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Um chamado à responsabilidade pessoal

A verdadeira justiça está em permitir que cada um enfrente as consequências de seus atos e cresça com elas

Assumir responsabilidade pelos próprios atos é viver uma sociedade de adultos (petra012015/iStockphoto)
Assumir responsabilidade pelos próprios atos é viver uma sociedade de adultos (petra012015/iStockphoto)

Há muito abdicamos da responsabilidade pelo que somos ou fazemos. Aparentemente, as sociedades ocidentais contemporâneas fizeram paulatinas concessões para o descompromisso, o vitimismo e o comodismo. 

O crescente movimento pela irresponsabilidade pessoal vem ganhando diferentes contornos nos mais variados campos do saber. 

Na psicologia, há muito terceirizamos a culpa para nossos pais. Mais recentemente, diagnosticamos e optamos por “medicar” comportamentos, na vã tentativa de nos livrar da incômoda lembrança de que somos diferentes uns dos outros, falíveis, limitados, imperfeitos, e, por vezes, maus.  

Anthony Daniels, psiquiatra por detrás do pseudônimo Theodore Dalrymple, denuncia o desserviço prestado por badaladas escolas da psicologia que, ao fim e ao cabo, buscam encontrar circunstâncias que justifiquem os acontecimentos, eximindo as pessoas de suas responsabilidades por eles1. 

No direito, permitimos aos juízes alterar o conteúdo dos contratos por nós firmados, superando a vetusta máxima pacta sunt servanda (“os contratos devem ser cumpridos”), em nome de uma suposta “justiça social”.  

No Brasil, lentamente passamos a nos despreocupar com o fato de que haja lei impedindo certa pretensão, afinal, sempre haverá um valor ou princípio geral lançado de forma descuidada na Constituição e um juiz disponível a aplicá-los, ainda em nome da tal justiça social, em detrimento da regra expressa da legislação. 

No campo das finanças, gastamos o que não temos, não porque somos perdulários, mas por que nos deram crédito.  

E por aí vai. 

Só que nenhum remédio ou Tribunal irá nos salvar das consequências dos nossos atos. Se não as pagamos com nossos próprios recursos (financeiros ou morais), com certeza arcamos com seus custos por meio de nosso quinhão de participação na sociedade. Um ambiente social de relatividade moral e de miséria generalizada atinge a todos que vivem em comunidade, indistinta e inevitavelmente. 

Não há melhor professor que a circunstância de padecer das consequências dos nossos próprios atos. Aprende-se para nunca mais voltar a agir da forma traumática. Ao impedirmos essa vivência pelo outro, sob o argumento de uma suposta solidariedade, fraternidade, justiça ou puro populismo, estimulamos um círculo vicioso, que relativiza erros, coletiviza danos, amplia a possibilidade de novas ações equivocadas e causa ainda mais danos àquele que, arrogantemente, tentamos salvar de si mesmo. 

É nesse sentido que a economista Deirdre McCloskey2 tem reivindicado uma opção pelo adultismo, que ela entende como sendo a liberdade corajosa de ser e de ser parte de. Abdicar de uma sociedade de adultos, em sua concepção, seria fazer opção pela tirania, pela tirania de sermos submetidos à vontade de outro. 

Em um tempo em que se premia aqueles que revelam que “instituições (ou regras do jogo sociais) importam”3, convém entender a preciosidade que representa o incentivo decorrente de se pagar caro por uma decisão pessoal equivocada, como corretor de rotas. E convém recordar que a trajetória de um povo ou país nada mais é que a trajetória de um sem-número de indivíduos, unidos em suas circunstâncias. Em uma coletividade, um erro individual nunca representa apenas um erro individual...e o alto preço não pago pelo equívoco privativo apresenta suas contas a todo o grupo social. 

1 DALRYMPLE, Theodore. Evasivas admiráveis: como a psicologia subverte a moralidade. 1ª
ed. São Paulo: É Realizações, 2017.

[2] MCCLOSKEY, Deirdre N. Liberalism Is Adultism. Draft of Nov. 24, 2020, forthcoming (in Spanish) in Antonella Marty, ed., The Handbook of Freedom: A Guide to Economic, Political, and Cultural Liberalism. Bilbao, Spain: Editorial Planeta/Deusto.

[3] A concepção de que as instituições de uma sociedade importam para seu progresso está nas bases do pensamento de Acemoglu, Johnson e Robinson, premiados no ano de 2024 com o Nobel de Economia.