Uma nova chance para a energia nuclear?
Uma usina nuclear de Palisades, construída nos anos 70 e com planos de demolição desde 2022, será, na verdade, trazida de volta à vida
Colunista - Instituto Millenium
Publicado em 3 de setembro de 2024 às 20h26.
Esta semana o Wall Street Journal traz uma notícia inesperada para os moradores de Covert, no estado de Michigan: uma usina nuclear de Palisades, construída nos anos 70 e com planos de demolição desde 2022, será, na verdade, trazida de volta à vida.
O projeto, com custos estimados em 2 bilhões de dólares, é parte de uma série de políticas públicas voltadas a promover o avanço da energia nuclear nos Estados Unidos, anunciado em maio deste ano pela Casa Branca.
Visto que Donald Trump também anunciou medidas a favor da energia nuclear durante seu governo, em 2021, e recentemente reiterou ser a favor de expandir a indústria, a energia nuclear parece ter seu futuro garantido, ao menos nos Estados Unidos, independentemente do resultado das eleições em novembro.
Atualmente, os Estados Unidos contam com 55 usinas nucleares, que somam 94 reatores espalhados por 28 dos 50 estados, produzindo juntos cerca de 18% da energia do país. Outros países, como a França, derivam cerca de 70% da sua energia de usinas nucleares. Por outro lado, a Alemanha, que tinha cerca de um quarto de sua energia elétricaprovenientevindode usinas nucleares até 2011, decidiu fechar todaselas,comas últimasencerrando suas operaçõesem abril de 2023. Hoje, o país depende do carvão para gerar cerca de 30% da sua energia.
A campanha contra a energia nuclear é, ao meu ver, um enorme retrocesso que reflete os incentivos que permeiam a tomada de decisões na esfera política. A política é movida por crises, reais ou imaginárias, que precisam de soluções, também possivelmente imaginárias.
A primeira lei da economia nos ensina que em um mundo onde há desejos infinitos e recursos finitos, devemos fazer escolhas. Devemos sempre perguntar "comparado a que?" e analisar os trade-offs. A primeira lei da política, por sua vez, é ignorar a primeira lei da economia. Assim dizia o economista Thomas Sowell.
Sem dúvida, os acidentes nucleares marcam nossa memória. Ao mesmo tempo, eles enganam nossa intuição. Em Chernobyl, o pior acidente nuclear da história levou à morte confirmada de 100 pessoas. Considerando outras estimativas mais abrangentes que incluem potenciais impactos de maior prevalência de câncer, por exemplo, o número total de mortes varia entre 300 e 500 pessoas.
Por sua vez, o de Fukushima acabou matando apenas uma pessoa diretamente. Estimativas que consideram todas as mortes ao longo do processo de evacuação, em meio aos destroços de um terremoto e um tsunami de 15 metros de altura, chegam a cerca de 2300 mortes, incluindo, por exemplo, pacientes críticos em hospitais que tiveram seus cuidados médicos interrompidos.
Ambos, obviamente, são desastres. Mas atacar a energia nuclear com base nesses dois casos ignora as alternativas. Portanto, ignora, de novo, a pergunta fundamental: comparado a que? Se nossa energia não for nuclear, qual outra fonte energética usaremos? A alternativa proposta é mais ou menos segura?
Suponha que o mundo seguisse o rumo da Alemanha, retornando ao carvão. Comparemos: em 1986, o mesmo ano do acidente de Chernobyl, 448 trabalhadores morreram em minas de carvão apenas nos Estados Unidos. Atualmente, cerca de 15.000 mineiros morrem todos os anos ao redor do mundo.
O pior disso tudo é que precisamos de muito mais carvão para gerar a mesma quantidade de energia. Enquanto a fissão 1g de urânio ou plutônio por dia gera ao redor de 1 megawatt de energia5(o suficiente para abastecer cerca de 1,000 residências por um ano), precisaríamos de 3 toneladas de carvão para gerar a mesma quantidade de energia. Ou seja, urânio ou plutônio geram cerca de 3 milhões de vezes mais energia que um peso equivalente de carvão. Para comparar a segurança de cada um deles, é necessário ponderar o número de mortes por quantidade de energia gerada.
