema de reconstrução internacional que possa liderar esse processo com outros países do mundo árabe, principalmente Emirados Árabes Unidos, Catar, e a própria Arábia Saudita. 

O futuro da Palestina dependerá fundamentalmente de uma mínima coesão política que exclua grupos terroristas e mantenha um processo de paz contínuo com Israel. Esse é um grande problema, assim como a situação que retira o Hamas e, principalmente, a influência dos sauditas dentro do conflito. 

IM: Com o fortalecimento da influência da China no Oriente Médio e a possibilidade de um segundo governo Trump nos Estados Unidos, como essas dinâmicas globais podem impactar as alianças regionais? Quais são os possíveis cenários para a evolução dessas alianças e seus efeitos na paz e estabilidade da região? Além disso, você acredita que essas mudanças nas relações internacionais terão algum impacto para o Brasil, seja em termos de política externa ou econômica? 

IL: Um segundo governo Trump forçará que alianças regionais tenham um caráter não só político, mas também comercial. Isso significa que vários players do Oriente Médio e até mesmo da América Latina podem ser forçados a tomar lados em decisões de parcerias políticas e, principalmente, em cadeias produtivas, compra de matérias-primas, chips e semicondutores.  

Não há dúvidas de que um governo Trump diminuirá o multilateralismo, mas as pessoas já sabem o que esperar. A União Europeia já faz os seus próprios planos de se tornar mais independente dos Estados Unidos e buscar seus próprios avanços. O impacto para o Brasil, entretanto, é preocupante, pois nos afastamos dos Estados Unidos tanto no governo Trump quanto no governo Biden, e isso não tem gerado situações positivas para o nosso país.  

O fato de o Brasil estar distante das diretrizes americanas e não ter um alinhamento comercial claro pode ser um fator negativo. O Brasil pode ser forçado a tomar decisões difíceis, especialmente porque em muitos casos o governo brasileiro tomou decisões contrárias às visões democráticas ou aos impactos positivos dentro da comunidade internacional. Esse será um risco que teremos que analisar em um segundo governo Trump.