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Um olhar do Direito sobre a crise política

Em novo livro, José Eduardo Faria analisa os jogos político e jurídico no Brasil, a partir da operação Lava Jato

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Instituto Millenium

Publicado em 11 de junho de 2019 às, 14h31.

Última atualização em 12 de junho de 2019 às, 15h28.

José Eduardo Faria, um dos maiores juristas brasileiros, lançou recentemente sua nova obra, intitulada “Corrupção, Justiça e Moralidade Pública”. No livro, o autor analisa a crise política brasileira, a começar pelo julgamento da operação Lava Jato, a partir da filosofia e da sociologia do Direito. “A ideia foi entender como o jogo político funciona, acoplado ao jogo jurídico e vice-versa, tomando como ponto de referência duas questões: A formação dos operadores da Lava Jato e a forma com que o Direito é interpretado em casos onde os autores eram importantes, como empreiteiros, ex-presidente da república e presidente da Câmara”, explica.

Em entrevista exclusiva ao Instituto Millenium, o especialista fala sobre o Direito no combate à corrupção no Brasil. Para isso, traça uma análise histórica da Europa por volta dos anos 1980 e 1985, quando a região enfrentava uma batalha contra máfias russa e italiana, além de ações terroristas. Ao optar por combatê-los através do uso da inteligência, foram utilizadas estratégias de asfixia às fontes de financiamento destas organizações criminosas. A partir daí, constituía-se na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) um grupo chamado “antilavagem de dinheiro”, que elaborou uma minuta de Direito Penal Econômico adotada pelos países parceiros. José Eduardo Faria conta que, em troca de benefícios, o Brasil internalizou essa legislação, considerada contemporânea e muito diferente do Direito Penal tradicional:

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“Nós temos um Direito Penal Econômico que mudou o conceito de prova, abriu caminhos para uma série de avaliações por parte de juízes e promotores de novos mecanismos de sistema de inteligência, de softwares para mostrar o que são comportamentos padronizados, ou seja, é um Direito muito mais sofisticado. Isso fez com que os juízes e procuradores aprendessem a manipular esse Direito mais eficiente, enquanto os advogados de defesa dos políticos e empreiteiros continuaram com uma formação tradicional de 1941. Isso vai gerar o embate entre juízes e promotores consequencialistas de um lado e advogados garantistas de outro. É um debate de gerações de advogados, juízes e de legislação penal”.

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O combate à corrupção no Brasil trouxe uma situação de conflito entre o Judiciário e a classe política brasileira. De um lado, segundo José Eduardo Faria, há um discurso defensivo de criminalização da política. “Claramente o Congresso, governadores e prefeitos ficaram assustados. Foi um processo de avanço, de transparência no controle dos gastos públicos e de desmanche em sistemas bem enraizados de corrupção. Por outro lado, é evidente que isso gera tensões e uma série de problemas que levam ao travamento da administração pública e à judicialização da política, ou seja, em alguns momentos você tem excesso tanto do Ministério Público, quanto do Judiciário”.

O STF

A mais alta instância do Judiciário no Brasil tem sido constante alvo de críticas por parte da opinião pública. José Eduardo Faria ressalta que o Supremo Tribunal Federal (STF) deveria ter um órgão colegiado que discutisse suas decisões, construindo votos orgânicos a partir daí. No entanto, para o especialista, há hoje uma falta de diálogo entre os ministros, que resulta em onze votos que acabam não “conversando” entre si.

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“Vamos imaginar que você tenha seis votos pela condenação e cinco pela absolvição. Aritmeticamente, ganharam os votos de condenação, mas eles não constroem um procedente, uma jurisprudência clara que pode ser mantida, muito bem constituída e fundamentada. Por isso, alguns especialistas dizem que o Supremo é formado por onze ilhas, que não se comunicam”, ressalta, destacando, no entanto, que apesar do desgaste da Corte, impulsionado inclusive pelas decisões monocráticas de alguns juízes, o STF é fundamental para preservar o regime democrático. “Há ministros mais bem preparados e outros nem tanto. Na medida em que forem substituídos, isso pode piorar ou melhorar, dependendo dos critérios para indicação. Os ministros passam, mas o Supremo continua”.