Considere o seguinte exemplo, de uma cidade chamada Vila Energia que consome um terawatt de energia por ano. Para os padrões brasileiros de consumo, essa cidade poderia abrigar ao redor de 400.000 pessoas. Considere o custo humano de abastecer Vila Energia usando diferentes fontes energéticas:
- Carvão: 25 pessoas morreriam prematuramente todos os anos
- Óleo: 18 pessoas
- Gás natural: 3 pessoas
- Hidroelétrica: 1 pessoa
- Eólica: demoraria 25 anos para que uma pessoa morresse
- Nuclear: demoraria 33 anos para que uma pessoa morresse
- Solar: demoraria 50 anos para que uma pessoas morresse
A energia eólica e solar são claras alternativas, mas dependem, obviamente, de ventos e do sol. Isso torna a sua produção de baixa eficiência em certas regiões, ou plenamente impossível em outras. Essas fontes, portanto, sofrem do problema de variabilidade, já que podem gerar muita energia quando há pouca demanda, ou pouca energia quando a demanda está alta. A energia solar não gera energia alguma à noite, por motivos óbvios. Não existem soluções perfeitas, apenas trade-offs. Estando em segundo lugar, a energia nuclear é uma fonte segura demais para ser descartada.
Ademais, seus prognósticos estão cada vez melhores. Os reatores modernos são muito menores e tornam seu processo de segurança muito mais fácil e infinitamente superior. Uma pessoa que mora ao redor de uma usina nuclear por uma década recebe um adicional de radiação equivalente à uma tomografia. Trabalhadores da usina nuclear recebem menos da metade da radiação pilotos de avião ou comissários de bordo.
Críticos que apontam ao seu maior problema, o chamado "lixo nuclear", ignoram dois fatos importantes, um histórico e outro recente. O histórico é que o lixo nuclear é um problema de dimensões relativamente pequenas, literalmente: todo o lixo nuclear gerado nos Estados Unidos ao longo de mais de 70 anos de operação cabe em um campo de futebol.8O mais recente, e mais importante, é que hoje em dia 96% dos resíduos nucleares podem ser reciclados. Cerca de 10% da energia nuclear francesa já vem da reciclagem de combustível nuclear.
A energia nuclear merece uma nova chance. Talvez não seja no Brasil, entendo. Mas esperamos que, ao menos, no resto do mundo.
Esta semana o Wall Street Journal traz uma notícia inesperada para os moradores de Covert, no estado de Michigan: uma usina nuclear de Palisades, construída nos anos 70 e com planos de demolição desde 2022, será, na verdade, trazida de volta à vida.
O projeto, com custos estimados em 2 bilhões de dólares, é parte de uma série de políticas públicas voltadas a promover o avanço da energia nuclear nos Estados Unidos, anunciado em maio deste ano pela Casa Branca.
Visto que Donald Trump também anunciou medidas a favor da energia nuclear durante seu governo, em 2021, e recentemente reiterou ser a favor de expandir a indústria, a energia nuclear parece ter seu futuro garantido, ao menos nos Estados Unidos, independentemente do resultado das eleições em novembro.
Atualmente, os Estados Unidos contam com 55 usinas nucleares, que somam 94 reatores espalhados por 28 dos 50 estados, produzindo juntos cerca de 18% da energia do país. Outros países, como a França, derivam cerca de 70% da sua energia de usinas nucleares. Por outro lado, a Alemanha, que tinha cerca de um quarto de sua energia elétricaprovenientevindode usinas nucleares até 2011, decidiu fechar todaselas,comas últimasencerrando suas operaçõesem abril de 2023. Hoje, o país depende do carvão para gerar cerca de 30% da sua energia.
A campanha contra a energia nuclear é, ao meu ver, um enorme retrocesso que reflete os incentivos que permeiam a tomada de decisões na esfera política. A política é movida por crises, reais ou imaginárias, que precisam de soluções, também possivelmente imaginárias.
A primeira lei da economia nos ensina que em um mundo onde há desejos infinitos e recursos finitos, devemos fazer escolhas. Devemos sempre perguntar "comparado a que?" e analisar os trade-offs. A primeira lei da política, por sua vez, é ignorar a primeira lei da economia. Assim dizia o economista Thomas Sowell.
