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Transformando a realidade das favelas: inovação e aprendizado na luta contra a pobreza

Erradicação da pobreza no Brasil é frequentemente debatida, e muitos questionam sua viabilidade

Favela in Rio de Janeiro (luoman/Getty Images)
Favela in Rio de Janeiro (luoman/Getty Images)

A erradicação da pobreza no Brasil é frequentemente debatida, e muitos questionam sua viabilidade. Apesar de diversas políticas públicas terem sido experimentadas ao longo dos anos, o desafio persiste. Na Gerando Falcões, mantemos a convicção de que é possível superar esse obstáculo. Esta crença é sustentada não apenas pela nossa missão, mas também pelas iniciativas concretas que estamos adotando nas comunidades, buscando novas soluções e direções para o problema.

O projeto Favela 3D (Digna, Digital e Desenvolvida) propõe inovações que situam a questão da pobreza no cerne dos nossos debates sobre comunidades pobres. Enquanto as favelas representam um imenso potencial, a pobreza age como um impedimento, uma âncora, restringindo moradores a condições indignas e limitando suas perspectivas futuras. A iniciativa tem como meta alinhar esse potencial com transformações tangíveis, buscando estabelecer um ambiente comunitário digno, integrado à era digital e em constante desenvolvimento. As intervenções visuais objetivam fortalecer a autoestima e promover a harmonia comunitária, enquanto infra estruturas renovadas facilitam a mobilidade dos residentes em suas rotinas diárias.

O cerne deste programa são as pessoas. Embora cada família compartilhe a realidade de uma mesma favela, elas possuem trajetórias únicas, ligadas por desafios comuns, mas necessitando de atenções diferenciadas. O Programa Decolagem estabelece percursos personalizados para superar a pobreza, garantindo um acompanhamento contínuo desde a etapa inicial até a conclusão. Integrando soluções internas, políticas públicas e contribuições de parceiros do Favela 3D, buscamos atender às especificidades de cada família. Embora a ideia não seja inédita, sua aplicação em larga escala ainda é um desafio para elevar as famílias brasileiras a um padrão digno de vida.

O conceito subjacente ao nosso programa foi desenvolvido pela organização BRAC (Building Resources Across Communities) de Bangladesh, responsável por programas voltados para a ativação socioeconômica dos mais vulneráveis. Nosso Programa Decolagem foi inspirado nesses esforços. Recentemente, tivemos a oportunidade de visitar Bangladesh para uma análise mais detalhada. Vale ressaltar que, embora o país já tenha sido um dos mais pobres do mundo, atualmente apresenta um crescimento econômico anual de 7%. Em 1971, 80% da população vivia abaixo da linha da pobreza, índice que foi reduzido para 20% em 2023. A despeito dos desafios distintos, muitas lições de Bangladesh podem ser aplicadas ao contexto brasileiro.

Em Bangladesh, identificamos que os benefícios sociais são muitas vezes atrelados a contrapartidas produtivas por parte das famílias. O sistema prioriza microfinanças, visando a inclusão econômica. Destacam-se as famílias menos capacitadas para microfinanças como público-alvo do programa de graduação da pobreza. Mulheres beneficiadas recebem suporte para geração de renda e integração ao sistema de proteção social, fundamentais para seu contínuo desenvolvimento. Através de uma atuação comunitária e métodos acessíveis, o programa auxiliou mais de 2 milhões de famílias a superar a pobreza.

Através do Programa Decolagem, nossa intenção é incorporar aprendizados obtidos em Bangladesh, adaptando-os à realidade das famílias em regiões urbanas do Brasil. Contando com a colaboração de organizações da sociedade civil e governos locais, desejamos expandir essa abordagem - já em teste em dezenas de comunidades por todo o país. Embora o Bolsa Família tenha estabelecido o Brasil exemplo global em programas de transferência condicionada de renda, é preciso avançar ainda mais, desenvolvendo mecanismos para que as famílias que assim desejam possam, gradativamente, se tornar menos dependentes de auxílios governamentais.

Longe de desqualificar a importância da transferência direta de renda, uma das grandes revoluções em matéria de política social dos últimos anos, mas reconhecendo que a pobreza vai além da dimensão financeira – é um desafio intrinsecamente social. É preciso incluir as pessoas em ambientes nas quais elas possam aprender, se relacionar e gerar laços sociais que as permitam navegar pela vida não apenas livres da fome, mas com liberdade real para construir seus futuros. Este tipo de capital social pode ser desenvolvido de muitas maneiras: a inclusão no mercado de trabalho, o empreendedorismo, o trabalho comunitário, entre outros. É nesse contexto que a ascensão de igrejas evangélicas não deveria espantar. Via de regra, trata-se de um ambiente que oferece aos seus membros um capital social e habilidades aplicáveis a uma série de situações da vida secular. Excelente que assim seja, mas deveriam abundar alternativas em nossas favelas. Sabemos que não é o caso.

As políticas de assistência social brasileiras possuem o potencial de adotar abordagens personalizadas e intensivas, especialmente para as famílias mais vulneráveis, engajando diretamente com as comunidades e suas respectivas instituições. Contudo, frequentemente encontramos um padrão burocrático que se limita à inclusão destas famílias em sistemas informatizados, negligenciando suas histórias individuais e necessidades específicas. A superação deste paradigma requer investimentos significativos, comprometimento político e, acima de tudo, uma transformação cultural.

Operando na vanguarda da sociedade civil, a Gerando Falcões desfruta da flexibilidade para adotar abordagens inéditas, consolidando práticas que aguardam sinergia com as capacidades institucionais dos governos locais nas comunidades onde atuamos. Inovamos juntamente com instituições parceiras em questões variadas, mas que afetam profundamente a implementação de projetos, desde o recrutamento de profissionais motivados para orquestrar intervenções sociais nos territórios até o emprego sofisticado de análises data-driven das populações atendidas. Nossa ênfase recai sobre a verdadeira integração das comunidades com uma rede de apoios que inclui a filantropia, o poder público e, principalmente, a capacidade de mobilização e superação que existe em abundância nas favelas. O principal desafio reside em formular estratégias de geração de renda que atendam à diversidade das comunidades brasileiras. Isso reflete não somente nossa missão, mas também o anseio por um futuro onde a dignidade seja compartilhada por muitos, e não reservada a uma minoria