Sem dúvida, os acidentes nucleares marcam nossa memória. Ao mesmo tempo, eles enganam nossa intuição. Em Chernobyl, o pior acidente nuclear da história levou à morte confirmada de 100 pessoas. Considerando outras estimativas mais abrangentes que incluem potenciais impactos de maior prevalência de câncer, por exemplo, o número total de mortes varia entre 300 e 500 pessoas.
Por sua vez, o de Fukushima acabou matando apenas uma pessoa diretamente. Estimativas que consideram todas as mortes ao longo do processo de evacuação, em meio aos destroços de um terremoto e um tsunami de 15 metros de altura, chegam a cerca de 2300 mortes, incluindo, por exemplo, pacientes críticos em hospitais que tiveram seus cuidados médicos interrompidos.
Ambos, obviamente, são desastres. Mas atacar a energia nuclear com base nesses dois casos ignora as alternativas. Portanto, ignora, de novo, a pergunta fundamental: comparado a que? Se nossa energia não for nuclear, qual outra fonte energética usaremos? A alternativa proposta é mais ou menos segura?
Suponha que o mundo seguisse o rumo da Alemanha, retornando ao carvão. Comparemos: em 1986, o mesmo ano do acidente de Chernobyl, 448 trabalhadores morreram em minas de carvão apenas nos Estados Unidos. Atualmente, cerca de 15.000 mineiros morrem todos os anos ao redor do mundo.
O pior disso tudo é que precisamos de muito mais carvão para gerar a mesma quantidade de energia. Enquanto a fissão 1g de urânio ou plutônio por dia gera ao redor de 1 megawatt de energia5(o suficiente para abastecer cerca de 1,000 residências por um ano), precisaríamos de 3 toneladas de carvão para gerar a mesma quantidade de energia. Ou seja, urânio ou plutônio geram cerca de 3 milhões de vezes mais energia que um peso equivalente de carvão. Para comparar a segurança de cada um deles, é necessário ponderar o número de mortes por quantidade de energia gerada.
Considere o seguinte exemplo, de uma cidade chamada Vila Energia que consome um terawatt de energia por ano. Para os padrões brasileiros de consumo, essa cidade poderia abrigar ao redor de 400.000 pessoas. Considere o custo humano de abastecer Vila Energia usando diferentes fontes energéticas:
- Carvão: 25 pessoas morreriam prematuramente todos os anos
- Óleo: 18 pessoas
- Gás natural: 3 pessoas
- Hidroelétrica: 1 pessoa
- Eólica: demoraria 25 anos para que uma pessoa morresse
- Nuclear: demoraria 33 anos para que uma pessoa morresse
- Solar: demoraria 50 anos para que uma pessoas morresse
A energia eólica e solar são claras alternativas, mas dependem, obviamente, de ventos e do sol. Isso torna a sua produção de baixa eficiência em certas regiões, ou plenamente impossível em outras. Essas fontes, portanto, sofrem do problema de variabilidade, já que podem gerar muita energia quando há pouca demanda, ou pouca energia quando a demanda está alta. A energia solar não gera energia alguma à noite, por motivos óbvios. Não existem soluções perfeitas, apenas trade-offs. Estando em segundo lugar, a energia nuclear é uma fonte segura demais para ser descartada.
Ademais, seus prognósticos estão cada vez melhores. Os reatores modernos são muito menores e tornam seu processo de segurança muito mais fácil e infinitamente superior. Uma pessoa que mora ao redor de uma usina nuclear por uma década recebe um adicional de radiação equivalente à uma tomografia. Trabalhadores da usina nuclear recebem menos da metade da radiação pilotos de avião ou comissários de bordo.
Críticos que apontam ao seu maior problema, o chamado "lixo nuclear", ignoram dois fatos importantes, um histórico e outro recente. O histórico é que o lixo nuclear é um problema de dimensões relativamente pequenas, literalmente: todo o lixo nuclear gerado nos Estados Unidos ao longo de mais de 70 anos de operação cabe em um campo de futebol.8O mais recente, e mais importante, é que hoje em dia 96% dos resíduos nucleares podem ser reciclados. Cerca de 10% da energia nuclear francesa já vem da reciclagem de combustível nuclear.
A energia nuclear merece uma nova chance. Talvez não seja no Brasil, entendo. Mas esperamos que, ao menos, no resto do mundo.